ETA GALEGO DANADO!
Artigos

ETA GALEGO DANADO!

O povoado de Nova Conquista foi formado por nômades, nordestinos, em geral. Em 1963, fugindo da grande seca que dizimou economicamente os nove estados do nordeste, centenas de retirantes vieram dar aqui no Sertão da Ressaca e por tabela em Nova Conquista. Apesar da maioria ser pacata e ordeira, alguns eram mais valentes que a “febre do rato”, como eles próprios gostavam de dizer. Estes moços, andavam armados de peixeira e não tinham o hábito de levar desaforos para casa. Vira e mexe, lá estava um ou outro metido em um tumba!

Dentre estes chegantes, deu por aqui um galego boa praça – forte feito um touro -, “trabalhadorzim” feito o diabo, direito em demasia, simpático ao extremo e pra lá de educado. O mecânico Massu – que nas horas vagas era chofer de praça -, era também irmão do comerciante Zé Galego (pai de Zeniltinho). Apesar de todas estas qualidades, Massu tinha apenas um pequeno defeito, era perdidamente viciado em jogo… Se estivesse na rua fazendo alguma coisa e percebesse algum jogo apostado de cartas. dados, dominó ou sinuca, o cara largava imediatamente seus afazeres e caía dentro. Bastava ele entrar nestas competições para sair completamente do prumo. Ficava tão nervoso que toda a sua elegância, gentileza e educação eram imediatamente substituídas por arrogância, prepotência e até violência. Se isto tudo ainda não fosse suficiente, ele ainda se achava a pessoa mais azarada do mundo, tanto que mesmo viciado, não ganhava uma mãozinha, sequer. Na sinuca, por exemplo, volta e meia queria porque queria morder a bola, faltava quebrar os dentes roendo a pobre coitada. Depois de várias derrotas se ajoelhava no meio do salão do Bar de Seu Luiz e bradava para quem quisesse ouvir:

– Deus… Todo Poderoso! O que ocê tem contra a minha pessoa?  Todo mundo é filho do Senhor e eu não sou nem primo? Faz isso comigo não, Senhor!  Me deixa ganhar uma mãozinha, só “umazinha”!

Neste tempo existia por aqui um bitelo (dois metros de altura) chamado “Bertão”. Tinha um amor pelo Vasco da Gama que metia até medo. Berto gostava tanto de futebol que comparecia diariamente aos treinos da nossa seleção e já chegava ao campo recolhendo todos os pertences dos jogadores. Carteira de um, camisa do outro, chapéu de um terceiro e todos os relógios. Como era grandão de braços longos, ele colocava uns 10 relógios em cada um dos braços. Durante um treino, um dos zagueiros deu uma rebatida e a bola veio violentamente em direção a Bertão que fechou os olhos e protegeu o rosto com as mãos. A bolada despedaçou completamente um dos relógios. Lá do outro lado do campo, Massu ao ver a cena, “butucou os zóios” e atravessou correndo o campo:  – Ah, meu Deus do céu! Eu sou azarado “mermo”, visse?! Apostado que é o meu? – Falou e quando apanhou os restos, constatou que era realmente o seu relógio. O incrível foi que a bola despedaçou apenas o dele.  Outra vez, eis o nosso herói envergando a gloriosa camisa da nossa seleção, jogando de lateral esquerdo que era a única posição que ninguém queria jogar. Tanto que grosso de fazer dó, o galego era titular absoluto. A seu favor, a capacidade de correr incansavelmente o jogo inteiro. Com a bola no pé era um desastre.  Quando o adversário tinha a bola ele partia feito um touro raivoso pra cima, geralmente era “toureado”. Quando pegava um ponteiro driblador, o pobre do moço sofria igual sovaco de aleijado. Quem assistia aos jogos se divertia com as loucuras de Massu que era mestre em chutar torto e adorava cabecear bola rasteira. Sim. Ele se esborrachava no chão cabeceando a bola rasteira… A torcida ficava alucinada! No dia que a equipe do Batuque veio jogar aqui, Massu foi incumbido de marcar o famoso ponta direito Mulambinho, que nesta tarde parecia não estar muito inspirado. Enquanto Mulambinho “dormia em campo” o galego ganhava todos os embates. Um pouco antes do jogo acabar, o empolgado Massu caiu na bestagem de tirar um sarro do ponteiro que (segundo as más línguas) disputara até o campeonato da Liga Amadora de Vitória da Conquista.

– Oxem!! Então era “ocê” que falavam tanto? Disseram pra eu ter cuidado que “ocê cumia” a bola? Lhe botei foi no bolso! Aqui em Nova Conquista “vancê” tem que “cheirá” o meu “subaco”, visse? – Mulambinho estava visivelmente se poupando, assim que se viu provocado, levantou o braço e pediu a bola. Imediatamente alguém fez um lançamento, Mulambinho dominou no peito, colocou a pelota no chão, partiu com a bola dominada para cima de Massu e lhe aplicou uma série de dribles desconcertantes.  Depois de deixar o galego no chão cruzou com nojo para que o centroavante do Batuque desse uma cabeçada violenta à queima roupa, por sorte, defendida pelo excelente goleiro Diogo. Era o ano de 1974, metade da população Nova-Conquistense se encontrava ali no campinho de terra batida torcendo aos berros pelo invicto time da cidade. Mulambinho era um dos jogadores mais velozes da região e que – rezava a lenda -, só perdia em velocidade e habilidade para o conquistense João Cavalinho que jogava na equipe profissional do Humaitá.  Segue o jogo… Mulambinho levanta novamente o braço e a bola vem cheia de efeito. Só pra tirar onda, o ponteiro domina com o bico da chuteira, bota a pelota no terreno e chama Massu. Mais desconfiado que cachorro em bagageiro de bicicleta o galego que já tinha sido desmoralizado, ficou de longe, marcando com os olhos… Mulambinho avançava com a bola dominada e Massu com medo de levar o drible foi recuando quase até a linha de fundo, quando achou que pudesse tomar a bola, deu um bote meio na bistunta e levou um drible tão desconcertante que girou 360 graus e caiu dentro de uma valeta que existia no fundo do campo. Ao ser retirado pelos torcedores constatou-se uma fratura exposta no seu braço direito. O osso saindo, sangue se esvaindo e mesmo morrendo de dor, Massu queria voltar a jogar de qualquer maneira. Pessoas tentando tirá-lo da partida para levá-lo imediatamente para o hospital de Conquista, e ele ali, gritando:

– Ai, ai, ai… Me solta que eu quero voltar. Eu acho que ainda dá, ainda dá, me solta! – Os jogadores de ambos os times não tiveram condições psicológicas de seguirem com a peleja que acabou em zero a zero. Massu foi levado às pressas para Vitória da Conquista onde foi operado imediatamente e ficou um tempão sem jogar bola.

Mas, o pior mesmo, foi quando Massu retirou o gesso e voltou a jogar tudo que era tipo de jogo… Dados, cartas, dominó e até sinuca. Ao acordar certa feita, deu com a sua santa mãezinha andando na sala, toda mochilada, com um pano amarrado no entorno da cabeça, morrendo de enxaqueca.

– Oh, mamãe. A senhora está doente. Tadinha da bichinha! – Falava dengando a sua santa mãezinha – O que eu posso fazer pela senhora, mãezinha, fala pra mim, fala? – Falava abraçando carinhosamente a sua querida genitora que segundo ele, era o único amor da sua vida!

– “Machu”, meu “fíin”. Vá agora na farmácia “cumprá” uma cibalena pra sua santa mãezinha, vá! Estou me pelando de “dô”, vá, meu “fíin”, vá! “Ó quí” o dinheiro, vá depressa que esta “dô” tá me matando! Vá em um pé e volte no outro. Duas cibalena, vá! – Prestativo, lá foi Massu atender ao pedido da sua santa mãezinha. Ao passar perto do bar de Faé, foi desafiado por um forasteiro, jogador profissional de sinuca. O homem sabia do ponto fraco de Massu e ficou ali, só aguardando ele dar as caras.

Duas horas depois, Massu perdia tudo o que possuía para o desconhecido. Nervoso, começou a errar bolas fáceis e a se queixar com Deus. – Me ajude Deus! Que diabo é isso? Que eu fiz com “ocê”?  Deixa de lambança e me ajuda! –  Cansada de tanto esperar e morrendo de dor, a santa mãezinha de Massu resolveu ir ela mesma procurar o filho. Ao passar na porta do bar, viu o filho vermelho igual um peru perdendo todo o seu dinheiro. A senhora entrou, olhou para Massu no exato momento em que este tinha à sua frente a bola sete que lhe daria a vitória naquela partida:

– Machu, meu “fí”, cadê o remédio que eu lhe pedi?

– Deixa eu “cabá” aqui, mãe, que eu levo pra senhora!

– Meu “fí, eu tô sintino dô”. Dê cá o dinheiro “p’rêu cumprà” o remédio!

– Cala a boca, mãe. “Num” vê que “tô” ocupado?

– Meu “fí, dexa de perdê” dinheiro à toa. “Ocê trabáia” tanto pra perder tudo no jogo! – insistiu a santa mãezinha, enquanto Massu procurava se concentrar para matar a bola que lhe deixaria vivo no jogo. À medida que a velhinha conversava, ele ia se irritando. ficando trêmulo, nervoso, vermelho, agoniado…  até explodir: – Cala a boca mãe, “dexa” eu me concentrar, “carái”!

– Tu vai errar esta bola, “Machu”! – previu a senhora, enquanto o galego se “escanchava” em cima da mesa de sinuca procurando a posição adequada para finalizar a partida. Mirou de um lado, mirou do outro, passou giz no taco, voltou à posição inicial, fechou um dos olhos e procurou acertar a caçapa. Meteu o taco com força e o bicho espirrou fazendo que a bola desse um salto gigantesco e voasse da mesa acertando um monte de garrafas que estavam em cima da geladeira a três metros de distância!

– “Num” falei “prucê”? – falou desolada a santa mãezinha. Furioso, vermelho como pimenta de cheiro, o bar cheio até a tampa de torcedores rindo da sua cara, Massu protagonizou um momento que entrou para os anais históricos da cidade. Em um ímpeto de fúria, babando os cantos da boca, deu um grito cavernoso, virou-se transtornado para a velhinha e gritou diante de todo mundo:

– Vai se lascar, mãe!

Na verdade, a frase foi até um pouquinho mais ofensiva, porém, deixa esta mesma. Gritou, pagou a conta e saiu desembestado deixando sua pobre mãezinha (e todas as pessoas dentro do bar) atônitas!

FIM

Luiz Carlos Figueiredo

Escritor e Poeta

CSales, BA.  Quadra de Julho, ano da graça de 2022. Crescente de Inverno.

Autor: Luiz Carlos Figueiredo