O JEGUE DE AGAMENON
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O JEGUE DE AGAMENON

Autor: Luiz Carlos Figueiredo

Em 1978, um dos alunos mais “atentados” de todo o colégio Orlando Spínola (única instituição com curso ginasial de todo o município) era Agamenon. Um olhar mais detalhado revelaria um rapazola de uns 16 anos, curvilíneo, estatura mediana, cabelo duro, meio desengonçado, magro feito a peste e de uma timidez de meter medo. Aos leigos, a imagem que o jovem “vendia” parecia ser de alguém bastante comum. Agamenon tinham a sua origem fincada na roça, cuja família era bastante humilde, invejavelmente trabalhadora e de uma inenarrável educação. Logo após a inauguração do Ginásio (substituindo a Escola Complementar regida sob a batuta do Diretor José Maria – que tratava o alunato como se fossem militares), onde o médico Rosivaldo teve uma passagem desastrosa como diretor, dona Maria do Socorro Portela Sá, esposa do histórico locutor Geraldo Gomes assumiu o comando da instituição. Na época, dona Socorro contou com o adjutório de dona Marly, uma distinta senhora oriunda da cidade de Vitória da Conquista (esposa do então tesoureiro da Prefeitura de Cândido) e que mesmo em estado interessante de nove meses, assumiu definitivamente o cargo de secretária do recém-inaugurado colégio.

Esta senhora – se dizia de linhagem nobre – mal cumprimentava os alunos. Neste período a fama ruim dos nossos estudantes já ultrapassavam as fronteiras, Imaginem Domingos (o famoso Coreano), Hugão (irmão de Zé Soares) Almir (Mimi Gatão), o poeta Jaivan Acioly, Netinho de Zé de Anésia, Pio (nosso amigo Pompilo Doido), Biu (posteriormente seria o temido Cabo Bezerra da cidade de Vitória da Conquista, assassinado barbaramente no estado de Minas Gerais) e, o pior de todos, o “roçaliano” Agamenon reunidos no mesmo colégio? Esta turma deixavam os professores de cabelos em pé e o diretor à beira de um ataque de nervos!

Quando Dona Socorro precisava ir à Vitória da Conquista dona Marly assumia a direção com mão de ferro. Era apenas um dia por semana, porém, neste dia, a conquistense mostrava quem realmente mandava ali na instituição educacional. Pra começo de conversa botava logo na porta os folclóricos guardas Deó e Derotides (coisa que Dona Socorro jamais fizera) e quem não se enquadrasse às normas estabelecidas por ela era impiedosamente barrado com truculência. Isto deixava os alunos visivelmente perturbados, chegando a demonstrarem publicamente o desejo de esganar literalmente a diretora substituta.

– Quem ela pensa que é, hein? Só porque o marido é tesoureiro? – Indignava-se o alunato!

Um belo dia, eis Dona Marly assumindo o comando do colégio já às vésperas de parir!  Isolada na sua pequena salinha de dois metros quadrados (que ela teimava em chamar de secretaria), degustava gulosamente um livro de quatrocentas e tantas páginas quando Biu, Domingos, Hugão e, naturalmente, Agamenon, cismaram de dar um susto na pobre coitada.  Neste tempo aqui em Nova Conquista o que mais existiam nas ruas eram jumentos. Como era a principal “ferramenta” na condução da água do rio até o “comércio”, e até utilizados como meio de transporte, podia se ver centenas destes animais soltos em meio à cidade, pastando, brigando e se acasalando diante dos olhos atônitos da população.  O colégio era localizado no espaço que hoje funciona o CECS e nos fundos era um terrível matagal onde estes bichos faziam uma festa. Quando pintava uma jeguinha nova, era disputada na base das patas e dos dentes, o vencedor era contemplado “desdonzelando” a coitadinha.  Era muito normal os alunos se reunirem durante as aulas vagas – meninos e meninas – para assistirem ao show erótico dos jumentos. Muitos perdiam até as provas para se divertirem com o sucedido. A molecada se excitavam com a “brilhante” apresentação sexual dos bichos.

Entre os jumentos que frequentavam os fundos do colégio, existia um bitelo que de tão grande metia até medo.  De tão enorme parecia até um burro, forte que podia ser comparado a um touro e como era negro, logo, ganhou o sugestivo apelido de “Africano”. Este bicho era sempre o primeiro a se servir das sensíveis e inocentes jumentinhas que davam por lá em pleno cio. Para demarcar o território, este jegue botava quase uma dúzia de concorrentes para correr na base da força, distribuindo coices, mordidas e relinchos para tudo que era lado. Após ganhar a disputa, dava logo uma bela de uma mijada só para deixar bem claro quem verdadeiramente mandava ali no pedaço! Pois não é que Agamenon e Hugão fizeram que o pobre do Domingos viesse tangendo lá da Coreia uma jeguinha donzela em folha apenas para saciar o apetite do diabo do Africano? Pois é. O coreano arrastou a bichinha à força por quase uma légua para jogá-la no colo do jegão!

Ah! Quando este jegue “butucou os zóios” pra cima da donzelinha pra lá de inocente, já com a “caverninha do prazer” piscando mais que vagalume, o bicho endoidou e saiu completamente do prumo. Incontrolável, passou a correr e saltar mais que canguru no meio da praça. Não ficou ninguém por perto, foi todo mundo se trancando em suas casas enquanto o danado do jumento uivava mais que o “véi” João Jiló no dia que se casou com “Quelemência Malamanhada”.  A coisa foi tão feia que exigiu de “Biu” toda a experiência que ele tinha adquirido ao longo do tempo como vaqueiro para prendê-lo. Foi um desmantelo.  Após capturar e amarrar fortemente o bitelo, eles o levaram para a fazenda de Agamenon onde o bicho ficou “incomunicável” por quase uma semana, morrendo de vontade de fazer suas “travessuras”!

Duas da tarde de uma sexta-feira, dia de prova (e da viagem de Dona Socorro), todo mundo tenso, alguns choramingando pelos cantos e dona Marly ali, soberana, alheia a tudo o que acontecia ao seu redor, mocozada dentro da secretaria, escondida atrás das grossas lentes dos óculos de graus que usava, distribuindo ordens a torto e a direito, com a sua barriga enorme de nove meses (chamando a atenção de todos), prestes a parir.

Silenciosamente, eis que os danados dos alunos, capitaneados por Agamenon e Hugão, soltam a jumentinha bem no meio do pátio do colégio liberando “Africano” em seguida. Assim que se viu solto após seis dias “jejuando”, este jumento louco de excitação partiu impiedosamente para cima da coitada, urrando feito um medonho, mordendo, espirrando, cuspindo, dilacerando e foi logo agarrando violentamente a pobrezinha pelo pescoço, cravando inapelavelmente os enormes dentes na pele da jeguinha, fazendo o sangue jorrar por todo pátio em um barulhão infernal! Desajeitado, ao tentar subir na donzelinha, acabou foi entrando sem querer secretaria adentro derrubando a pequena porta e tudo o que tinha pela frente. Foi um desastre! Quando Dona Marly viu “aquilo tudo”, entrou em pânico e completamente descontrolada subiu na sua pequena escrivaninha botando a boca no mundo:

– Socorro! Acode aqui… Tira estes bichos daqui… Tire daqui este jegue tarado! Socorro! Por Deus, tira o diabo deste jumento tarado daqui!!! –  Foi necessário trazerem todo o “efetivo militar” que existia aqui na época (leia-se: o Cabo Leite e os dois únicos guardas municipais disponíveis no momento) para tentar conter a tara de “Africano”.

As garotas mais vergonhosas tampavam os rostos com a mão olhando por entre os dedos, as mais descoladas se divertiam rindo à exaustão e a molecada alucinada berravam de prazer, babando ao ver o jumentão traçar literalmente a jumentinha em um cenário de guerra!   Em um cantinho da pequena sala, de pé sobre a escrivaninha, se equilibrando perigosamente sobre o seu indefectível salto alto, dona Marly gritava feito uma louca, completamente despenteada, vermelha feito um pimentão e quase se enfartando com o seu barrigão de nove meses, morrendo de medo de ver o seu rebento pular barriga afora.

Meia hora de labuta depois de sustos e coices, eis que alguém teve a ideia de empurrar a jeguinha porta afora fazendo que “Africano” terminasse o que tinha começado do lado de fora do pátio, jorrando como um chuveiro em cima de quem assistia ao embate. Ninguém conseguiu arrastar o gigantesco jumento antes da conclusão do “serviço”.  Neste dia a coitada da dona Marly foi conduzida desfalecida para o primeiro automóvel que chegou à porta do colégio e quase parindo foi levada às pressas para um hospital de Vitória da Conquista. Foi um alvoroço!  O neném nasceu forte e saudável e entre mortos e feridos, salvaram-se todos, inclusive, a jumentinha!

FIM

Luiz Carlos Figueiredo

Escritor e Poeta

Cândido Sales, BA. Quadra de Junho de 2022. Crescente de Outono.