Quando irão chegar os titulares?
Artigos

Quando irão chegar os titulares?

Autor:Luiz Henrique Borges

No início de agosto, John Textor, o atual proprietário do Botafogo, adquiriu mais uma equipe para a holding de clubes que ele gerencia, a Eagle Holdings. A aquisição do Lyon, clube francês que dominou por anos, capitaneado por Juninho Pernambucano, o cenário local me parece ser considerada, para o empreendimento de Textor, a “Joia da Coroa”.

Pensando de forma empresarial, reconheço que o mercado francês e europeu é muito mais atrativo que o brasileiro e sul-americano. No entanto, ele também exige investimentos muito, mas muito mais robustos para que o clube dispute títulos e ganhe visibilidade.

O clube francês conta, oficialmente, 72 anos. No entanto, seus adeptos afirmam que o time já é centenário e destacam que o Olympique Lyonnais surgiu após um desacordo entre as seções de rugby e de futebol do clube multidesportos Lyon Olympique, que existia desde 1899. Não estou querendo menosprezar o nosso “novo” parente na holding de Textor, mas independente se ele é um septuagenário ou um clube secular, o seu brilho foi recente e efêmero. Foi somente nos primeiros anos do século XXI que a equipe dominou a Ligue 1 francesa, conquistando o heptacampeonato entre 2002 e 2008. Se a nossa cronologia cristã divide os séculos entre “antes de Cristo” e “depois de Cristo”, o Lyon deveria dividir a sua história entre antes de JP e depois de JP, ou seja, de Juninho Pernambucano.

Por que estou ressaltando a questão histórica? Porque o Botafogo, com todos os percalços sofridos e as mazelas passadas, possui uma história também rica e, no que tange a títulos e grandeza, construiu uma tradição mais longeva e vitoriosa do que a do agora “primo” francês. Não merecemos tratamento de segunda categoria, como o que nos foi dado por Textor em entrevista ao jornal francês L’Équipe.

O mandatário norte-americano pode estar muito feliz e excitado com sua nova aquisição. No entanto, na entrevista, Textor soltou frases fortes, polêmicas e que, em certa medida, deprecia o ativo que ele adquiriu há pouco mais de cinco meses. Dono da SAF que dirige o Glorioso, Textor afirmou que diferentemente de seu trabalho no inglês Crystal Palace ou no Lyon, no clube carioca ele teve que literalmente colocar a “mão na massa”, ou seja, tomou várias decisões diretas nas mais diferentes instâncias que formam o Botafogo.

A metralhadora giratória de Textor, carregada de balas imersas em representações preconceituosas, disparou: “Eu costumo estar mais nos bastidores do que à frente das coisas. Exceto no Botafogo, do Brasil, no qual eu sou a única pessoa responsável. Lá, eu tive que mudar tudo, porque era uma associação que dirigia o clube. (…) (No Botafogo) Não havia nada. Os cargos eram interinos, a grama não era cortada, o técnico não parava de reclamar com os árbitros”.

O discurso não é só polêmico, é infeliz! Textor vestiu a capa do Super-Homem e se colocou na postura de salvador do Botafogo. Caro empreendedor norte-americano, o Botafogo construiu sua grandeza muito antes de você aportar seus recursos por aqui. Os seus dólares são bem-vindos e, certamente, podem ajudar no soerguimento do Glorioso, mas o nosso orgulho e o nosso amor pela Estrela Solitária é muito maior e jamais será comprado pelo vil metal. Respeite nossa vitoriosa tradição e nos ajude a construir um futuro vencedor. Todos nós sairemos ganhando. Você recebe de volta o seu investimento e nós, torcedores, com boas apresentações e títulos.

A relação de causa e efeito criada por Textor ao afirmar que “lá, eu tive que mudar tudo, porque era uma associação que dirigia o clube” é falaciosa. O modelo de associação, por si só, não é a causa dos desmandos e das dificuldades enfrentadas pelo Botafogo. Gestores despreparados e, alguns deles, mal-intencionados, provenientes da política do clube, é que levaram o Botafogo a difícil situação financeira em que se encontra.

O Flamengo, por exemplo, é uma associação civil sem fins lucrativos, como era o Botafogo. A partir da gestão eficiente, séria e dedicada do ex-presidente Eduardo Bandeira de Mello e, claro, contando com o apoio de sua gigantesca torcida, o rubro-negro carioca, que por vários anos chegou a flertar perigosamente com o rebaixamento, ajustou suas contas e retomou a sua grandeza. O Palmeiras é outro exemplo dos efeitos benéficos que as gestões competentes podem oferecer.

Em uma estrutura associativa, caro Textor, os cargos são realmente interinos. Por sinal, caso você queira demitir hoje todos os dirigentes e a comissão técnica que fazem parte do quadro do Botafogo você não poderia fazer? Certamente! Os cargos são sempre interinos. O chefe, aquele que comanda a organização, seja ela qual for, independente da forma com que ele foi alçado à posição, por eleição, pelo capital ou pelo saber, pode trocar todos os seus subalternos. Os problemas vivenciados no Botafogo, que são similares aos de outros clubes do país, não são causados pelos cargos serem interinos, mas sim pela qualidade técnica e/ou moral dos seus ocupantes.

Não satisfeito, ele soltou mais uma pérola, que o técnico (do alvinegro) não parava de reclamar dos árbitros. Pergunto ao meu leitor, qual é o treinador, brasileiro ou estrangeiro, que não reclama dos árbitros? Abel Ferreira, do Palmeiras, com os olhos arregalados e injetados de ódio, foi deselegante, grosseiro e estúpido diversas vezes. Ele mesmo reconhece os seus exageros. Felipão, no último final de semana, com o acréscimo, já nos descontos, de mais um minuto dado pelo juiz, deu um chilique na beira do gramado e depois, sem sequer apresentar um ligeiro rubor, ficou feliz da vida com o gol marcado neste minuto por ele tão contestado e que deu a vitória ao Athletico Paranaense sobre o Galo no Mineirão.

Mas, de todas as falas de Textor, aquela que mais me incomodou, sem dúvida alguma, foi a sua afirmação de que ele já gastou mais do que o dobro do planejado no Botafogo e que contratou jogadores que não deveria.

A fala do soberbo empreendedor norte-americano e a difícil posição do Botafogo na tabela de classificação da Série A prova que Textor não é infalível e que sua administração também comete diversos equívocos, dentre elas, mais uma vez, desvalorizar o seu próprio ativo, ao afirmar que contratou jogadores que não deveria. Pegou tão mal, que ele teve que correr em suas redes sociais para se explicar.

Como torcedor, eu vejo que o investidor norte-americano gastou mal o seu dinheiro. Se nem todos os treinadores europeus são garantia de qualidade, nem todos os atletas que jogam na Europa são bons o suficiente para atuar na elite do futebol brasileiro. E, para mim, as escolhas de Textor recaíram exatamente em jogadores de qualidade duvidosa. Vou parafrasear o meu amigo e colega de trabalho, Ruy Cesar, o Textor já trouxe os jogadores que irão compor o elenco, mas quando chegarão os titulares? É isso que eu quero saber!