A decoração com bandeirolas coloridas está em toda parte: na praça, no espaço para festas, na loja de calçados, na concessionária, no escritório de advocacia e até na oficina mecânica.
O forró é trilha sonora onipresente e vai de clássicos de Luiz Gonzaga a versões remixadas em piseiro de “Capitão de Areia”, música de 1964 ressuscitada por gamers russos, sucesso entre tiktokers brasileiros e multiplicada pelos paredões.
Os pedaços de lenha já estão empilhados nas portas das casas à espera da fagulha que servirá para acender a fogueira e incendiar a Bahia com o clima de São João.
Depois de dois anos sem festas por causa da pandemia, período em que a tradição sobreviveu dentro das casas, os três santos juninos reencontram os shows nas praças das cidades e as aglomerações mesmo em meio a uma nova alta de casos de Covid-19.
Salvador terá shows gratuitos no Pelourinho, no Parque de Exposições e no Subúrbio Ferroviário. Mas, invariavelmente, todos os caminhos levam ao interior para celebrar Santo Antônio, São João e São Pedro, festas que devem movimentar cerca de R$ 1 bilhão no estado.
“Esse ano o pessoal voltou com tudo. Estão todos caçando festa”, resume Durval Cerqueira Gomes, 59, enquanto carregava sua camionete com galões de licor artesanal que levaria de Cachoeira para Santo Amaro, ambas cidades do Recôncavo baiano.
Com estoques quase zerados, o comerciante foi à fábrica para reabastecer sua loja especializada na bebida mais tradicional do São João baiano, uma infusão de aguardente, açúcar e frutas armazenada em barris de madeira.
Em uma fábrica em Cachoeira, que produz o centenário licor Roque Pinto, a demanda atropelou a oferta: sabores como passas, cajá e maracujá estavam em falta na última segunda-feira (20).
“Por mais que você esteja preparado, sempre tem aqueles que compram de última hora. Hoje, a procura está maior do que a oferta”, afirma Rosival Pinto, proprietário da fábrica, que estima vender 80 mil litros de licor neste mês.
A bebida deve regar os reencontros de famílias como a do psicólogo Julival Júnior, 35, que veio de Salvador, emendou o feriado de Corpus Christi com o São João e só sai da cidade depois da festa de São Pedro, em 29 de junho.
Ele não quer saber de festas: comprou quatro garrafas de licor de jenipapo e três de chocolate para celebrar junto a uma fogueira no sítio da família.
O comerciante Elias Silva Moreno, 44, e a autônoma Mirian Silva Reis, 46, também vieram da capital: finalmente conseguiram colocar em prática o plano de vir para o São João em Cachoeira.
“Temos amigos aqui que sempre nos convidavam. Ano passado a gente vinha, mas desistimos por causa da pandemia. Mas esse ano estamos aqui”, afirmou Elias, que além do São João vai comemorar o aniversário de Mirian.
Como grande fluxo de turistas, a prefeitura de Cachoeira estima a geração de 500 postos de trabalho temporários, além de renda extra para barraqueiros e ambulantes.
Com programação eclética, a cidade terá shows de bandas de forró como Cavalo de Pau. Mas também terá espaço para dois reggaemen filhos da terra: Edson Gomes e Sine Calmon.
Em Cruz das Almas, cidade de 63 mil habitantes que abriga uma das festas de São João mais tradicionais da Bahia, as ruas enfeitadas dão o clima junino. Nas esquinas, ambulantes vendem comidas típicas, fogos de artifício e lenha para fogueira.
Na praça Senador Temístocles, grupos de quadrilha das escolas municipais se apresentavam na segunda-feira (20) enquanto uma banda tocava músicas infantis em versão forró no Arraiá Laranjinha, festa para crianças organizada pela prefeitura.
Barraquinhas organizadas pelas escolas homenageavam cantores populares e as crianças se vestiram a caráter: meninos com calças remendadas e bigodes desenhados no rosto, meninas com vestidos rodados e laços na cabeça.
“Olha a chuva”, alguém gritou. Parecia troça, mas era verdade. A criançada correu para se proteger no coreto, enquanto no palco os organizadores davam um tempo no forró para entregar uma placa em homenagem ao prefeito.
Do palco para as redes sociais, a festa teve até a sua própria digital influencer mirim e filha da terra: Sophia Cavalcante, a Sosô, que tem 7 anos e mais de 300 mil seguidores em uma rede social.
Na rua Rui Barbosa, conhecida como rua da Estação e um dos epicentros da festa na cidade, famílias cobriam grades e portões com tapumes e papelão.
A proteção é para reduzir os estragos da guerra de espadas, disputa de pirotecnia que ganha as ruas da cidade período junino. A prática arriscada é oficialmente proibida desde 2011 e considerada crime pela legislação estadual, mas ainda acontece de forma clandestina.
Uma das primeiras vítimas neste ano foi uma criança de 11 anos, atingida por um artefato em 13 de junho, dia de Santo Antônio. Ela foi ferida no rosto com gravidade, mas tem quadro estável.
Nos bairros da periferia, fogueiras ainda apagadas se enfileiravam na frente das casas. Nas feiras, os clientes se apressavam para garantir ingredientes para o preparo de comidas típicas.
O ponto alto das festas serão os shows de forró, que este ano acontecem em um novo espaço, o Circuito Luiz Gonzaga, maior que o anterior.
A programação oficial começou nesta quarta-feira (22), mas dois dias antes o agente comunitário Neilton Laurentino da Silva, 57, foi conferir o novo espaço com a mulher e o filho.
Acostumado com o vaivém de turistas no São João, quando a população da cidade chega a dobrar, celebrou a volta das festas na cidade depois de dois anos de restrições: “Está bonito de ver”.
Pelo palco principal, passarão artistas como Tarcísio do Acordeon, Maiara e Maraísa e Wesley Safadão -artistas cujos cachês acenderam o alerta de parte da população de olho na “CPI do Sertanejo”, investigações que resultaram no cancelamento de festas em outras cidades.
“O investimento foi muito alto. Acho que tem outras melhorias que podiam ser feitas na cidade além do São João”, afirmou a professora Helena Souza, 57, que tirava fotos próximo a uma fogueira cenográfica no centro da cidade.
A prefeitura de Cruz das Almas vai investir R$ 4,5 milhões, na festa, sendo R$ 2 milhões em recursos próprios e R$ 2,5 milhões em verbas federais, estaduais e privadas. Mas espera como retorno de uma movimentação de R$ 15 milhões na economia local.
Alheios a polêmicas de cachês, Valter Santos, 59, e Elenice Braga, 52, vieram de Salvador e disseram querer aproveitar a festa na cidade onde mora parte da família. Não deixaram de fora da programação nem o arraiá infantil.
Um em cada dez baianos vai na mesma toada. De acordo com estimativa da Bahiatursa, órgão de turismo do governo do estado, ao menos 1,5 milhão de pessoas devem comparecer a festas de São João nos municípios baianos.
Os demais estarão nas portas das casas ou nas roças. Nas comemorações em família ao redor de fogueiras, vão perguntar mais uma vez: “São João passou por aí?”
Fonte: Bahia Noticias | Foto: Reprodução / A Tarde