O ministro das Comunicações, Juscelino Filho, informou a integrantes do seu partido, o União Brasil, que irá devolver o dinheiro de diárias recebidas do governo irregularmente para cobrir despesas de uma viagem a São Paulo que teve como agenda principal compromissos particulares. A decisão ocorre após o Estadão revelar que, dos quatro dias de viagem, em três deles o ministro se dedicou aos seus cavalos. Ele foi a um leilão, a uma festa em homenagem aos cavalos e inaugurou uma praça dedicada ao Roxão, um animal de seu sócio.
Todos os compromissos envolvendo cavalos foram omitidos da agenda do ministro, embora ele tenha usado o cargo para comparecer aos eventos equestres. Juscelino justificou aos aliados que as diárias são debitadas automaticamente. Ocorre que ele informou ao governo que teria agenda urgente de trabalho em São Paulo por quatro dias e meio quando seus compromissos oficiais ocorreram apenas na quinta-feira, 26 de janeiro, e na sexta-feira, 27, e duraram duas horas e meia. Ou seja, foi ele mesmo quem pediu quatro dias e meio de diária, o que lhe garantiu R$ 3 mil.
Juscelino também utilizou jatinho da FAB para ida e volta. O ministro informou ao partido que na volta ele pegou uma carona com o colega Luiz Marinho (Trabalho). A Força Aérea mantém um arquivo com as solicitações de voo para autoridades do governo. Registros da FAB apontam, contudo, que a motivação dos voos de ida e volta do ministro foi a “serviço”. O retorno ocorreu na segunda-feira, 30, quando ele já não tinha mais compromissos oficiais desde sexta, 27.
Decreto presidencial prevê que as aeronaves da FAB devem ser solicitadas obedecendo uma ordem de prioridade. Primeiro, em casos de emergências médicas, depois em razões de segurança, e, em seguida, viagens a serviço. O custo de um jato para ida e volta de Brasília a São Paulo na aviação privada seria de R$ 140 mil.
Juscelino Filho está em Barcelona, na Espanha, participando de um congresso sobre telecomunicações. Em suas redes sociais, o ministro tem feito publicações falando apenas do evento, sem mencionar a série de acusações sobre uso indevido de verbas públicas reveladas pelo Estadão. Ele tem apagado comentários de seus seguidores que o questionam sobre o tour em São Paulo que priorizou eventos relacionados a cavalos.
Omissão
O governo Lula segue em silêncio sobre a situação do ministro. Interlocutores do presidente Lula dizem nos bastidores que ele deveria substituir Juscelino, mas seguem a determinação do Planalto para que o caso não seja tratado em público por envolver o União Brasil, que tem três ministros, incluindo o das Comunicações.
Questionado sobre o caso Juscelino Filho nesta quinta-feira, 2, o deputado Reginaldo Lopes (PT-MG), que foi líder do partido na Câmara entre fevereiro de 2022 e janeiro de 2023, afirmou que o governo “quer a maior transparência possível”. “Ninguém defende pegar avião da FAB para fazer atividade privada”, disse o parlamentar.
A sigla tem 59 deputados (a terceira maior bancada) e nove senadores e é importante para assegurar governabilidade. Como mostrou o Estadão, contudo, metade do partido apoiou a CPI dos atos golpistas, o que contraria um pedido de Lula.
A reportagem fez contato com a Comissão de Ética Pública na segunda-feira, 27, e questionou se o órgão analisaria o caso do ministro. Não houve retorno até a noite desta quarta-feira, 1. A Controladoria-Geral da União (CGU) informou à reportagem que a análise desta questão cabe à comissão.
“A CGU avalia os atos de gestão dos agentes públicos dos ministérios e a aplicação de recursos públicos federais, porém não tem competência para responsabilizar atos de ministros de Estado. Neste caso, a competência é da Comissão de Ética Pública”, explicou a Controladoria.
O Estadão questionou formalmente o Palácio do Planalto sobre o caso de Juscelino. Também não houve resposta. Em entrevista à CNN, Lula disse que consultaria a CGU em caso de malfeito de seus ministros.
Outros feitos
Numa série de reportagens, o Estadão revelou que o ministro destinou R$ 5 milhões do orçamento secreto para asfaltar uma estrada de terra que passa em frente à sua fazenda e à sua pista de pouso privada, em Vitorino Freire (MA). A obra é feita por uma empresa investigada pela Polícia Federal por supostamente pagar propina a servidores federais para obter obras no Maranhão. O servidor da Codevasf que autorizou a obra e é indicado do grupo do ministro está afastado por receber propina da empresa. Ele está proibido de entrar na sede da companhia.
A cidade é controlada pela irmã do ministro, a prefeita Luanna Rezende (União). A administração tem mais de R$ 36 milhões em contratos com pelo menos quatro empresas de amigos, ex-assessoras e uma cunhada do ministro das Comunicações. Todas as firmas intensificaram os negócios a partir de 2015, quando Juscelino assumiu pela primeira vez uma cadeira de deputado.
O Estadão também mostrou que, ao prestar contas da campanha à reeleição de deputado, Juscelino Filho apresentou dados falsos ao TSE. Para justificar o uso de verba pública com voos de helicóptero, ele incluiu como passageiros de 23 voos “três cabos eleitorais”. O Estadão identificou, porém, que os nomes apresentados por ele são de um casal e de uma filha de dez anos. A família é de São Paulo e afirma não conhecer o político.
O ministro também tem abrigado no ministério indicações do seu grupo político. O diretor de radiodifusão não tem experiência na área, mas é apadrinhado do advogado e empresário Willer Tomaz, que tem quatro rádios e uma TV no Maranhão, reduto eleitoral do ministro. Tomaz é amigo e parceiro dos senadores Flávio Bolsonaro e Weverton Rocha. Esse último compadre do ministro e fiador de sua indicação como ministro de Lula.
Procurado, o ministro não se manifestou sobre o recebimento de diárias e uso de avião da FAB.
Fonte: Estadão | Foto: Reprodução ABQM