PÉROLAS DOS TEMPOS IDOS
Artigos

PÉROLAS DOS TEMPOS IDOS

Se tem uma coisa boa que o século XXI trouxe pra “Candin” foi a tal da globalização, inegável isso. Este estágio dos novos tempos deixou à cidade pra lá de antenada. As coisas aconteciam aqui com uma morosidade irritante, hoje em dia, aparece em uma velocidade estonteante – como diria o bardo de Santo Amaro.

Alguém aí se lembra de quanto tempo ficamos sem assistir à televisão em rede? As novelas globais era uma coisa que sabíamos que existia – por ouvirmos falar -, porém, somente no final dos anos 1970 foi que batemos de cara com Tarcísio Meira, Francisco Cuoco, Sônia Braga e outros. Torcíamos para chegar logo quinta-feira para nos divertirmos com Chico City e os seus personagens… Quem não rolou de rir com as bobagens de Didi, Dedé, Mussum e Zacarias no início de noite dos domingos?… e o futebol? Quando se transmitia um jogo em tempo real faltávamos morrer de alegria. Era o ápice da “mudernagem”.

A formação cultural da nossa cidade deu-se basicamente com a R.D.C. (O antigo sistema Radiofônico de Geraldo Gomes) e do velho cinema que (nasceu Cássia e terminou Hermano). As músicas que ouvíamos neste sistema de alto-falantes chegavam aos nossos ouvidos com alguns meses de atraso (quem ligava pra isso?), embora, alguns “privilegiados” já tivessem em suas casas um ou outro rádio de pilha captando as ondas curtas e médias das rádios AM que espalhavam as suas programações pelo interior do Brasil.

Quando menos esperávamos, chegava a nossa diversão na boleia dos caminhões, trazendo sempre algum circo ou um ou outro parque de diversão. Quando isso acontecia nos considerávamos contemplados. Os parques de Diversão e os circos mais modestos eram os que saíam desbravando o interior do sertão brasileiro, passando por praticamente todas as pequenas cidades (mesmo as mais atrasadas).

Nos circos, além do espetáculo trivial (contorcionistas, malabaristas, trapezistas, engolidores de fogo/espadas – e palhaços) vira e mexe, tinha um ou outro show com algum artista (mais ou menos conhecido). Por exemplo, o paulista Amácio Mazzaropi (1912/1981 ator e diretor de dezenas de filmes) se apresentou aqui na Lagoinha antes mesmo de virar bairro.

O pior se deu com Gonzaguinha do Baião (um dos primos do Rei Luiz) que roubou neste torrão, uma nativa donzela. A linda garota foi assistir à apresentação de Gonzaguinha aqui em um circo e se engraçou de vez com os “predicados” do artista que nem pensou duas vezes para afaná-la de mala e cuia. Marcou um encontro nos fundos do circo, jogou a moça na garupa da sua Belina e desembestou na lapa do mundo. Como a garota não voltou para casa, os familiares foram procurá-la e uma amiga denunciou a fuga. Sem saber, o primo de Luiz Gonzaga acabou bulindo em um “vespeiro pernambucano”. Foi um rolo! Na época, aqui em “Candin” se tinha uma raça valente eram os pernambucanos. Ô povo danado pra brigar.  Xingando o que vinha na boca, estes homens se armaram do que conseguiram, se dividiram em três carros e picaram a mula atrás do “afanador de donzelas”. Por mais que procurassem não chegaram nem perto da Belina envenenada do forrozeiro.  A garota – posteriormente – se tornaria esposa do sanfoneiro, porém, se naquela fatídica noite eles tivessem sidos alcançados, a tragédia seria inevitável.

Os Parques de Diversão além de trazerem luz elétrica – que também era uma novidade para nossa cidade, traziam seus carrosséis (com chapéus mexicanos, cavalinhos infantis, carrinhos de corridas, etc…) que divertiam a garotada, enquanto argolas eram lançadas de um determinado ponto do cercado, objetivando laçar uma ou outra carteira de cigarros que seria cooptada pelo lançador. Também tinha os jogos de azar como o da casinha dos preás. O indivíduo prendia a bichinha dentro de uma casa e depois de girá-la para deixá-la completamente desorientada, o algoz levantava a casa e diante daquele monte de apostadores babões, o pobre do animal se enfiava dentro da primeira porta que achava pela frente. Como as casas eram numeradas, o vencedor seria quem detinha o número da casa que abrigava a preá. Existia também as barracas de tiros ao alvo com dardos (e chumbinho) e as famosas barcas. Muitos casamentos Novo-Conquistenses nasceram dentro daquelas velhas barcas de flandres que pareciam querer voar, tantos eram os esforços feitos por quem às conduziam. Se isso não bastasse ainda tinha a voz aveludada dos locutores com as “suas lindas páginas musicais” – que era sempre uma atração à parte: – Esta linda pagina musical é o rapaz de calça US Top e camisa quadriculada que dedica com muito amor e carinho para a garota de vermelho. – Era tiro e queda! Por mais difícil que a garota fosse, abria logo um sorrisão. Era humanamente impossível resistir a uma dedicatória daquelas. O pior eram quando um tímido ficava muito a fim de uma garota, escrevia um bilhetinho em um pedaço de papel de pão e pedia ao melhor amigo para ir até o estúdio entregar ao locutor. Logo se ouvia a pérola:

– Esta música é de um alguém que dedica para a garota de lacinho rosa com muito amor e carinho! “Eu te amo, eu te venero”… Na linda voz do cantor Paulo Sérgio. – Também havia os que tinham levado chifres, estes enchiam a cara e bêbado feito um gambá, caminhava até a cabine do locutor trocando as pernas e pedia ali mesmo em viva voz: – Toca aí pra mim “Paixão de um Homem” de Waldick Soriano. É Filó de Anáia que dedica pra Julinha, àquela escrota da filha de João Melão. Ela me chifrou com Tenório de Luzia.

E assim, uma das maiores receitas financeiras dos parques vinham das dedicatórias musicais. Existia um “chavão” nestes parques que faziam um sucesso danado. Maciste (ainda hoje morador de Cândido Sales), por exemplo, chegou aqui a bordo do CENTRO DE DIVERSÕES MONTES CLAROS e foi um dos maiores locutores de “dedicatórias musicais” que já passaram por esta terra. Além da voz muito bonita, era quem mais dizia: – Esta música é um alguém que dedica a outro alguém que pensando bem, saberá quem? – Profundo, ne? Era o que mais acontecia nos alto-falantes dos Parques de Diversão.

Zé Cardoso – filho de seu Alexandrino da farmácia – era o mais pegador da galera. Simpático, saltitante e que tinha uma juba que matava leão de inveja, saía às ruas rebolando mais que Michael Jackson. Usava sempre uma calça US Top pra lá de apertada e conversava imitando as gírias da Jovem Guarda. Se alguém perguntasse:  – E aí, Zé! Tudo bem? – O cara abria a caixa de pandora e soltava o verbo: – Chuchu beleza! É uma brasa, mora? Tem um monte de brotos paradas aí na contramão! Papai é um pão! Mamãe passou açúcar em mim!… Entendeu, bicho? – Pra variar só andava com uma renca de belas garotas. Namorava todas as solteiras (e até algumas casadas). Cardoso – inegavelmente – era o detentor da maioria das dedicatórias dos Parques. Era comum se ver a mulherada quebrando pau por causa do namorador. Enquanto elas brigavam ele passeava de mãos dadas com outra. Estava se lixando para o tumba!

Eis que um belo dia, após rolar uma briga violenta entre Das Dores de Tassilo e Aninha de Jurema (onde as duas quase ficaram carecas tantos foram os tufos de cabelos arrancados) que deu até delegacia, Cardoso deu um baita de um calundu e resolveu fazer uma greve de namoro. A partir daquela data não namoraria mais as Novas-Conquistenses. Eis que certa noite, ao voltar de um fuá, o caboclo quase caiu de costas ao se deparar com uma linda e curvilínea loira! A moça era esbelta e de uma beleza contagiante, com um sorriso constante nos lábios, cujo cabelos anelados, exalava um cheiro majestoso, além de impecavelmente vestida. Ao bater de frente com a fêmea, o garanhão não resistiu e se entregou de corpo e alma a sua repentina e arrebatadora paixão. Logo lá estava ele caindo de cabeça (tronco e membros) nos braços da loira. Meia dúzia de beijos depois, um agarra aqui, passa a mão ali e lá estava ele em um casarão de luzes coloridas, dentro de um quarto repleto de reluzentes espelhos e envolto ao corpo nu da beldade, coberto apenas por um lençol de cambraia. Foi o sexo mais gostoso da vida do garanhão! Amou como se fosse à última vez da sua vida! Naquela noite ele se embasbacou com uma garota bela e inteligente.  Logo o fogo da garota incendiou completamente a libido do garanhão. A “consubstanciação” foi tão intensa que ele nem teve tempo de perguntar o nome dela. Entrou de cabeça no prazer que aquela noite propunha e após quase três horas de um selvagem e ininterrupto coito, completamente esgotados, cada um caiu para um lado da cama e dormiram (pelados) o sono dos justos.

No dia seguinte, Zé Cardoso ainda com o gosto e o cheiro da loira impregnado na pele, se viu violentamente sacudido pelas mãos ásperas de “Olavo Olho de Prata”, com o seu horroroso bafo de pinga. O velho coveiro tinha um olho furado, daí o apelido. Além de coveiro do cemitério local,  Olho de Prata era famoso por andar o tempo todo na companhia do seu indefectível cachorro de estimação, Javali.

– Zé, diabo. Acorda, que diabo aconteceu?… – Gritava balançando o dorminhoco – Acorde Zé… O que você está fazendo no cemitério, carái? – Zé abriu os olhos lentamente e se viu deitado em cima de uma carneira, abraçado a um vaso de flores e com uma imensa cara de prazer!

– O que, onde estou? – Perguntou assustado. – No cemitério, ué! Dormiu em cima da cova de Madalena? – Zé Cardoso se levantou atordoado, sem entender absolutamente nada, olhou a lápide e quase caiu ao ver a foto e o nome da defunta do mausoléu: “Madalena dos Prazeres, nascida em 5/8/14 falecida em 9/10/35.” Na foto, a loira era a mesma que ele tinha encontrado na noite e feito o melhor sexo da sua vida!

Frustrado e desconfiado, Cardoso pegou as suas vestes e foi saindo de fininho. “Olho de Prata”, sem entender absolutamente nada, ainda Gritou:

– Você dormiu aqui, não foi? O que você fazia pelado em cima da carneira da defunta, rapaz? Conta esta história direito… Está tudo bem?

Esta pergunta jamais foi respondida. Cidade pequena, sabe-se como é. Logo a notícia do sucedido se espalhou pelo lugarejo e a partir daquele dia, o famoso “pegador” da cidade se transformou em “Zé da Carneira”!

– Fala aí, Zé… Como é traçar uma defunta, ela é quente? Geme muito? Vá cara, conta aí, vá? – Zoavam os amigos enquanto Zé dava no pé imaginando o dia em que a defunta literalmente lhe passou a perna.

FIM

Luiz Carlos Figueiredo

Poeta e Escritor

Cândido Sales, Bahia. Quadras de Agosto de 2023

Crescente de Inverno