O CASAMENTO MANÉ GOSTOSO
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O CASAMENTO MANÉ GOSTOSO

Em 1959 o Povoado de Nova Conquista recebia a empresa CAVO com centenas de trabalhadores braçais, construindo a BR-116. Neste período as poucas festas que aconteciam por aqui eram tratadas como eventos apoteóticos. Era comum – Luiz Gonzaga e Zé Marcolino já diziam – o cidadão se matrimoniar e construir no mesmo dia a sua tapera de “enchimento”. Assim, matava-se um barrão, fazia-se um caldeirão de pirão, um pote de canjebrina, saía convidando os amigos das redondezas e em mutirão, construíam-se as paredes do casebre com capim, barro e varas, o toque final era a cobertura com folhas de coco. O chão da residência era “incarcado” através de um frenético arrasta-pé, que durava até o raiar do dia. Para que o evento tivesse sucesso, além das talagadas de “cana” eram necessário a indispensável presença de um bom sanfoneiro, devidamente acompanhado de um pandeirista mungangueiro, figuras que por aqui, eram tão fartas que davam no meio das canelas – tai o historiador Diacísio da Rocha Viana que não me deixa mentir. Era um tempo em que existia por aqui um baixote (um metro e meio de altura, mais ou menos), de cabelinho escorrido penteado testa cima, bigodinho fino bem aparado na régua, corpo esculpido à base do trabalho de enxada, chapéu com peninha destes vendidos em São Paulo e um “óculo escuro” tampando os dois “zoiões butucados”. Olha gente, verdade seja dita, o caboclo era feio igual a dor de parir. O grande mistério era que o sujeito tinha uma inenarrável capacidade de atrair a atenção da mulherada. Ô homem sortudo pro lado de mulher! Sacramentado como Manoel Batista Alcântara, por motivos óbvios, ganhou a alcunha de Mané Gostoso. Apesar de feio e mangado pelos amigos, “Mané” era muito gente boa. Tinha apenas um pequeno defeito, não aguentava ver rabo de saia, ficava tão embasbacado que chegava a babar! Bastava butucar o olho em uma “donzela” pra que ela caísse completamente na dele. Tanto que Mané Gostoso se especializara em pular as janelas das casas, correndo de um ou outro marido traído. Quando não era isso, eram as mulheres brigando por ele ou com ele, como na vez que levou uma pêa violenta da viúva Madalena do finado Macário, em pleno boteco de João Mangangá, em dia tamanho. Segundo as más línguas, a viúva achou que ele quisesse um relacionamento sério com ela, quando o flagrou enroscado nas grossas coxas de Maroca de Sutilo, mulher casada e carola, perdeu de vez as estribeiras e “muchilou” uma panela de alumínio na cabeça de Mané. Olha, é bom que se diga que o moço teve a decência de apanhar calado, ficou com um galo de todo tamanho no meio da testa e não emitiu um grunhido, sequer.  Como tantos outros que viviam por estas paragens, Mané Gostoso era trabalhador da CAVO, empreiteira que asfaltava a BR-116. A marca registrada do sedutor era o papo furado, cinco minutos de prosa e lá estava a garota – completamente descabelada – cavalgando e gemendo descontroladamente debaixo dos lençóis de cambraia da sua velha cama de molas, em pleno alojamento, diante de todo mundo.

Mas, como nada vem de graça, eis que de uma hora para outra, imagina aí quem estava sendo forçado a se casar ali mesmo no alojamento, diante dos olhos de Deus, da surpresa dos colegas, de um padre pra lá de nervoso e de um pai armado e furioso? Acertou. Ele mesmo. A pressão que o pai da garota botou no infeliz foi tão grande que ele construiu sua tapera em tempo recorde, com o forrobodó contribuindo para o imediato aterramento da sala, tudo conforme rezava a tradição, na base da umbigada e contando com o auxílio luxuoso de Negro Carolino da Concertina, e do saltitante mungangueiro, o pandeirista “Chico Rapadura”. Para uma melhor compreensão do sucedido, é necessário voltar uns quatro meses no tempo, exatamente quando os “zoiões” de Mané cruzou com os olhos agateados da jovem Leidinha que era de uma “sem-graceza” inenarrável. Magérrima, dentuça, cabelinho espichado na base da babosa e só de birra, usava uns óculos de graus – fundo de garrafa – de todo tamanho na cara. Como veem, os atrativos físicos da garota não era lá estas coisas, pra piorar, ela ainda era filha do cabra mais valente que existia por estas bandas, Zelão Rosca-Grossa. Valente que metia medo! Este moço tinha uma pequena propriedade por aqui e de quando em vez dava uma ou outra pisa de facão nos cabras “metido a besta”, consolidando assim, sua fama terrível de matador. Um belo dia, assim meio que na “bistunta”, “Mané” não “meteu os ferros” na filha de Zelão Rosca-Grossa emprenhando a coitadinha? Pois é. Foi um fuzuê! Quando Zelão veio a dar por fé, a barriguinha de Ledinha já estava com uns quatro meses de gravidez. Dona Frutuosa (a mãe da moça) já tinha gastado todinho o estoque de desculpas (e de garrafadas encomendadas nas redondezas). Aliás, somente Zelão acreditava que aquilo era “barriga d’água”, porque o restante todinho do povo sabia que aquilo era “minino”. Quando esse homem ficou sabendo que a barriga d’água da filha não estava cheia de água, mas de algo bem diferente… Hum!… Rosca-Grossa enlouqueceu de vez! Puto da vida soltou literalmente os cachorros pra cima de “Mané Gostoso”. Armou-se de um cravinote (velho, é bem verdade), duas facas reluzentes, um punhal bem afiado, duas soqueiras de aço, uma grossa palmatória, um “embornal” de sal grosso e um trançado de couro cru e foi pegar “Amigo da Onça” no laço em plena luz do dia, bem no meio da obra e à vista de todo mundo.  Quando o coitado do trabalhador viu mesmo à distância a cara de “infezação” de Zelão, montado na mula Catarina, desembestada em sua direção, ficou paralisado de medo, batendo o queixo mais que nordestino no frio de São Paulo. De repente o “deflorador” viu-se “garguelado” por uma dezena de dedos fortes e descontrolados. A turma do alojamento até que separou a briga, permitindo propositalmente que Rosca-Grossa desse uma meia dúzia de cascudos no deflorador. Eu não vi, é bem verdade, mas as más línguas disseram que diante do aperto o namorador soltou um peido tão esquisito (com perdão da palavra) que pareceu até um daqueles rojões que se solta em noite de São João! Chamada à presença do “sedutor”, Ledinha confirmou imediatamente o seu desejo de se “matrimoniar” com o pai do seu futuro filho e diante do olhar intimidador de Rosca-Grossa, Mané Gostoso gritou: – Eu me caso, eu me caso, eu digo sim, é sim! – Gritou antes mesmo de Frei Virgílio fazer a tradicional pergunta. Em um piscar de olhos, se matrimoniaram marido e mulher.  A casa de taipa, com quarto, sala e cozinha ficou pronta em duas horas de relógio e mal chegara à noite já acontecia o fuá, “incarcando” literalmente o chão de terra batida da tapera do mais novo casal da região, que, viveram felizes por um bom tempo, embora, contando sempre com a presença onisciente do cravinote de Zelão Rosca-Grossa!

FIM

Luiz Carlos Figueiredo

Escritor e Poeta

Cândido Sales, Bahia. Quadras de Abril, de 2023. Crescente de Outono.