O FANTÁSTICO FUTEBOL DE BADIM… E DE OUTROS NÃO TÃO FANTÁSTICOS ASSIM…
Artigo Opinião

O FANTÁSTICO FUTEBOL DE BADIM… E DE OUTROS NÃO TÃO FANTÁSTICOS ASSIM…

Autor: Luiz Carlos Borges

No final da década de 1970, empolgado com o tricampeonato da Seleção brasileira no México, o futebol virou febre em todos os cantos do Brasil, não seria diferente aqui no nosso pequeno torrão. Do alto dos meus 12 anos de idade, me invoquei e criar um time de futebol – já contei aqui esta história.  Fizemos uma vaquinha (os outros entraram com a grana e eu com a conversa) e fomos até Vitória da Conquista comprar o uniforme. A ideia inicial seria adquirir um uniforme do Flamengo, o dinheiro que levamos mal deu para comprarmos as camisas do Botafogo que estava em promoção. Eram as camisas mais baratas que tinham na loja. A grana mal deu para as passagens (minha e de Arnaldo da Costa que era meu parceiro na empreitada), dois lanches (pasteis com caldo de cana), as onze camisas botafoguenses e mais um único escudo (que Arnaldo como capitão e sócio/proprietário da equipe) costurou na camisa dele e ninguém se atreveu a questionar.

O nosso Botafoguinho foi criado para ser o adversário do Santos (time do Bairro da Lagoinha) que tinha Valmir de seu Aprígio como dono e Augusto filho de seu Servindo (Aquele que tinha um boteco onde os bêbados faziam filas para beber cachaça misturada à água de sabão) como técnico. Augusto morara um bom tempo em São Paulo e voltou para “Candin” cheio de ideias “revolucionárias”. Locomovia-se com imensa dificuldade (tinha a perna direita meio retorcida), porém, o cara era todo moderno. Na época ostentava uma cabeleira maior que a de Roberto Carlos, era mais barbudo que Antônio Marcos e só vestia Jeans da marca Lee. Falava tanta gíria que parecia ser do estrangeiro e se isso não bastasse o cara ainda era metido a ser técnico de futebol. Quem acompanhava as explanações do “pseudotécnico” ficava admirado com a capacidade criativa do moço.

O engraçado era que nos embates que ele tinha contra o nosso Botafoguinho, o cara acendia antes das partidas uma caixa inteira de velas no entorno do campo para que o Santos ganhassem. Nem sempre dava certo, embora Valmir Moreira fosse um daqueles meio-campistas que jogava fazendo uma farta distribuição de bolas. Jogamos dezenas de vezes contra o time de Augusto e ganhamos mais que perdemos. O nosso time tinha Zobinha, Gaguinho, Nona, Neguinho de Cera, Roberto de Cassiano e Celson entre outros…  Uma vez fomos convidados para fazer a preliminar com o Botafoguinho enfrentando o time da Divisa Alegre. Nosso time só jogava na paleta (descalço), e assim que surgiu a oportunidade de jogarmos para uma plateia maior agarramos com unhas e dentes. Em tempo recorde arrumamos kichute’s (na época era o calçado indicado para campos de terra batida) para todo mundo. Duro foi fazer Trombone (um negão de todo tamanho que trabalhava no oficio de lubrificador, jogava de zagueiro e nunca tinha calçado um sapato na vida) calçar um kichute. O negão ojerizava qualquer tipo de sapatos e dizia que o calçado o impedia de dar as suas famosas e violentas bicudas.

– Bem. Nós agora não somos mais peladeiros e não podemos mais jogar na paleta, os que não se adaptarem ao uso do kichute estarão fora do time. – Ameaçou o nosso técnico, Dedé. Pois é, tínhamos até técnico. Como não podíamos pagar, Dedé (aquele mesmo que torce pelo fluminense) aceitou fazer um adjutório se doando como técnico para o Botafoguinho. Rezava a lenda que ele fora um dos mais sofisticados zagueiros da nossa história. Quando começava o jogo e o juiz marcava alguma falta contra nós, ele entrava em campo, colocava as mãos para trás em um gesto de profundo respeito e espumando os cantos da boca gritava para o apitador:

– Vossa Excelência é um ladrão fila da puta e está afanando o meu time, seu canalha! – Geralmente queria bater no juiz que muitas vezes, diante do medo, voltava atrás. Depois de cinco partidas e cinco derrotas consecutivas, Dedé entregou o cargo e acabamos contratando Preto do Acarajé (nas mesmas condições financeiras). Preto era aquele que chamava os jogadores de “meus atléticos”, súmula de “sula” e retrato de “xilografia”. Ao aceitar o cargo de treinador do Botafoguinho “Seu Preto” exigiu que Pedrinho fosse o “preparador fixo” e só escalava o time depois que a relação dos jogadores disponíveis para a partida fosse apresentada a ele. O engraçado era que só tínhamos a conta do chá, ou seja, onze jogadores que jogavam todas as partidas.  Na preleção, seu Preto só falava uma frase: – Boa Sorte meus Atléticos!  – Entregava a camisa e o time que se virasse.

Mas, voltemos ao técnico Dedé quando deu a dura em Trombone: – Quem não quiser se “profissionalizar” pode deixar o clube. A porta é a serventia da casa. Aqui agora só vai jogar quem usar kichute. – Mesmo a contragosto Trombone aceitou jogar calçado, porém, não usaria meiões de jeito nenhum! Sabe Deus como, conseguiu arranjar um kichute que coubesse aquela lapa de pé. O bicho calçou dobrando os dedos deixando o calçado todo estufado, prestes a estourar!

Neste dia, com o “estádio” lotado, gente saindo pelo “ladrão” (uma corda foi esticada no entorno do campo) e Trombone ali no banco de reserva suando mais que cuscuz. O negão nunca tinha visto uma aglomeração daquelas com aquela renca de pessoas gritando no seu cangote, assistindo ao jogo e torcendo furiosamente. Primeiro tempo, zero a zero, e eis que alguém da torcida passa a botar pilha para que Trombone estreasse:

– Que porra é essa? O negão vai entrar ou não? Tão discriminando o cara só porque ele é lubrificador? Queremos Trombone em campo! Bota o nego pra jogar Dedé! – Foi falar e a torcida comprou a briga. Passou a gritar em uníssono:

– Trombone, Trombone, Trombone… – Na volta para o segundo tempo lá estava Trombone todo nervoso, escalado na lateral esquerda, posição que ele nunca tinha jogado. Se de zagueiro já não era lá estas coisas, imagine aí no lado onde ele ficava todo troncho? E, assim que se iniciou o segundo tempo alguém caiu na bobagem de rolar a bola pra Trombone… Foi ela vir e o negão correu atabalhoado metendo a bicuda na direção que seu nariz indicava. Deu foi uma bela de uma furada acertando violentamente um buraco do campo! O chute foi tão forte que rasgou o kichute (uma lona fortíssima) e por tabela arrancou a unha encravada do dedão do negão. A força foi tanta que ele rolou berrando de dor pelo campo de terra segurando no dedão espirando sangue pra tudo que foi lado.

– Ai, ai, ai… Minha unha, minha unha, me acode, vou morrer, vai dar “teto”, vai dar “teto”… Ai meu Deus, vou morrer!  – Foi necessária a providencial presença de Humberto da Farmácia que ali mesmo prestou os primeiros socorros terminando de arrancar a unha de Trombone à força.  O moço foi substituído sem sequer tocar na bola.

Nesta época tínhamos como goleiro, Dula, que era um cara que tomava todas e mais algumas. Tinha dia que tínhamos que trancá-lo antes das partidas para que ele pudesse jogar com o mínimo de lucidez. Porém, rezava a lenda que ele só jogava bem quando mamado.  A verdade era tanta que ele só jogava com a sua meiota de conena encostada no pé da trave. Certa feita o nosso time foi jogar em “Só Siveno” (Quando era apenas um povoado dos Gerais) em uma luxuosa fazenda, cujo campo era gramado – coisa rara em nossa região na época. Demos uma piscada e Dula babatou um garrafão de pinga e quando demos por fé o cara já tinha bebido mais da metade. Sem alternativas entramos em campo com Dula trocando as pernas. Ganhamos a partida e Dula foi o melhor em campo, inclusive, defendendo três penalidades máximas.

Muito tempo depois, ali no final da década de 1970 lá fui eu jogar no time do Palmeirinhas que não por acaso pertencia a Pedrinho de João dos Bolos. Na época, quase todo mundo tinha menos de 16 anos, assim, o nosso time era considerado infanto-juvenil. Apesar de jogadores como Zezé, Pedrinho, Zobinha, Gaguinho, Arnaldo e Pio e de ganharmos de quase todo mundo, quando enfrentávamos o Cruzeirinho de Conquista levámos um baile. Recordo-me que foram umas quatro ou cinco derrotas consecutivas. O cruzeirinho era um time extremamente organizado, parecia um time profissional. Do goleiro ao ponta-esquerda não se via um perna-de-pau. Tinha um japonês na lateral direita que lembrava muito Leandro do Flamengo de Zico – se chamava Daínha. Na cabeça-de-área, os caras tinham um carinha franzino, meio branquinho que tinha o apelido de Sapo. Vai jogar assim lá na Cochinchina! O cara jogava tanto que parecia estar em todas as partes do campo, marcando forte, tomando as bolas e ainda saía jogando. Depois da última e vexatória derrota para este time o jeito foi apelar. Marcamos uma nova partida e resolvemos dar uma “enxertadinha” com ninguém mais ninguém menos que Badim. Apesar de nesta época o negão ser o grande craque de nossa cidade, ele era apenas um ou dois anos mais velho que a maioria dos jogadores do nosso time, assim, resolvemos contar com o auxilio luxuoso do futebol do negão.

Na época, o futebol de Cândido Sales era uma paixão! A Rua José Porto que dava acesso ao antigo Estádio Augusto Flores, ficava intransitável nos dias de jogos, as pessoas usavam as suas melhores roupas para assistirem as partidas. No dia do Cruzeirinho, o simples fato de anunciarmos o reforço de Badim fez que o campo ficasse completamente lotado. Eis que os times entram em campo, o Cruzeirinho, com um uniforme lindíssimo, e nós com o uniforme branco do Palmeiras, com aquele “pê” horrível no escudo. Pra nós – eternos fregueses dos conquistenses -, era um jogo de vida ou morte, para eles, mais um amistoso sem graça. Wilson Ferraz era o árbitro. Começa o jogo pra lá de truncado. A ordem era não deixar os conquistenses jogarem. Assim foi todo o primeiro tempo, com muita raça e determinação. Badim – querendo mostrar que ele fazia a diferença – virou uma fera, jogando mais do que jogava no time principal (e olhe que já era o craque da seleção). No inicio do segundo tempo Pedrinho deu um balaço de fora da área. Um a zero Palmeirinhas. Após o gol o Cruzeirinho veio com tudo pra cima. Empataram logo em seguida com um lindo gol do talentoso centroavante deles.

Faltando uns 10 minutos para o final da partida, eis que Badim recebe a bola quase que na meia-lua do nosso campo, domina com uma invejável categoria, passa o pé sobre a bola e arranca. Eu e Pio estávamos cansados de ver aquelas arrancadas nos treinos. Ele jogava a bola na frente e driblava todo mundo. Neste dia, assim que ele dominou a bola eu olhei pra Pio e lá foi ele pra dentro dos caras. O primeiro a vir foi Sapo, foi driblado e Badim apertou. Partiu pra cima driblando todos os que apareceram na sua frente. Arrancada espetacular com a bola sempre colada no seu pé. Adiantava um pouquinho só pra ver o zagueiro tentar tirar dele. Isto era um velho truque que ele usava. Quando o cara vinha levava era um drible desconcertantemente. Quem estava lá viu Badim driblar inteirinho o time conquistense! O grande marcador Sapo foi driblado umas três ou quatro vezes, e quando Badim entrou na meia lua do campo deles, no desespero, Sapo agarrou na sua cintura e não teve força para pará-lo. Foi arrastado “esquiando” para dentro do gol, ele, Badim, a bola e o goleiro. Ganhamos de dois a um e os caras que gastavam a bola, reverenciaram merecidamente o negão. Foi à única vez em cinco partidas que ganhamos do Cruzeirinho de Conquista. A Festa foi tão grande que Badim foi carregado nos ombros do povo!

FIM

Luiz Carlos Figueiredo

Escritor e Poeta

CSALES, Quadra de Abril de 2022. Crescente de Outono.