Basta trocar de camisas
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Basta trocar de camisas

Autor: Luiz Henrique Borges

Jogar contra os clubes argentinos nunca foi uma tarefa fácil, nem lá e nem cá. Donos de um futebol muito técnico, de dribles curtos e sabedores de como desestabilizar emocionalmente o adversário, os argentinos dominaram por muitos anos a Copa Libertadores da América que começou a ser disputada em 1960. Os seus clubes ainda ostentam o maior número de conquistas continentais, vinte e cinco. Os dois maiores vencedores são argentinos, o Independiente e Boca Juniors, o primeiro com sete conquistas em sete finais e o segundo com seis conquistas em onze decisões.
Ao lado de uma das principais autopistas da Argentina, ou seja, uma estrada destinada ao trânsito rápido de automóveis, distando poucas quadras do início geográfico da província de Buenos Aires se encontra o fortín do Vélez Sarsfield, o estádio José Amalfatani. Segundo Alejandro Fabbri, historiador do futebol argentino e que descreve brilhantemente a história de diversos clubes de seu país na obra “El nacimiento de uma pasión: historia de los clubes de fútbol”, o Vélez sempre se caracterizou por ter uma estratégia de crescimento e fazer as coisas com qualidade o que o tornou, particularmente no final da década de 1960 em diante, uma equipe respeitada interna e externamente.
Para o duelo contra o Flamengo, retornando as raízes da Libertadores, o Vélez, ao que parece propositalmente, com o intuito de dificultar o jogo do seu adversário na semifinal, sabotou o seu próprio campo, deixando-o em péssimo estado. Segundo noticiado, o treinador da equipe, o Cacique Medina, de nefastas lembranças para a torcida do Internacional, solicitou que o gramado estivesse seco, duro e em condições desfavoráveis, assim a bola ficaria, no jargão do futebol, mais viva e, lógico, dificultaria o seu controle e a troca de passes dos atletas que formam a técnica equipe carioca.
Oficialmente, os argentinos alegaram que não conseguiram o fertilizante importado que normalmente é utilizado, e o novo queimou o gramado, deixando-o com a tonalidade amarela. Catimba, ou não, o Vélez lançou mão de todos os recursos para conter o ímpeto da embalada e favorita equipe comandada por Dorival Júnior.
Antes da partida, conversando com dois alunos flamenguistas nos corredores da faculdade, o Guilherme e o Sebastião, ouvi o vaticínio de que o rubro-negro venceria o jogo mesmo atuando na Argentina. Eles estavam, ao meu ver, otimistas e o placar profetizado era de 2X0. Conhecedor da tradição do Vélez e da dificuldade que é jogar em Buenos Aires eu fui mais modesto e afirmei que obter um empate ou uma vitória magrinha, pelo placar mínimo, já seria ótimo, afinal o Flamengo definiria a vaga no lotado Maracanã.
Erramos. O Flamengo não venceu, ele atropelou, massacrou, destruiu os donos da casa e escreveu um novo capítulo na história da Libertadores da América. O placar de 4X0 conquistado pelo rubro-negro carioca igualou as mais impactantes vitórias de times visitantes sobre os donos da casa nas semifinais da competição e ele se juntou ao seletíssimo grupo formado por Santos e Boca Juniors. A equipe paulista, no longínquo 1963, alcançou o resultado derrotando o Botafogo e, quarenta anos depois, em 2003, o Boca Juniors repetiu o feito ao vencer o América de Cali da Colômbia.
Além disso, a goleada construída pelo Flamengo foi também a maior sobre um clube argentino em seus domínios. Até hoje, nenhum atrevido visitante, na Copa Libertadores da América, havia derrotado um time dos hermanos por mais de três gols de diferença.
Se há diversas similitudes entre o Flamengo de 2019 e o atual, por exemplo, ambos trocaram de treinadores durante a temporada, agora temos a “vingança” dos técnicos brasileiros. Em 2019, Abel Braga foi substituído pelo português Jorge Jesus. O bom trabalho do lusitano deflagrou uma dura e, muitas vezes, injusta, campanha contra os profissionais brasileiros.
Nesse ano, o português Paulo Sousa fracassou de forma altissonante. Sem muita convicção dos dirigentes, Dorival Júnior foi chamado. Muito rapidamente, ele resgatou o futebol flamenguista que, nas últimas quinze partidas, venceu treze e empatou duas. Mas não são os resultados que impressionam, mas sim a qualidade do futebol apresentado. Em duas semanas, jogando sempre fora de casa, os comandados de Dorival Júnior praticamente colocaram o clube em duas finais, a da Copa do Brasil e a da Libertadores da América. No Brasileirão, ainda será preciso remar bastante para tentar alcançar o Palmeiras, mas o clube da Gávea continua muito vivo na briga.
Na outra semifinal, muito equilíbrio entre o Athletico Paranaense e o Palmeiras. O clube comandado por Scolari venceu o jogo na Arena da Baixada e, apesar da vitória simples parecer pequena, afinal o próximo jogo é no estádio do adversário, ela tirou o conforto de um clube que não era derrotado fora de casa na competição desde abril de 2019, quando perdeu para o San Lorenzo, e colocou uma pressão extra no atual bicampeão da América.
Abel Ferreira, pela primeira vez desde que chegou ao Palmeiras, terá que reverter um placar desfavorável nas fases eliminatórias da Libertadores. Para o jogo decisivo, há um importante atenuante, Luiz Felipe Scolari, especialista nestes tipos de confrontos, vencedor da competição por duas vezes, campeão mundial pela Seleção Brasileira, foi expulso na Arena da Baixada e não estará na beira do campo em São Paulo. É uma perda considerável para os paranaenses.
A Libertadores da América resume o amplo domínio que o futebol brasileiro conquistou no continente nos últimos anos, resultado da disparidade econômica entre os times participantes. Ampliando o escopo temporal, se em suas trinta e duas edições iniciais, entre 1960 e 1991, havíamos conquistado apenas 5 títulos (Santos 1962 e 1963, Cruzeiro 1974, Flamengo 1981 e Grêmio 1983), nos últimos trinta anos já levantamos a taça por dezesseis vezes (53,3%) e já nos aproximamos, com 21 títulos, da liderança argentina.
Como estou convicto, por mais surpresas que o futebol possa trazer, que o Vélez não irá reverter no Maracanã a gigantesca vantagem flamenguista, nos encaminhamos para a terceira final brasileira consecutiva o que representará também a décima sétima conquista desde 92 e faltarão apenas três para igualarmos os argentinos.
Mas, torcedores do Flamengo, preocupem-se! Acabei de ser iluminado pelos deuses do futebol. Resolvi o enigma para impedir que o rubro-negro dispute sua terceira final de Libertadores em quatro anos. Nada é impossível neste apaixonante esporte e eu vou compartilhar a fórmula, muito simples, porém mágica. Para que o Vélez elimine o rubro-negro no Maracanã será suficiente que os atletas dos dois times troquem de camisas no início do jogo. Se Arrascaeta, Pedro e companhia defenderem o Vélez, o Maracanã sairá emudecido.