Judeus têm compromisso histórico de se opor à extrema direita, diz CEO do Congresso Judaico Mundial
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Judeus têm compromisso histórico de se opor à extrema direita, diz CEO do Congresso Judaico Mundial

Maram Stern está preocupado, mas otimista. CEO do Congresso Judaico Mundial, ele vê com aflição a movimentação da extrema direita no mundo. Só não acha que ela conseguirá avançar como as marchas fascista e nazista fizeram na primeira metade do século 20.

“Os tempos são preocupantes, pois apresentam novas ameaças”, diz Stern à Folha. “Tem a desinformação, as notícias falsas viajam mais rapidamente, a extrema direita que se internacionaliza, as consequências socioeconômicas da pandemia de Covid e a crise energética causada pela agressão russa à Ucrânia, entre outras. Este é um território fértil para o florescimento de ideologias extremas.”

Agora, contudo, a humanidade tem a expertise de como lidar com isso, segundo Stern, em São Paulo para participar da 53ª Convenção Nacional da Conib (Confederação Israelita do Brasil), neste fim de semana.

“Sabemos disso melhor do que antes e devemos agir. Contamos com uma ordem internacional jurídica e organismos multilaterais mais sólidos do que há um século para enfrentar ameaças à democracia. Temos que estar atentos aos alertas e mobilizar todos os nossos esforços para tentar cortar o mal pela raiz.”

Para o judeu, que nasceu na Alemanha Ocidental durante a Guerra Fria, a comunidade judaica tem a responsabilidade histórica de se opor ao nacionalismo de extrema direita. E o antissemitismo, afirma, é o primeiro sinal de que há algo de podre na democracia. Stern defende que o ódio aos judeus não é só uma forma de racismo. Ambos negam a igualdade entre indivíduos e devem ser combatidos com firmeza.

“No entanto, existem características distintas importantes. O antissemitismo começou antes do cristianismo. Na Idade Média, os judeus eram discriminados devido à sua religião. Durante a Shoah [Holocausto], os judeus foram discriminados e massacrados pelos nazistas por causa de sua raça. Hoje, os judeus são coletivamente demonizados porque são o bode expiatório para todo mal.”

Por isso, o antissemita não é meramente um tipo de racista, na visão do líder judaico. Ele prega “uma ideologia distinta e uma visão de mundo conspiratória que muda segundo os ‘haters’ que a defendem”.

Stern rejeita uma ideia em circulação, que acusa Israel de submeter palestinos a uma opressão que judeus também sofreram no passado. “Não é aceitável. É uma forma de revisionismo do Holocausto e uma forma de instrumentalização para fins políticos.”

A edição deste ano da Documenta de Kassel, maior exposição de arte do planeta, sediada na Alemanha, aborreceu-o. Havia nela uma obra do coletivo Taring Padi, da Indonésia, chamada “People’s Justice” (a justiça do povo). Continha um enorme mural em praça pública que retrata a resistência política por meio de centenas de figuras numa estética similar à de cartum.

Uma delas trazia um militar com a palavra Mossad, nome do serviço de espionagem israelense, estampada no quepe, lenço vermelho no pescoço e uma estrela de Davi.

Acontece que esse personagem se junta a outros associados a forças repressivas, como agentes da KGB. Todos de capacete e com armas na mão. O ícone israelense tem um focinho de porco no rosto.

Comer carne de porco é proibido pela religião judaica. Pior: um dos símbolo antissemitas é a Judensau, a porca judia, que era replicada em várias igrejas medievais -na forma, por exemplo, de esculturas e ilustrações de judeus se amamentando de um porco e comendo seus excrementos.

Outra imagem na obra indonésia: um executivo com charuto na boca, ares de capitalista impiedoso. Ele tem um peiot, os cachos laterais típicos de judeus ortodoxos. A obra desencadeou “debates acalorados sobre até onde vai a liberdade de arte e expressão”, diz Stern. “Citando o presidente alemão, Frank-Walter Steinmeier, ‘uma linha é cruzada quando a crítica a Israel se transforma em um questionamento de seu direito de existir’. Acrescentando que a liberdade artística não é nem pode ser absoluta.”

Maram não quis responder perguntas sobre o apoio de parte expressiva da comunidade judaica a Jair Bolsonaro (PL) nem sobre a provável incorporação de siglas ultranacionalistas à coalizão que fez o partido do ex-premiê de Israel Binyamin Netanyahu ser o mais votado na eleição parlamentar de terça (1º).

O presidente da Conib, Claudio Lottenberg, fala sobre a questão brasileira. “Tenho dito em todas as minhas manifestações que a comunidade judaica é um recorte da comunidade maior, o que significa dizer que temos judeus de direita, judeus de esquerda, judeus liberais, judeus conservadores.”

Em 2017, então pré-candidato à Presidência, Bolsonaro discursou no Hebraica, tradicional clube judaico do Rio. Vieram daquele encontro várias amostras da oratória bolsonarista. Ali, narrou de forma racista, por exemplo, a visita a um quilombo onde “o afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas”.

“Possivelmente nesta ocasião ele foi recebido por pessoas da comunidade judaica que eram simpatizantes a ele, mas isso em absoluto não significa dizer que a comunidade judaica o apoia.”

Lottenberg diz reconhecer “aspectos importantes em termos de identidade com o estado de Israel que o presidente tem e que acho positivo”. Mas isso “não se estende a qualquer apoio incondicional e generalizado em nome da comunidade a ele”, acrescenta o oftalmologista, que também preside o Conselho Deliberativo do Hospital Israelita Albert Einstein. Refere-se a gestos como prometer migrar a embaixada do Brasil, hoje em Tel Aviv, para Jerusalém -o que nunca aconteceu.

Ele lembra que os evangélicos, base eleitoral crucial para o bolsonarismo, têm uma ligação forte com Israel. “Quem sabe grande parte dos símbolos que se fazem presentes dentro do cenário político atual nascem justamente desta relação.” Bom lembrar, afirma, que evangélicos “são dezenas de milhões no Brasil, enquanto nós, judeus, somos aproximadamente 120 mil”. Portanto, ele vê na questão com o estado israelense “uma coincidência de pauta, e só posso enxergar isto como algo positivo”.

A convenção da Conib começa neste sábado (5) e vai até segunda (7). Entre os convidados estão os apresentadores Tiago Leifert e Benjamin Back, as jornalistas Patrícia Campos Mello, da Folha, Julia Dualibi, Madeleine Lacsko e o presidente do Albert Einstein, Sidney Klajner.

53ª CONVENÇÃO NACIONAL DA CONIB (CONFEDERAÇÃO ISRAELITA DO BRASIL)

Quando: 5 a 7 de novembro

Onde: R. Hungria, 1000, São Paulo – SP

Link: https://conib.org.br/

Fonte: Bahia Noticias | Foto: Reprodução / Youtube