Autor: Luiz Henrique Borges
Tenho alguns amigos que não gostam dos campeonatos de pontos corridos. Eles alegam, e eu entendo, que as disputas eliminatórias são mais emocionantes. Concordo parcialmente com os argumentos. No modelo atual de disputa do campeonato nacional, quando um clube consegue abrir uma vantagem considerável de pontos na tabela de classificação, a disputa pelo título, em tese, se torna menos atrativa, apesar de ficarmos secando o líder rodada a rodada. Lembro, no entanto, que os jogos finais podem, em virtude da própria tensão que envolve o confronto, ser muito truncados e nada atraentes.
Temos, atualmente, campeonatos que atendem a todos os desejos. A Copa do Brasil, com a sua excelente premiação, é eliminatória. O Campeonato Brasileiro é de pontos corridos, modelo, que ao meu ver, premia os clubes melhores administrados e capazes de fazer os investimentos mais corretos. Há, ainda, um misto entre os dois modelos, são os Estaduais. Veja que nem sequer toquei nos campeonatos continentais, todos eliminatórios.
Sem discutir a qualidade das equipes que disputam os Estaduais e seus regulamentos, por vezes, extremamente esdrúxulos, temos um modelo que só é capaz de gerar algum tipo de mobilização nas etapas eliminatórias. Obviamente que a capacidade técnica dos clubes que disputam o Brasileirão é muito maior e a disputa pode ser mais acirrada e interessante para o torcedor. No entanto, o formato classificatório e posteriormente eliminatório do Campeonato Brasileiro foi adotado durante décadas e ele só mobilizava efetivamente os torcedores nas fases decisivas. Os riscos de que uma equipe ou até um grupo de equipes dispararem na classificação também existem e podem transformar a fase classificatória em algo sem graça, como uma sala de espera para a fase final.
A Premier League deste ano demonstrou que os campeonatos de pontos corridos podem ser extremamente emocionantes. Manchester City e Liverpool chegaram na última rodada separados por um pontinho. Para o clube de Guardiola, bastava vencer o Aston Villa para garantir seu quarto título nas últimas cinco temporadas. É curioso como os jogos decisivos podem afetar o rendimento dos atletas. É característica dos clubes dirigidos pelo técnico espanhol agredir incessantemente os seus adversários, jogar de forma fluída e abrir o placar nos minutos iniciais do confronto. O City, é verdade, pressionou o Aston Villa desde o apito do juiz, mas o jogo não encaixava, o último passe não era dado com a maestria costumeira. Tensa, a equipe de Manchester se descuidou da defesa e o sonho de conquistar o bicampeonato quase se tornou um pesadelo quando o seu adversário marcou duas vezes.
Após o gol de Coutinho, o segundo do Aston Villa, a televisão buscou a imagem de Pep Guardiola. Sua expressão, além de perplexidade, era também de não saber mais o que poderia ser feito. O futebol é algo mágico! Contando com um elenco para lá de gabaritado, em apenas cinco minutos o City, até então perdido em campo, se encontrou e virou o placar que lhe deu título. Em tempo, o Liverpool fez o seu “dever de casa” ao derrotar o Wolves.
Após o espetacular triunfo do Manchester City percebi que, independente do formato, campeonato de pontos corridos ou com etapas eliminatórias, o seu sucesso depende, particularmente, da qualidade do produto que será apresentado. Se os nossos estaduais, por exemplo, contassem com muitos clubes qualificados, com jogos de nível elevado, eles atrairiam o público em todas as suas fases. Infelizmente, a nossa realidade é outra.
Os principais campeonatos europeus, em qualquer formato, conseguem manter os seus estádios sempre cheios durante toda a temporada em virtude de diversos fatores, dentre eles, a qualidade do produto que é entregue. A Premier League 2021-2022 foi tão emocionante porque ela é formada por vários clubes que contam com ótimos jogadores, garantindo partidas espetaculares, disputas acirradas e altíssima qualidade técnica.
Os clubes brasileiros discutem no momento a formação de nossa Liga, a Libra. Entendo que nossos dirigentes deveriam estudar atentamente a Premier League. Se já adotamos um nome que é homônimo da moeda inglesa, vamos nos atentar para o melhor e mais disputado campeonato nacional do mundo.
Uma liga de clubes de futebol pode gerar vários benefícios. Ela, por exemplo, permite negociações centralizadas de direitos de transmissão e de publicidade geral das competições. Ela deve criar e desenvolver conceitos de marca, como a “Premier League”, a “LaLiga” que não só substituíram o nome de “campeonato inglês” e “campeonato espanhol” como criaram valor. A Libra também pode racionalizar o calendário do futebol brasileiro, afinal é preciso organizar as competições a partir de uma agenda que permita maximizar o retorno financeiro de todos os envolvidos.
No entanto, como todas as moedas, há o outro lado: os riscos. Começo ressaltando o modelo de governança a ser adotado, ou seja, das regras de funcionamento da liga que, ao meu ver, não deveria contar com os membros dos clubes nas suas estruturas para evitar os conhecidos e perniciosos conflitos de interesse que vão desde a gestão da arbitragem ao calendário e podem levar até a sua inviabilização. Outro aspecto importante é como a liga irá se relacionar com as federações de futebol dos estados e com a CBF. Neste aspecto, seguindo a cultura política brasileira, ocorreu a troca de favores. Os clubes não se opuseram à eleição de Ednaldo Rodrigues para a presidência da CBF com a promessa de que seria entregue aos clubes o direito de formalizar a liga. Vamos aguardar as cenas dos próximos capítulos.
Chegamos, talvez, ao maior desafio. A discussão sobre a divisão do dinheiro. Pelo que acompanhei, a expectativa é que o montante a ser compartilhado seja maior. No entanto, o problema está na forma da divisão que, na proposta inicial, acentua ainda mais as diferenças. Os “dissidentes” buscam garantir que a discrepância entre os valores recebidos não seja tão grande e propõem estabelecer que os importâncias daqueles que ganham mais não ultrapasse três vezes e meia daqueles que ganham menos.
A criação de uma liga pressupõe a preocupação com o coletivo, sendo assim, para que ela tenha êxito não será possível querer tirar proveito individual. Os dirigentes precisam saber separar a paixão pelos seus clubes da frieza e independência que uma gestão eficiente necessita. Recursos distribuídos de forma mais equânime significará clubes mais fortes, disputas mais acirradas, manutenção por mais tempo dos jovens valores nas equipes, vendas de atletas em melhores condições para o exterior, estádios mais cheios, contratos publicitários e de transmissão mais vultosos. Em poucas palavras, teremos um produto mais qualificado, mais atrativo e que pode trazer benefícios para todos nós. Quem sabe o futebol, que já nos gerou tantos momentos de orgulho, não nos ensine uma nova lição: que a distribuição da renda não só é possível como benéfica.