Suprema Corte suspende direito ao aborto nos Estados Unidos após 49 anos
Justiça

Suprema Corte suspende direito ao aborto nos Estados Unidos após 49 anos

Suprema Corte suspende direito ao aborto nos Estados Unidos após 49 anosFoto: Reprodução / Twitter
Abortar nos Estados Unidos não é mais um direito, decidiu a Suprema Corte do país nesta sexta-feira (24). A sentença, que reverte uma decisão que havia sido tomada pelo mesmo tribunal há 49 anos, traz grandes impactos para a vida das mulheres e para a política americana.

A mudança não proíbe o aborto no país, mas abre espaço para que cada um dos 50 estados adote vetos locais. A corte considerou como válida uma lei criada no estado do Mississipi, de 2018, que veta a interrupção da gravidez após a 15ª semana de gestação, mesmo em casos de estupro. Os juízes usaram este caso como oportunidade para derrubar outra decisão, de 1973, conhecida como Roe vs. Wade, que liberou o procedimento no país.

Nos anos 1970, os juízes haviam relacionado o aborto com o direito à privacidade, ao considerarem que os governos não poderiam interferir em uma escolha de foro íntimo da mulher -a de manter ou não uma gestação. O direito à privacidade é garantido por duas emendas à Constituição dos EUA, a 9ª e a 14ª.

No processo atual, chamado de Dobbs vs. Jackson Women’s Health Organization, a maioria dos magistrados adotou posição oposta e considerou que relacionar o procedimento com o direito à privacidade não faz sentido.

Assim, estados com governos conservadores, como Texas e Flórida, devem tirar esse direito de suas moradoras, enquanto regiões sob comando progressista, como Califórnia e Nova York, o manterão. Assim, a mudança deve afetar especialmente as mulheres mais pobres dos estados conservadores, pois elas têm menos condições para viajar até outro estado onde o procedimento é autorizado.

Projeções feitas pela imprensa americana apontam que ao menos 23 estados devem banir o aborto de modo quase completo após a decisão da Suprema Corte. Nos últimos anos, vários estados governados por republicanos tomaram medidas para dificultar o acesso ao procedimento, em um esforço para ir corroendo esse direito aos poucos.

Uma lei federal para liberar o aborto no país todo pode ser elaborada, mas as chances de o Congresso atual aprovar uma proposta dessa são mínimas. Republicanos, que se posicionam contra o aborto, têm poder para barrar a medida no Senado. E não há consenso entre democratas para tentar mudar as regras que permitem à oposição bloquear a aprovação de propostas assim.

O fim do direito ao aborto já era esperado desde o começo de maio, quando um rascunho da decisão sobre o tema foi revelado pelo site Politico. Depois disso, houve uma série de protestos pelo país, e a sede da Suprema Corte passou a ser protegida por grades.

Grupos de defesa de direitos das mulheres já haviam convocado protestos contra a medida em várias cidades do país, para serem feitos no dia em que a decisão fosse divulgada.

A mudança histórica de posição veio depois que o tribunal passou a ter maioria de juízes conservadores, um legado de Donald Trump, presidente de 2017 a 2021. Ele conseguiu indicar três magistrados, com ajuda de senadores republicanos. Seus aliados impediram o presidente Barack Obama de fazer uma nomeação em 2016, ao final de seu mandato, e correram para garantir que Trump apontasse mais uma juíza em 2020, semanas antes da eleição que ele perdeu.

Neste momento, os EUA estão em meio à campanha eleitoral para as midterms, votação em novembro que renovará governos estaduais e boa parte do Congresso. Muitos candidatos democratas devem usar a questão para atrair eleitores progressistas, com a promessa de ajudar a liberar o aborto em estados onde haverá veto e de proteger outros direitos. E republicanos devem reforçar sua posição contra o procedimento e destacar que o partido conseguiu entregar o veto que buscava desde os anos 1970.

A decisão de Roe vs. Wade mudou profundamente a política americana e, indiretamente, ajudou a torná-la mais polarizada. O combate ao aborto se tornou uma causa que une conservadores e líderes religiosos no país, que esperavam vetar a prática de vez. Eles passaram anos fazendo tanto grandes protestos pelo país quanto pequenas ações, como passar horas em frente a clínicas de aborto para tentar convencer as mulheres a desistirem do ato.

Uma das táticas para derrubar Roe vs Wade foi debater até quando as mulheres poderiam abortar. A decisão de 1973 definiu que o procedimento era totalmente livre no primeiro trimestre da gravidez (12 semanas), liberado com algumas restrições no segundo trimestre e só poderia ser vetado na terceira parte da gestação.

Em 1992, a corte julgou outro caso (Planned Parenthood vs. Casey), no qual confirmou o direito ao aborto, com uma alteração: passou a considerar o conceito de viabilidade fetal: as mulheres podem abortar sem restrições até o momento em que o feto fosse capaz de sobreviver fora do útero, o que tende a acontecer geralmente após 22 semanas.

Nos últimos anos, esse prazo foi sendo encurtado por leis estaduais. A norma do Mississipi, agora validada pela Suprema Corte, definiu o limite de 15 semanas. Uma lei do Texas, aprovada em setembro de 2021, impede o procedimento a partir de seis semanas de gestação, momento em que muitas mulheres ainda não descobriram estarem grávidas. A regra texana considera que o feto é viável se o coração está batendo. Em maio, Oklahoma foi mais longe e aprovou um veto ao aborto desde o momento da concepção.

A mudança atual dá força a políticos conservadores para tentar novos passos, como propor leis que impeçam as mulheres de irem a outro estado para abortarem ou punir quem ajudá-las a buscar o procedimento. A lei do Texas abre espaço para que mesmo o motorista que transporte uma mulher a caminho de uma clínica possa ser punido, mesmo que ele não saiba da intenção dela.

Para os progressistas, há o temor de que a Suprema Corte reveja outras decisões, como a liberação do casamento homoafetivo, de 2015. Em reação à onda conservadora, grandes empresas americanas, como Apple e Citibank, criaram programas para ajudar mulheres a viajar para locais onde podem abortar de forma legal.Bahia Notícias