Autor: Luiz Henrique Borges
No último sábado, hábito adquirido há alguns anos, suspendi todas as minhas atividades no meio da tarde para assistir mais uma final da Liga dos Campeões da UEFA. Normalmente assisto o jogo sozinho, no entanto, desta vez tive o prazer de ter a companhia do amigo Binho que trouxe, gentilmente, diversas latas de cerveja e alguns petiscos.
O evento disputado em uma das mais encantadoras cidades do mundo, Paris, teve de tudo. Quando liguei a televisão, fui informado pelos locutores e pelos telões do estádio que o jogo atrasaria. Naquele primeiro momento, os motivos ainda não tinham sido divulgados. Um pouco depois, para minha surpresa e também, confesso, uma certa satisfação, constatamos que por lá também tem furdunço. As câmeras de TV filmaram diversos torcedores ingleses, sem ingresso, pulando e driblando alegremente a parca segurança presente e invadindo o estádio.
Posteriormente, em comunicado oficial, a UEFA declarou que os problemas que ocasionaram o atraso do jogo por mais de meia hora foram decorrentes do fato de que milhares de torcedores tentaram entrar no estádio com ingressos falsos e isso levou ao bloqueio das catracas do lado do Liverpool das arquibancadas. A desorganização e os fraudadores prejudicaram diversos torcedores que portavam ingressos válidos. Os ingleses também reclamaram bastante do tratamento dado pela polícia local. Enfim, desorganização, falsificação de ingressos, trambicagens e tratamento duro da polícia não são monopólios do Brasil ou de países menos desenvolvidos. Mas não vamos nos animar, as confusões por lá são muito menos frequentes e, se a polícia francesa tratou a torcida com dureza, certamente não apelou para a selvageria. Ninguém foi asfixiado em uma viatura.
Após alguma espera, a bola rolou no Stade de France. O Liverpool, treinado por Jürgen Kloop, uma equipe que é melhor tecnicamente, pressionou o Real Madrid desde o primeiro minuto. O clube inglês chegou a todas as finais nas competições em que disputou, ou seja, jogou todas as partidas possíveis na temporada. Além do grande desempenho da equipe, o melhor da era Kloop, um possível gostinho de vingança animava o Liverpool e ele foi sintetizado nas palavras do craque egípcio, Mohamed Salah: “Temos contas a acertar”.
Além do ressentimento pessoal, Salah se lesionou após disputar uma bola com Sérgio Ramos, defensor do Real Madrid, na final de 2018, há o “ressentimento” esportivo, o Liverpool foi derrotado naquela ocasião por 3X1. Já na temporada passada, 2020-2021, os ingleses foram novamente eliminados pelos madrilenhos nas quartas de final da competição pelo mesmo placar no agregado. O dia 28 de maio de 2022 seria o momento ideal para tirar a pedrinha do sapato que tanto incomodava o clube da cidade dos Beatles.
Um adendo se faz necessário. Tratando-se somente de finais da Liga dos Campeões, o confronto entre os dois gigantes europeus também era um tira-teima. Já ressaltamos que os clubes fizeram a final de 2018, em Kiev, quando o Real Madrid se sagrou campeão. O que muita gente certamente não se lembra é que também em Paris, no Parc des Princes, atual estádio do PSG, eles se enfrentaram na decisão de 1981, quando os ingleses venceram por 1X0 e foram disputar o mundial interclubes contra o Flamengo de Zico, no Japão. Baile brasileiro!
No último sábado, durante boa parte da decisão, parecia que a pedrinha seria retirada do sapato do Liverpool. O Real Madrid, encurralado pelos Reds, tinha grande dificuldade de organizar suas jogadas e era pressionado constantemente pelos ingleses. O problema foi superar Courtois que, a cada intervenção, demonstrava que o incômodo objeto permaneceria no mesmo local. O show do goleiro belga começou, de fato, aos quinze minutos quando Salah o obrigou a fazer o primeiro milagre em chute no canto. Logo depois, ele tirou, com as pontas dos dedos, o forte chute de Mané que ainda beijou o pé da trave.
Com o domínio do jogo, os Reds praticamente não sofreram na etapa inicial, exceto pelo último lance. Alaba lançou Benzema na área, Alisson fechou o ângulo ao sair nos pés do atacante. No bate rebate, a bola ficou com Valverde, que dividiu com os zagueiros do Liverpool e foi parar nos pés do atacante francês que marcou o gol. Após a longa análise do VAR que durou cinco minutos, o gol foi anulado.
A etapa final começou um pouco mais equilibrada e, aos 14 minutos, Valverde atacou pela direita e cruzou para o ex-flamenguista, Vinícius Júnior, sozinho na segunda trave, escorar para as redes e abrir o placar para o Real Madrid. O jovem craque brasileiro, que chegou a ser injustamente apelidado de Neguebinha em alusão a outro atacante com características físicas semelhantes, Negueba, que atuou no Flamengo, porém com recursos técnicos bem mais limitados, não fez uma partida brilhante como em outras oportunidades, mas foi decisivo. Atualmente, o jovem brasileiro ocupa a primeira prateleira do futebol internacional.
O Liverpool, atrás no placar, continuou atacando o Real Madrid que, por sua vez, apostava nos contra-ataques. A pressão inglesa era imensa, mas invariavelmente parava no iluminado, mágico, elástico e gigante Courtois. Ao meu ver, a defesa mais incrível, dentre as diversas realizadas, ocorreu após Salah receber um lançamento. O egípcio passou na corrida por Mendy e, de frente para o goleiro, o jogador do Liverpool chutou cruzado para a inimaginável defesa, com a parte interna do braço, realizada pela muralha intransponível em que Courtois se tornou. A defesa foi tão monumental que diversos jogadores do Real Madrid abraçaram imediatamente o goleiro. Ficou claro para mim, para o Binho, para os jogadores do Real Madrid e do Liverpool e para todos os torcedores que assistiam o jogo que a bola não entraria, apesar dos hercúleos esforços, nas redes do clube espanhol.
Os derradeiros minutos do jogo foram de ataque contra defesa. O Liverpool partiu com tudo em busca do gol que levaria a disputa para a prorrogação e, consequentemente, cedeu os espaços para o Real Madrid matar o jogo. No entanto, quando o árbitro apitou o final da partida, o placar ainda era 1 a 0 e o clube espanhol pôde comemorar o seu décimo quatro título de Champion League.
A pesada camisa do Real Madrid fez jus ao seu hino, cantado a plenos pulmões pelos seus torcedores: História que fizeste. História por fazer. Porque ninguém resiste a tua vontade de vencer.
Historia que tú hiciste
Historia por hacer
Porque nadie resiste
Tus ganas de vencer