A Fazenda “As Baixas” de propriedade do Coronel Onofre Ribeiro da Silva foi o embrião do futuro povoado do Porto de Santa Cruz e na década de 1920 era o ponto de apoio para tropeiros, boiadeiros, caixeiros viajantes e quem desse por estas bandas. Na época um dos mais prósperos tropeiros que negociava por este torrão era o velho João Santana, um ancião de quase setenta anos de idade que mensalmente pedia pousada nas “Baixas”, sempre conduzindo a sua tropa de 10 burros, 12 jumentos e 15 ajudantes, devidamente carregados com mercadorias diversas oriundas do triângulo mineiro com destino à Vila do Poção e à cidade de Itambé. João Santana era um senhor barrigudo, meio gaiato e piadista que tinha entre os seus predicados bulir com as mulheres dos outros. Eis que em uma destas passagens por este torrão, hospedara-se na Bela Vista e após um jantar reforçado, dormia o sono dos justos em uma rede, roncando feito o diabo quando viu-se acordado às altas horas da noite com o cano enorme de um 38 enfiado todinho na sua garganta, justo quando entrava – nos seus sonhos – paraíso adentro, acompanhado da jovem, linda e fogosa Zefinha – amante do Coronel Onofre -, o famoso matador e dono da fazenda.
– Acorde seu namorador de “muié aêia”! – A voz que o acordava daquele maravilhoso sonho era bem conhecida dele, abriu os olhos e testemunhou o Coronel Onofre completamente descontrolado, enfiando o revólver na sua boca… o tropeiro sabia o porquê de toda aquela irritação. Ao sentir o gosto do revólver na sua goela teve uma crise de suadeira descontrolada molhando a rede todinha. Nesta época o coronel Onofre era o mais poderoso fazendeiro da região. Ficara famoso por ser o anfitrião dos forasteiros que davam por estas terras, por ter uma fazenda com terras e gado a perder de vista e por tratar seus desafetos com uma indescritível crueldade. O homem só andava atrelado a uma dúzia de jagunços armados de tudo quanto há e adorava mutilar, castrar e degolar seus inimigos, as vezes botava até fogo e os enterravam vivos. O velho era alto, esquálido, andava meio troncho, tinha 72 anos de idade (parecendo ter muito mais), barba branca e espessa, cílios grossos e embranquecidos e óculos “fundo de garrafa” … à primeira vista podia até ser confundido com algum intelectual, porém, sua crueldade reverberava em toda a região. Além de bem casado e ter uma dúzia de filhos, o velho Onofre tinha uma dúzia de amantes e quando conheceu Zefinha, arriara os quatro pneus para os lados da jovem de 17 anos, filha de sua cozinheira. Zefa era lindíssima, mulata de quadris largos, derriére empinadíssima, dois pontinhos pontudos e estufados no lugar dos seios (que mesmo fingindo inocência, ela valorizava com generosos decotes) e uma meiguice de fazer defunto cantarolar.
O velho coronel matava e morria pela sua paixão adolescente. Quando Zefa soltava os seus cabelos encaracolados, graciosamente arrumados, era de uma beleza estonteante. O velho Onofre foi o primeiro a navegar nos mares da morena e depois deste dia ficou completamente apaixonado, abandonando definitivamente a sua renca de concubinas para se dedicar inteiramente ao “amor” da mulata. Zefinha gostava de usar uma sainha transparente mostrando as lapas de coxas torneadas, andando pelos imensos corredores da fazenda em uma sensualidade indescritível. Seus olhos pareciam duas jabuticabas maduras, cujo riso desnorteava completamente os varões que cruzavam seus caminhos. Apesar de na prática pertencer ao coronel, o ímpeto sexual da mucama insaciável era incontrolável, assim, bastava o coronel viajar para a mulatinha, tal qual uma predadora, sair traçando quem cruzasse seu caminho. Sorridente, sedutora e saltitante, Zefinha botava literalmente fogo na fazenda e no seu entorno. Apesar de ainda não ser considerada uma mulher completa, por ser menor e magrinha, a sedutora aprendera desde muito cedo o seu “ofício” e segundo as más línguas, nas alcovas, “matava mais que cobra de lajedo”!
Nesta época era público e notório que quando dona Deolinda, esposa do coronel ia visitar algum parente distante (Na Vila dos Montes Claros, nos Gerais) o velho Onofre arrumava logo um jeitinho de colocar a menina debaixo dos lençóis de cambraia da cama do casal. A noite ficava pequena para tantos gritos, uivos, arranhões, chupões e gemidos. O velho fazia tanto esforço durante o coito que depois ficava acamado por três, quatro dias. Para demarcar o território e mostrar quem verdadeiramente era dono da mulata, Onofre a cobria de presentes… colares, pulseiras, vestes coloridas e até um anel de pedra brilhante. Era a esposa viajar e Zefinha assumir as rédeas da fazenda. Além de fazer as refeições ao lado do coronel na grande mesa do Casarão, ainda distribuía esporros à torto e à direito para as empregadas da casa. Com a esposa fora Zefinha deixava o coronel descadeirado. Só se via o infeliz capengando pelos cantos, cheio de olheiras, cansado, abatido, se amparando em um cacetinho de madeira (e se empanturrando de caldo de mocotó e ovo de codorna), definitivamente não era páreo para a “gulodice” da morena.
Quando retornava, dona Deolinda percebia a prepotência da mulata, andando com o nariz todo empinado. Sabia que ali tinha alguma coisa, porém, preferia fingir não saber, assim, era bem melhor para todos.
Ocorre que mulher nova, bonita e fogosa não nasce para ser de um homem só (mesmo sendo coronel e poderoso). Com os hormônios à flor da pele, enquanto o velho pedia arrego sem aguentar o tranco, Zefa fazia o que sabia de melhor… Não demorou muito para ela soltar literalmente a franga. E assim, quando o velho Onofre se ausentava, Zefa saía comendo o que achava pelo caminho. A intensidade sexual da mulata era tanta que a sua fama ultrapassou os limites do sertão. Logo, verdadeiras comitivas chegavam à sede da fazenda buscando a comprovação da fama da histérica Zefinha, a mulata sedutora, distribuidora de prazer…
À medida que os dias iam passando, Onofre aumentava a quantidade de garrafadas de folhas e raízes amargas, porém, de nada adiantava, já que ele se sentia cada vez mais fraco, logo, passou a reduzir os encontros sexuais com Zefinha, o que acontecia quase todos as noites virou uma única vez por semana (toda quinta-feira, dia que dona Deolinda ia visitar o Padre Anfilhófio). Durante a semana, enquanto o coronel tomava tudo quanto há, Zefinha fazia fila com os varões, se guardando na quinta-feira para o coronel, quando rolava sensualmente na enorme e reforçada cama do casal. Nos dias comuns, qualquer lugar, por pior que fosse, se transformava em uma aconchegante alcova para o agrado ou desespero dos amantes seduzidos impiedosamente pelo corpo caliente e perfeito da mucama. Zefinha não tinha lugar preferido para demonstrar a sua “inimitável habilidade”, beira de rio, cachoeira, correnteza, em cima de árvores, dentro ou fora da água, tudo se transformava em “cama” deixando pelos caminhos um rastro de homens apaixonados. O estábulo era o lugar secreto e reservado para que no clímax da excitação ela pudesse abater sem dó ou piedade os nativos da fazenda, muitos na flor dos seus 15 ou 16 anos. Flagrados quase sempre pelo capataz Farofino que morria de ciúmes da moça, eram capturados e levavam uma bela de uma pêa do Coronel Onofre.
Alas que um belo dia após um café reforçado na cozinha da fazenda, o velho João Santana “butucou os dois zoiões pidões” para cima da morena e não demorou muito para que ela o visitasse soturnamente na calada da noite no quarto de hóspede. Mesmo sabendo que a morena era amante do coronel, a fama da garota fez que ele topasse correr o risco. Assim, as viagens mensais do velho tropeiro passaram a ser quinzenais, sempre cobrindo a moça de presentes luxuosos. Uma pulseira colorida aqui, um diadema de cabelos ali e de tanto se encontrarem, acabaram se descuidando e foram surpreendidos quando, entre gritos e gemidos, rolavam pelados e entrelaçados na Gruta da Areia Clara. Não faltou quem amarrasse a notícia na manga da camisa e a levasse para o coronel, que acompanhado de Farofino e de mais dois jagunços adentrou o quarto do infeliz em plena madrugada fria, o acordando através do enorme cano do 38, todinho enfiado na sua goela!
– Acorde, safado! Namorador de “muié aêia”! – Bradou furioso o velho Onofre, cujo ódio podia ser medido através das palavras que já saíam devidamente mastigadas, mordidas e mutiladas pela dentadura postiça novinha que ele usava.
– Oxente, coronel, que violência é essa? – Indagou sonolento, embora, ao ver a cara raivosa do velho, encandeada pelo “fifó” a querosene, foi logo capturando a mensagem, e “morto de medo”, mijou-se todo no próprio pijama.
– Então mexeste com o que não lhe pertence, né, machão? “Caba safado”!
– Pelo amor de Deus, Coronel, não aconteceu nada. Dei só uns presentinhos pra Zefinha, tudo em nome da nossa antiga amizade, que mal há nisto? O senhor me conhece, sabe que sou casado e respeitador, jamais mexeria com uma garotinha como Zefinha! Acredite como existe Deus no céu.
– Ela tem dono, seu corno! – Gritou a voz estridente do Coronel – Ela é minha. Só eu posso dar presentes a ela! Você sabe que não se deve mexer com o que é dos outros, não sabe?
– Sei sim senhor, eu juro que nunca mais chego perto dela, juro por tudo que for sagrado! – João Santana já ouvira falar no amor doentio do coronel por Zefinha. Isto era cantado em prosa e versos em todo o Sertão da Ressaca. Apesar de incrédulo e ateu de carteirinha, na hora do aperto, sentindo o gosto amargo do cano do revólver na boca, o infeliz prometeu velas até pra São Nunca, que segundo a lenda, se existe, não tem lá muita credibilidade com os homens aqui pros lados da terra.
– Por favor, coronel, não me mate não, tenho família para criar!
– Porque não pensou nisso antes de bulir com minha morena?
– Ai, meu Deus… – Gritava chorando – … eu tenho filhos pra criar, coronel!
– Cala essa boca, mofino! Quem disse que vou lhe matar? Vou lhe enterrar vivo, você morre se quiser…! – Ah, meu Deus, me acode! – Berrava o velho diante de todos os seus funcionários. Claro que não adiantou muito pedir entre choros e berros, por piedade. O velho tropeiro levou uma surra de chicote tão ferrenha que desmaiou. Assim, 50 chibatadas e vários gritos depois, o inerte tropeiro foi amarrado com as mãos atadas às costas ensanguentadas e jogado feito um fardo de capim no lombo do jumento Serafim (um velho jegue banguela e desconjuntado) que lentamente o conduziu para longe dos limites das “Baixas” seguido pelos seus homens, sua tropa e suas mercadorias.
Coincidência ou não, nunca mais João Santana (se sobreviveu) voltou a pisar nessas terras. Quanto ao coronel – conforme já foi contado aqui – acabou sendo acometido de um violento ataque cardíaco bem em cima da jovem Zefinha, morrendo em um estado tão crítico que virou piada em todo o sertão.
FIM
Luiz Carlos Figueiredo
Poeta e Escritor
Cândido Sales, Bahia. Quadras de Abril de 2024
Minguante de Outono.