Autor: Luiz Henrique Borges
Após mais uma derrota do Botafogo, a quarta consecutiva, duas na Copa do Brasil para o América Mineiro e duas no Campeonato Brasileiro, para o Atlético e para o Santos, percebi que este seria o melhor momento de falar do amor. Amor? Tomado pelo susto, questiona o meu amigo que aqui nos lê e, após franzir a testa, sem deixar a bola cair no chão, já insere uma nova pergunta: Não seria melhor você falar da desilusão, da tristeza, de arrependimento e até do ódio? Caro leitor, devo lhe advertir, seu olhar, que agora denota ares de lucidez diante de um louco, não me intimida.
Começo a resposta pela segunda pergunta. Ódio? Como eu poderia sentir ódio por algo que, sem qualquer espécie de compromisso formal, eu escolhi e sou fiel desde tempos imemoriais? Quando me perguntam quando me tornei botafoguense, não titubeio e logo solto uma pérola rodriguiana, “sou botafoguense desde a ordenação do Caos, desde a criação do Universo”. Afirmo categoricamente, jamais tive ódio pelo Glorioso, no máximo uma raiva momentânea que pode durar, confesso, até umas 48 horas, como ocorreu na derrota de virada para o Goiás há quase dois meses.
Preciso te contar uma história, meu amigo. Minha mãe, que se diz flamenguista, estava encantada com os espetáculos produzidos pelo Botafogo no Campeonato Carioca de 1968. Já vivendo em Brasília, ela acompanhou os jogos, desde o início do torneio, em uma pequena televisão em preto e branco que ficava na sala. Grávida, sua ansiedade aumentava na medida em que o alvinegro, comandado por Gerson, se encaminhava para a final do campeonato. Em uma partida nada glamorosa, contra o Bonsucesso, no dia 15 de maio, com o adversário jogando fechado e impedindo os frequentes ataques botafoguenses, a confirmação da vitória ao final do confronto aliado à tensão dos 90 minutos, rompeu a bolsa e eu nasci poucas horas depois, prematuro, com apenas 7 meses, mas indelevelmente marcado pela Estrela Solitária. Posso garantir, sem qualquer temor de me equivocar, é impossível abandonar alguma coisa para a qual você já nasceu predestinado.
Em tempos hodiernos, não tenho como negar, eu convivo de forma mais frequente com os sentimentos da desilusão e da tristeza, mas o encantador, o fantástico do futebol é que toda a plêiade de sentimentos – alegria e tristeza, raiva e amor, desilusão e esperança – são marcados pela fugacidade. No redemoinho de sensações vividas pelo torcedor, a cada rodada ela pode se transformar completamente. A raiva, a tristeza e a preocupação com a derrota para o Santos na quarta-feira podem se transformar, já neste final de semana, em alegria, esperança e euforia.
Ah, o amor! Sentimento frequente em nossas vidas. Amamos as mais diversas coisas: nossos familiares, nossos amigos, nossos pets e, vez ou outra, encontramos o amor acompanhado de outro sentimento que é avassalador, a paixão. A explosiva mistura gera relacionamentos que, muitas vezes, ingenuamente, acreditamos que serão eternos. No entanto, mesmo amando diversas vezes e de formas tão variadas, como é difícil definir o que é o amor.
A filosofia nos apresenta tal sentimento sob três perspectivas. A primeira, é o amor Eros. Tal amor é caracterizado pelo romance, pela paixão e pelo desejo. Porém, Pausânias, no Banquete de Platão, relatou que há dois tipos de amor ou Eros – o Eros vulgar ou amor terreno, muito associado ao prazer, à atração física e ao sexo e o Eros divino ou amor divino que transcende o amor pela Beleza Suprema. E há beleza mais suprema, símbolo dos poetas românticos, do que a estrela, insígnia que o alvinegro enverga com orgulho em seu peito?
Para comprovar nossa afirmação, em tempos obscurantistas e repletos de negacionismos, não deixaremos a ciência de lado. Após três anos de pesquisa, os cientistas da Universidade de Coimbra, Catarina Duarte, Miguel Castelo-Branco e Ricardo Cayolla, concluíram que os circuitos cerebrais que são ativados nos torcedores de futebol são os mesmos que nas pessoas apaixonadas. O futebol é Eros, em sua dupla concepção.
A segunda perspectiva é o amor Philos. Ele é definido por Aristóteles como um amor vinculado à ideia de alegria que engloba também a amizade, a lealdade, a família, a comunidade e o bem do outro.
Finalmente, o amor Ágape. Segundo o pensamento cristão, ele é a forma mais elevada de amor, ele excede todos os demais, pois ele representa o amor incondicional, sem reserva, o amor que se entrega. Enfim, é amar alguém sem esperar algo em troca.
Durante a vida, experimentei diversos amores de Eros, incendiários, mas o plural já ressalta o seu caráter efêmero. São eternos, como de forma magistral ressaltou o poeta Vinicius de Moraes, enquanto duram. Ao contrário da chama emanada pela estrela botafoguense, tais amores têm um princípio e um fim.
O amor Philos, Ágape e Eros Divino eu encontro no sentimento que tenho por minha família. Ela é a Beleza Absoluta, a essência, a verdade platônica mesmo em nossas terrenas divergências.
No entanto, somente o meu amor pelo Botafogo é capaz de sintetizar as suas diversas concepções em algo único. É arrebatamento quando entra em campo e enlouquece os torcedores. É paixão quando a minha alegria explode de forma plena em uma vitória ou estraçalha meu coração na derrota. Já o seu símbolo, astro cantado em versos e prosa pelos românticos, é Eros Divino que se alia às cores do seu uniforme, claro-escuro, flamejando a Beleza Suprema. É Eros em todas as suas formas e potências.
O Botafogo jamais foi o time da moda e nunca agregou o maior número de torcedores, exatamente por isso aprendi a ser resistência e a entender e aceitar as minorias. A fortuna me fez botafoguense e a sua simples existência é motivo do meu regozijo e, mesmo nas derrotas, minhas esperanças são sempre renovadas. Pelo alvinegro sinto infinita lealdade. Seu faixo de luz sempre me conduzirá e, mesmo nos momentos de dificuldades, jamais vou abandoná-lo ou solicitar algo em troca. Amor incondicional. É Philos e Ágape.
O inesquecível Armando Nogueira afirmou: “Feliz da criatura que tem por guia e emblema uma estrela”. No meu peito não bate um coração, pulsa uma estrela. Se os corações comuns param, o meu, em preto e branco, é imortal, afinal, se antes da criação eu já era botafoguense, não deixarei de sê-lo após o fim dos tempos.