Autor: CláudiaCardozo,BNoticias | Foto: Amanda Oliveira/GOVBA
Uma professora será indenizada em R$ 100 mil pelo Estado da Bahia por ter ficado trancada por 2h30m em uma cela com 11 detentos na Penitenciária Lemos Brito. Ela contou na ação com pedido de indenização que era integrante do Programa Todos pela Alfabetização (Topa), trabalhando com a alfabetização de detentos da penitenciária.
Na ação, ela informou que trabalhou no programa por dois anos e que, por determinação legal, as aulas devem ser ministradas com as portas das salas abertas, com um segurança permanente na porta. Entretanto, em um dia de agosto de 2010, por volta das 14h, quando ministrava aula para 11 detentos, as portas de ferro que isolavam as salas de aula das demais instalações do prédio foram repentinamente fechadas pelos agentes de segurança por ordem do diretor do presídio. Informou que os detentos, do sexo masculino, eram de alta periculosidade, dentre os quais tinham assassinos, estupradores, estranguladores. Diz ter entrado em pânico, tendo gritado e batido no portão para sair da cela, mas ninguém abriu a porta.
Um dos detentos tentou se aproximar dela para estuprá-la, mas um traficante detido no local a protegeu, gritando “na professora ninguém toca”. Alguns detentos fizeram um barulho ensurdecedor na cela para alertar os policiais que a professora estava presa no local. Uma testemunha afirmou que a porta da cela não era de grade, e sim, totalmente de ferro. Quando as portas foram abertas, os diretores do presídio não deram nenhuma satisfação a ela sobre o ocorrido. Devido ao ocorrido, a professora não conseguiu mais ministrar aulas e desenvolveu síndrome do pânico, necessitando tomar medicamentos para depressão, deixando de integrar o projeto.
Em sua defesa, o Estado da Bahia alegou que não há elementos que provem a obrigação de indenizar, por não ter sido comprovada a responsabilidade do Estado. Disse que não há provas de que o fato ocorreu, e que não houve ato de violência contra ela, admitindo que os detentos tentaram protegê-la. Alegou que os problemas psicológicos relatados não são comprovadamente decorrentes da conduta do Estado, bem como que a existência de patologia só poderia ter sido atestada por meio de perícia médica. Professores do Topa foram testemunhas da autora da ação. Eles informaram que a ela só trabalhou no projeto até o dia do incidente.
Na sentença de piso, o juiz Ricardo D´Ávila, da 5ª Vara da Fazenda Pública de Salvador, afirmou que o Estado, ao criar um projeto desta natureza, “deveria ter adotado medidas preventivas e efetivas no sentido de assegurar a segurança dos prestadores do serviço, o que na hipótese dos autos, não ocorreu”. Para o magistrado, ficou comprovado que o transtorno psicológico ocorreu pelo incidente no presídio. “Considerando que o fato ocorrido com a autora configura situação de estresse que vai além do tolerável, indubitável o abalo psicológico sofrido”, destacou na decisão. O juiz ainda afirmou que a situação poderia ter sido facilmente evitada, “não fosse a negligência dos prepostos do Estado em proceder com o fechamento dos portões sem se certificar que todas as professoras haviam saído do local, configurado, portanto, o nexo de causalidade entre o prejuízo sofrido pela autora e a conduta omissiva da ré”.
O juiz havia fixado a indenização por danos morais em R$ 30 mil, mais R$ 2 mil por danos materiais equivalentes a quatro meses de trabalho. O magistrado negou os pedidos de inclusão no rol de beneficiários do Planserv e de aposentadoria, por ser competência da Justiça Federal analisar a questão.
A autora recorreu da decisão para elevar a indenização. O recurso foi analisado pela 3ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) e relatado pelo juiz substituto Jose Luiz Pessoa Cardoso. No acórdão, o magistrado aponta que a autora era “uma mulher vulnerável, dócil, mãe de família”, e ainda era curadora de sua sobrinha, doente e que veio a falecer no ano de 2018, e que há nove anos faz tratamento psicológico, utiliza remédios tranquilizantes em altas doses e nunca mais teve condições para adentrar numa sala de aula e exercer a sua atividade profissional de professora e pedagoga. Para o relator, “é inegável o grande sofrimento, e a dor demandante/apelante e os transtornos psicológicos por que tem experimentado a mesma desde a ocorrência do evento danoso, conforme relatórios médicos anexos aos autos”. Por isso, elevou a indenização para R$ 100 mil.