Autor: Luiz Henrique Borges
Um espetáculo, um concerto de música de tirar o fôlego, uma peça de teatro inesquecível, uma ópera com a melhor companhia do mundo. Foi da mesma ordem de prazer o que Manchester City e Real Madrid nos proporcionaram na última terça-feira. O futebol, durante 90 minutos, foi mais uma vez elevado à categoria de obra-prima da humanidade.
O clube inglês é envolvente, agressivo, técnico e imprevisível. As suas jogadas, treinadas exaustivamente por Pep Guardiola, encantam os sentidos. Os espanhóis, talvez menos exuberantes, são as abelhas que ferroam, com precisão cirúrgica, aqueles que as ameaçam. Carlo Ancelotti desenvolve, como de costume, mais um excelente trabalho no Real Madrid. Curiosamente, como é comum no Brasil, após dois momentos menos exitosos, as demissões do Napoli em dezembro de 2020 e em junho do ano seguinte do Everton, a imprensa, de imediato, declarou que a sua carreira estava no fim.
Para afirmações insensatas e atropeladas, Ancelotti responde com trabalho, com resultados, com partidas espetaculares e com títulos. Certamente, ele conquistará o campeonato espanhol desta temporada e irá se tornar o primeiro treinador da equipe merengue a ganhar as seis taças de mais prestígio que os clubes espanhóis podem disputar. Ele já venceu a Champions, a Copa do Rey, a Supercopa da Espanha, a Supercopa da Europa e o Mundial de Clubes. Com a confortabilíssima vantagem de 15 pontos, faltando 5 rodadas, jogará, neste final de semana, em casa contra o Espanyol. Com um empate ele preenche a última figurinha deste álbum. E falaram que ele estava ultrapassado…
As emoções geradas no confronto entre os clubes dirigidos por Guardiola e Ancelotti foram imensas. Me atrevo a afirmar que há rodadas inteiras de diversos campeonatos nacionais, inclusive o nosso, que não produzem tantas jogadas de perigo e um grau tão elevado de encantamento quanto as que foram criadas pelos dois clubes no confronto no Etihad Stadium, em Manchester.
Aconteceu de tudo! Gols aos borbotões. Foram 7 ao todo. Muito mais importante do que a quantidade, sem dúvida alguma, foi a qualidade dos gols. Até o último deles, o mais simples e singelo, proveniente de um pênalti cobrado por Benzema, contou com a maestria e com o saudável deboche da cavadinha, conhecida na Europa como Panenka em homenagem ao jogador Antonín Panenka, da extinta seleção da Tchecoslováquia, que nos apresentou esta técnica pela primeira vez na final do Campeonato Europeu de 1976, quando venceu o fantástico goleiro alemão Sepp Maier e deu o título para sua equipe.
Ancelotti foi fundamental no amadurecimento do futebol de Vinícius Júnior. O gol que ele marcou, o segundo do Real Madrid, como qualquer obra-prima produzida pelo homem, deveria ser eternizado em um museu. Ele não deu só uma caneta em Fernandinho, foi caneta, lapiseira, borracha, em suma, um estojo repleto de apetrechos. Sem tocar na bola, em um drible de corpo surpreendente, ela passou alegremente entre as pernas do atleta do City e, certo de que o truque mágico iria se completar, Vinícius Júnior partiu como um possesso em direção ao gol adversário e só parou quando a bola beijou as redes.
Além da beleza do gol, também impressiona o gestual de desespero e a certeza da bancarrota proporcionada pelo genial Pep Guardiola na área técnica. Flagrado pelas câmeras que invadiram o nosso cotidiano e que podem nos tornar, nas situações mais corriqueiras, pessoas públicas, após o desmoralizante drible sofrido por Fernandinho, o treinador leva, de imediato, as mãos na cabeça e se agacha acompanhando o desfecho da jogada, mas já prevendo o funesto resultado.
Gabriel Jesus, não sei se por causa da Páscoa, ressuscitou no mês de abril e fez jus ao nome que carrega. Já há muito no banco, o sempre surpreendente Guardiola, que talvez em terras brasileiras, caso os resultados não viessem de imediato, seria depreciativamente chamado de Professor Pardal, escalou o jogador brasileiro para o clássico contra o Liverpool no dia 10/04. Ele marcou o segundo gol no empate de sua equipe. No dia 23/04, voltou a ser escalado e marcou “apenas” 4 gols contra o Watford. Percebendo o bom momento do atacante brasileiro, Guardiola o colocou em campo três dias depois, contra o Real Madrid e ele não decepcionou e marcou o segundo gol de sua equipe.
Alívio também para o Tite. Apesar da admiração pelo futebol de Gabriel Jesus, ele ficou ausente das últimas convocações. Com as atuações de abril, certamente o jogador do City ressuscitará nas listas da Seleção Brasileira e, se a FIFA liberar a inscrição de 26 jogadores para a Copa do Mundo, Gabriel Jesus só não fará parte do grupo se estiver contundido.
Voltando ao jogo de terça-feira, o placar final do confronto, a vitória por 4X3 do City, manteve o duelo em aberto. Os ingleses, obviamente, satisfeitos com a vitória, também sabem, e por isto, talvez, uma ponta de frustração, que poderiam ter vencido por uma diferença mais significativa de gols, praticamente garantindo a sua passagem para a final da competição. Além dos 4 gols, foram inúmeras chances criadas e desperdiçadas.
Já o Real Madrid, mesmo derrotado, mostrou ser uma equipe aguerrida, qualificada e mortal. Por um lado, se não criou tantas oportunidades, por outro lado, sua pontaria certeira e contando com o melhor jogador de futebol do momento, o francês Benzema, a confiança dos merengues saiu em alta da Inglaterra. E, vejam bem, ela ainda pode ser turbinada com o provável título espanhol neste final de semana. Só falta um único ponto para, matematicamente, a taça ficar na encantadora capital espanhola.
Na próxima quarta-feira, o confronto será decidido no lendário Santiago Bernabéu. Há, nele, uma placa com os dizeres: “Somos os reis da Europa”, alusão aos 13 títulos continentais conquistados. O Real já mostrou, inúmeras vezes, que pulsa no ritmo de seu estádio. É certo que o City terá pela frente um grande desafio, mas os torcedores ingleses sabem que Guardiola, bem ao seu estilo, estudará minuciosamente o adversário e colocará todas as suas energias, o que costuma, ao final destes confrontos, levar ao seu esgotamento físico e psicológico, na tentativa de superar o Real Madrid e disputar, mais uma vez, a final da Champions.
Juro que não foi proposital, mas entro de férias exatamente na quarta-feira e vocês, meus amigos, podem ter certeza quem nem os vivos, os feridos ou os mortos me impedirão de ver o capítulo final entre Real Madrid e Manchester City. Nem a Neoenergia será capaz de impedir. Se faltar luz por aqui, vou para a casa dos meus pais, invado o lar de algum desavisado amigo, vou para um boteco ou ouço até no rádio do carro. Certo mesmo é que vou viver as emoções deste jogo.