Preconceitos: não basta ser chumbrega, tem que ser punido!
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Preconceitos: não basta ser chumbrega, tem que ser punido!

Autor:Luiz Henrique Borges

Nas últimas semanas, diversas manifestações racistas voltaram a marcar fortemente os estádios sul-americanos. Na última quarta-feira, ouvi um comentarista da Sportv afirmar que tais fatos, ao invés de diminuírem, estão se tornando mais frequentes. Entendo que a fala do comentarista é mais um desabafo de frustração com a perpetuação dos idiotas do que o efetivo crescimento das ofensas raciais. Calma! Irei explicar. Não estou passando “panos quentes” para os torcedores ignorantes que ridiculamente imitam e fazem sons de macacos. O que quero ressaltar é que agora há o incômodo de boa parte das pessoas, outrora inexistente, com as atitudes racistas, misóginas e homofóbicas. A diferença não está na quantidade de manifestações, mas sim no repúdio que agora elas costumam causar.

Quando comecei a assistir as partidas pela TV ou ir aos estádios, todos naturalizavam as mais diversas ofensas. Era comum, quando um atacante negro perdia um gol gritar: “Preto FDP”, entre outras frases hoje inaceitáveis. Contar com um goleiro negro era considerado uma temeridade, afinal eles não teriam capacidade emocional para atuar em uma posição tão sensível como ficou provado, segundo os detratores, pelos gols sofridos por Barbosa na Copa de 1950. Felizmente eu vivi para ver diversas falhas de Taffarel, goleiro branco, alvo, de olhos claros. O negro Barbosa e o branco Taffarel cometeram suas falhas como todos os atletas que atuam na posição, mas foram excepcionais goleiros. Definitivamente não é a cor de suas peles que os definem. Poderia fazer uma lista de grandes goleiros negros, encabeçada por Dida, mas sendo botafoguense só posso ressaltar a sorte de assistir e vibrar com o elástico, rápido e sensacional Jefferson.

Enfim, era natural e também considerado o papel da torcida, na tentativa de desestabilizar o adversário, gritar as mais diversas ofensas de cunho racial. Além delas, cantos misóginos, depreciando as mulheres dos jogadores eram muito comuns. O ex-goleiro Júlio César, quando atuava pelo Flamengo, costumava ser saudado pelas torcidas rivais com musiquinhas alusivas ao fato de sua esposa ter namorado, anteriormente, com Ronaldo Fenômeno:

Ô, Júlio César, como é que é?

O Ronaldinho já comeu sua mulher!

Ainda mais grosseira era o cântico da torcida do Palmeiras, entoado na década de 1990, tendo como alvo a então esposa do goleiro Ronaldo, do Corinthians:

O X vagabunda, eu vou comer sua b…..
E sua b…..
Eêêêêê ê, vou chupar suas tetas      

O sexismo e a objetificação da mulher não atingiam apenas as companheiras dos atletas. Poucas torcedoras se aventuravam nos estádios e quando iam eram sempre “saudadas” como gostosas, piranhas, entre outras frases que demonstravam claramente que eram intrusas e que aquele ambiente lhes era hostil.

A homofobia completava a tríade das ofensas. Há muito pouco tempo, o goleiro, ao bater o tiro de meta, ouvia o coro de bicha entoado por todo o estádio. O juiz e os bandeirinhas também recebiam tal atributo pelos torcedores. Quando o atleta adversário recebia uma falta e caía, logo alguém gritava: “Levanta logo, não foi nada, sua bicha!”, “gayzinho, levanta” ou ainda “Futebol é jogo de macho”.

Felizmente, o espaço de expressão e atuação de tais grupos está reduzindo. Os intolerantes são vistos e identificados como tais. Infelizmente, eles ainda não são capazes de perceber que são intolerantes ou, ainda pior, estão convencidos de que a sua intolerância é perfeitamente justificada. Se hoje os meios de comunicação debatem o assunto e pedem por medidas que combatam as discriminações é porque a maior parte da sociedade já não aceita os discursos ultrapassados e que colocam em risco a integridade física das minorias.

Antes que alguém grite pela tão propalada “liberdade de expressão”, muitas vezes utilizadas de forma espúria, devo ressaltar que as liberdades e os direitos de alguém jamais podem infringir as liberdades e os direitos do outros. A vida em sociedade depende de pactos de convivência e de respeito pela alteridade. Liberdade de expressão não é sinônimo e não legitima as diversas modalidades de agressão.

O mais paradoxal, ao meu ver, é que os discursos racistas conseguem angariar adeptos na América do Sul. Nunca consegui entender, por exemplo, brasileiros que defendem o nazismo. A última coisa que temos é a chamada pureza racial, arduamente defendida por Hitler e seus companheiros em seus equivocados sonhos eugênicos. Somos mestiços, orgulhosamente mestiços.

Os clubes brasileiros estão sofrendo, talvez em virtude do predomínio construído nos últimos anos na Libertadores da América, constantes ataques racistas em diversos países. Só na atual edição já foram 8 casos. Os torcedores argentinos lideram as estatísticas. Mas torcedores paraguaios, equatorianos, chilenos e colombianos também se esqueceram de suas miscigenações e até da forte presença negra em alguns desses países, para nos chamar de macacos.

Todas as intolerâncias precisam ser combatidas pelas autoridades. É interessante que os clubes podem ser duramente punidos quando alguém joga qualquer objeto no gramado, até um simples copinho de plástico. Temerosos com as punições, os torcedores procuram rapidamente identificar e apontar o culpado para que ele seja retirado do local. Entendo que medidas semelhantes deveriam ser tomadas pelas instituições que dirigem o futebol sul-americano, principalmente a Conmebol, em relação às manifestações racistas, homofóbicas ou misóginas.

Os torcedores precisam saber que seus clubes sofrerão punições como a perda de pontos, de mandos de campo e até de eliminação da competição quando realizam manifestações que merecem nosso repúdio. Certamente, como ocorre no caso de objetos atirados no gramado, a maior parte dos torcedores, que hoje se cala diante de tais agressões, inclusive para evitar brigas e desavenças nas arquibancadas, serão os primeiros a apontar e pedir pela exclusão dos intolerantes, evitando, desta forma, a punição de seus clubes.

Quando ações educativas e de conscientização não são capazes de sensibilizar determinados indivíduos, medidas mais duras precisam ser adotadas. Nós não pesamos em arrobas e não nos movemos ou fazemos barulhos como macacos. Somos seres-humanos e assim precisamos ser reconhecidos. Não podemos permitir que discursos vencidos e preconceituoso, proferidos por quem quer que seja, sejam legitimados e aceitos. A sociedade só está sem graça porque você, ao afirmar isto, nunca foi o alvo das piadas.