JOQUINHA, O ANÃO.
Artigos Opinião

JOQUINHA, O ANÃO.

Como é do conhecimento de todos, queria só reafirmar aqui que o tal do baixote é uma figura para ser estudada – Taí Pedrinho de João dos Bolos que não me deixa mentir. Pois é… o baixinho, de maneira geral, é de lascar. Dia destes contei aqui a história do anãozinho Chico Mulambento que residiu no Porto de Santa Cruz em meados dos anos 1960. Chiquinho chegou por lá em um velho circo e ao bater os olhos em Maria Gorda se apaixonou na hora. Apesar de viver o resto da sua vida ao lado da sua grande paixão portuense, o infeliz quase jogou tudo pro alto quando levou uma carreira lascada da Noiva da Igreja (uma visagem que assombrava quem passasse depois da meia-noite por lá). Ficou meses sem botar a cabeça pra fora de casa e por muito pouco não largou o grande amor da sua vida. No finalzinho dos anos 1970, eu, no auge dos meus 14, 15 anos já andava todo durinho. Apesar de metido a homem, morria de medo de voltar pra casa depois das dez da noite. Como já foi amplamente relatado aqui mesmo nestas mal traçadas linhas, quando o motorzão à diesel (que produzia a energia que nos iluminava das 18 às 22 horas) nos informava que a luz estava indo embora, era uma correria lascada. E não era só o locutor que voz fala que tinha medo, não, andávamos em bloco. Eu, Jojim meu irmão, Badim, Tonin irmão dele, Pio e mais uma renca de amigos. Sabe quem levava todo mundo pra casa em um breu lascado? Pedrinho. Pois é. O baixinho da turma era o único que tinha coragem. Pequenininho daquele jeito, mas, corajoso feito o diabo. Talvez os mais medrosos fossem eu e Badim (os maiores da turma). Eu já entrava correndo em casa, com Badim era um pouco pior, pedia para Pedrinho ficar esperando do lado de fora até ele trancar a porta e acender a candeia. Toda santa noite Pedrinho tinha este trabalhão com os amigos. Certa feita, lá ia ele conduzindo aquela renca de medrosos quando topamos com um negão de uns 3 metros de altura, em pânico, passamos sebo nas canelas e quando íamos cair da Lapa do Mundo, Pedrinho nos deu um choque de realidade e nos forçou a controlar os nervos, só assim conseguimos enxergar que aquele era apenas um doido andando sem camisa e sem rumo pelo meio da noite.
Teve um tempo em que eu andava “full time” com um baixinho metido a valentão. Vira e mexe lá estava o cara arrumando confusão. Uma noite fomos em uma festa no Vistoso – Interior do Município – e após ele entrar no bar e tomar duas talagadas caprichadas, se invocou de brigar com três clientes que segundo ele o olhara com desprezo. Xinga aqui que eu xingo ali, empurra lá que eu empurro cá e ao ver o baixinho em apuros eu resolvi entrar no boteco. – O que está havendo aqui, gente? – Perguntei desconfiado e antes que o dono respondesse o baixinho respondeu: – Estes filas das putas estão mangando de mim! Vou quebrar todo mundo no pau. – Mangando, como, moço? – Perguntei. – Estão me chamando de baixote! – Diante da situação o levei até porta e falei baixinho do seu ouvido: – Você está confiando em quem? Se for em me melhor tirar os cavalinhos da chuva que estou caindo fora. – Mal terminei de falar, fingi que ia embora e lá veio ele correndo atrás.
– Espera, espera, não me deixa aqui não senão eles me quebram no pau!
Este torrão já teve “grandes” baixinhos. Crescinho irmão de Véi Barbeiro por exemplo, era tão pequeninho que tinha que dobrar as pernas das calças. Viveu por aqui em meados da década de 1970. Trabalhava feito um desvalido vendendo seu espetinho de leitão assado. Este caboclo quando tomava uma canjebrina, virava o Capeta. Não estava nem aí se o oponente tivesse o dobro do tamanho dele. Quando “medicado” quebrava o pau em tudo que era cabaré. Uma época, o baixinho ficou dois dias encarreados, bebendo. Pra lá de moqueado, saiu às ruas munido da sua inseparável garrafa de Pitu querendo brigar com todo mundo. Após procurar sem sucesso pelos botecos, Crescinho, desgostoso, quebrou a garrafa e rasgou a própria cara. Sangue jorrou pra tudo que foi lado. Foi salvo pela farmácia de seu Rufino que lhe aplicou um soro e costurou mal costurado o que lhe restou de rosto. Apesar de sobreviver, Crescinho pra lá de envergonhado e com a cara toda remendada, capou o gato. Mudou-se daqui de mala e cuia. Reza a lenda que faleceu na cidade de Cabo Frio – RJ em meados dos anos 1980.
Jordãozinho era outro baixinho famoso por aqui. Carregador oficial da cruz da procissão, se notabilizou por ser o parceiro de Zé do Sindicato na arte de “desenterramento de potes de defuntos”. Segundo Zé do Sindicato, a peleja dele e Jordão no antigo sobrado de Jovitel, lá nas bandas da Coréia, foi tão apoteótica que merecia um filme. Foram ao sobrado escavar um pote oferecido pelo recém-falecido cunhado de Oriston. Apesar do grande estoque de ladainhas e água benta que Zé possuía, ao baterem de frente com um careca queixudo e cuspidor de fogo, não teve oração que segurasse o medo e após uma batalha de fogo contra água benta, Jordãozinho abandonou o barco no auge da livusia e mesmo com as perninhas diminutas conseguiu correr mais que Zé do Sindicato, fazendo os mil metros rasos (que separa a ponte da entrada da cidade) em menos de cinco minutos. Depois desta, desistiu de vez de acompanhar Zé nestas estripulias.
Agora, o mais popular baixinho que existiu neste torrão (na década de 1980) foi Joquinha. Deu por aqui quando tinha dois aninhos de idade e cresceu (não literalmente, óbvio) diante dos olhos da cidade. Foi engraxate na feira, estudante do Colégio Orlando Spínola onde desfilava todo 7 de setembro à frente da Banda Marcial… Sim, mesmo com aquele tamanhozinho ele emocionava todo mundo. Joca era tão fofinho que parecia um bebezinho. Marchava tão bonitinho que a mulherada surtava! – Olha como ele é bonitinho? Bilu, bilu! Vem cá fofinho!
Se formou em datilografia na escola de Dona Célia – a mais difícil que existira neste torrão. Se habilitou (logo após a conclusão do curso de contabilidade) a instalar a primeira Lan House da cidade. Com muita dificuldade foi montando aos poucos até que adquiriu a preços módicos um monte de equipamentos essenciais para o funcionamento. Exatamente na época que na calada da noite, ladrões subtraíram a secretaria de educação de Vitória da Conquista roubando equipamentos de última geração, entre os quais, um computador recém-chegado de São Salvador. Olha que computador neste tempo só sabíamos da existência através de filmes como 2001- Uma Odisseia no Espaço. Desmoralizada, a senhora Secretária completamente desorientada, soltou os cachorros em cima das autoridades conquistenses, cobrando pessoalmente o intendente, que cobrou o delegado que se viu obrigado a exigir que uma renca de meganhas investigasse toda a região. Foi uma semana inteirinha de policiais futucando tudo quanto há, prendendo, xingando, batendo, torturando e ameaçando até jogar os ladrões vivos dentro de cisternas apenas para forçarem a confessar o roubo. Quando os samangos já estavam quase jogando a tolha surgiu uma denúncia anônima que a escrivaninha, as duas cadeiras de escritório e o computador foram vistos na única Lan House existente em Nova Conquista. Querendo mostrar serviço, o Capitão Januário da Fonseca reuniu seus soldados e após uma reunião de emergência, baixaram por aqui de madrugada para prender o receptador e recuperar os objetos afanados. Cinco da manhã, ainda no escuro e aquela renca de viaturas cheias até os beiços de policiais armados fechando a principal rua do Bairro da Usina, forçando os trabalhadores a passarem por outras vias, enquanto o comandante, especialmente designado para o ato – chamando a atenção pela farda diferenciada e por um monte de medalhas no peito – tocava terror. Pegou um megafone e com a sua voz de tenor começou a falar pra quem quisesse ouvir:
– Alô Joquinha. Aqui é o capitão Januário da Fonseca da gloriosa polícia militar no estado da Bahia. Já sabemos que você comprou os objetos roubados. O senhor está cercado. Não tem pra onde correr. Jogue todas as armas pra fora e saia agora com as mãos para o alto. Repito… está cercado, não tem como fugir e se resistir vamos abrir fogo! – Passa-se um tempo e nada. Os policiais nervosos, coçando os respectivos gatilhos das armas, alguns se escondendo atrás das viatura e necas do meliante aparecer.
– Senhor Joquinha, repito, o senhor está cercado. Não tem escapatória! Saia agora com as mãos levantadas. Se não obedecer vamos usar força letal. Saia agora de mãos pra cima. Repito: Aqui é o capitão Januário da Fonseca, comandante desta operação. Saia imediatamente! – Nesta altura metade dos moradores já presenciava a peleja, alguns com cara de sono, outros com as escovas nas bocas sujas de creme dental e todos trocando cotoveladas pra verem o desfecho da trágica prisão. – Último aviso. O senhor tem cinco minutos ou sai ou vamos invadir. Vamos entrar atirando! Último aviso. – Aquele suspense no ar, policiais tensos, curiosos esfregando as mãos e o capitão falando: – Último aviso. O tempo acabou… dou-lhe uma… dou-lhe duas… – Antes do “dou-lhe três” ouve-se uma voz fanhosa, arrastada e fina como a de uma criancinha. – Calma aí, gente! Pra que violência? Estou saindo de mãos pra cima. Eu digo como há Deus no céu, não carece atirar não.
– Saia agora! – Gritou o capitão. Enquanto os soldados engatilhavam os fuzis, ouviu-se um ranger de porta. – Estou saindo, pelo amor de Deus não atire não, tenho um filho pra criar! – Todo aquele suspense, a porta aberta, os soldados suando e aparece caxingando, bem devagarzinho com as mãozinhas pra cima, aquele “trenzim piquininim, deste tamanhim”. – Pronto, eu me entrego, estou desarmado! – Ao olhar o baixinho, nem o capitão acreditou. – Volta pra dentro menino, tá querendo morrer, diabo? Viemos prender o seu pai sair, volte pra dentro. – Mas, Joquinha sou eu. Fui eu que comprei os objetos? – O que? Você é só uma criança. – Questionou o Capitão. – Quantos anos você tem, menino? – 43 seu puliça! – Meu Deus, é um anão! Teje preso! – Foi falar e uma renca de policiais pularam em cima quase esmagaram o infeliz. Tentaram algemá-lo e quem disse que conseguiram? Os bracinhos de Joquinha eram tão diminutos que as algemas escorregavam e caíam. – Diabo, chefe! Não tem algema que caiba nos braços dele. – Sem alternativas o algemaram com uma rodilha, o jogaram na cacunda e o conduziram até a Lan House onde recuperaram os objetos. Quando iam levá-lo preso, houve a pronta intervenção do Prefeito alegando que Joquinha também fora vítima dos meliantes. Diante da cara de choro do baixinho, o Capitão achou melhor ignorá-lo, Quem acreditaria que um “trenzim fofim” daqueles fosse receptador? Melhor voltar pra Conquista levando apenas os objetos.
Joquinha continuou com a sua Lan House por um bom tempo, famoso, cobrava pra conceder entrevistas às rádios e jornais conquistenses, sempre explicando como se safou do batalhão inteiro que veio aqui decretadamente para prendê-lo.

FIM
Luiz Carlos Figueiredo
Escritor e Poeta
Cândido Sales, Bahia. Quadras de Outubro de 2024
Minguante de Primavera.