Entre Tapas e Beijos… Adeus Ano Velho!
Adeus ano velho, feliz ano novo! É lá se vai 2022 abrindo o caminho para a passagem de 2023. Quando menino a minha principal diversão na virada do ano era conseguir um daqueles famosos almanaques distribuídos gratuitamente pelas farmácias. Munido de um, eu obtinha uma aula fabulosa de conhecimentos gerais. Lia de traz pra frente, ficando horas me deliciando com a página de curiosidades. Neste dito almanaque o ano novo era representado por um recém-nascido e o velho por um debilitado ancião, cuja barba batia no chão. Eu ficava encucado com aquilo. Um tinha que morrer para que o outro pudesse nascer? Pois sim. Esta contagem de tempo foi criada há dezenas de anos pelos sumérios. Ao analisar que a cada dia o sol nascia em uma posição diferente em relação ao dia anterior, eles perceberam que existia um momento no ano em que o Sol saía dois dias no mesmo lugar e que o dia e a noite tinham a mesma duração. Percebendo que esse evento acontecia duas vezes a cada órbita ao redor do sol, eles converteram em um ponto de referência Solar que chamaram de Equinócio e baseando-se nisso, começaram a contar o transcorrer do tempo na terra. Pois é. São 365 dias de labuta e sobrevivência o que na prática, se resume apenas na busca incondicional do prazer. Viver, por si só, já é um orgasmo. O prazer é relativo, pode ser uma boa prosa, a degustação de um bom livro, uma noite de sexo, uma boa música, uma taça de um bom vinho, um copo de cerveja gelada, e, obviamente, um orgasmo… Desde que o mundo é mundo é assim que caminha a humanidade.
Nos meados dos anos 1970 o nosso orgasmo como adolescente se resumia a ver uma cena ou outra de um filme de Tony Vieira (Cineasta da “Boca do Lixo”, chegando à marca de um milhão de espectadores com A FILHA DO PADRE em 1975) exibido no velho cinema de Geraldo Gomes. Claro que já existiam os livrinhos adultos (os catecismo de Carlos Zéfiro) e até uma ou outra Playboy americana que – sabe Deus como – chegava até as nossas mãos. Quando isso acontecia, a meninada enlouquecida se reunia e após folheá-la com a baba escorrendo pelos cantos da boca, corria cada um para um lado, partindo inapelavelmente para a famosa covardia dos cinco contra um!
Houve um tempo em que uma renca de jovens que existia por aqui (cheios de energia pra dar) fazia tudo por dinheiro. Assim que alguns comerciantes atinaram para este “potencial econômico”, criou-se por aqui uma espécie de “indústria” de homens que pagavam para terem outros. Quase todos respeitáveis cidadãos, resolvidos financeiramente e conceituados comerciantes que adoravam subsidiar as noites de prazer destes adolescentes. Durante a noite a rapaziada se reunia no Bar de Dázio, comendo o melhor bucho da cidade, tomando suas canjebrinas e discutindo quem fora o campeão de arrecadação do dia. Neste tempo existia por aqui um caboclinho alcunhado de Laurindo Troca-Olho. Meio sonso, zarolho por natureza, de andar trôpego e que usava uns óculos imensos com lentes fundo-de-garrafa. O sonho de Troca-Olho era aprender o ofício de motorista. Vira e mexe lá estava ele dentro de uma cabine observando os jeitos e os trejeitos do motorista. Assim que começou a ficar meio taludinho, o jovem deu de frequentar a farmácia de seu Gregório, que, rezava a lenda, ser um senhor que adorava ser massageado por garotos. Lauzim não era assim, um exemplo de beleza, mas, em tempo de guerra (diante da seca que seu Gregório atravessava) dava pra quebrar um galho. Assim, juntou-se a fome com a vontade de comer (neste caso, literalmente). Logo, viraram os melhores amigos. Diariamente podia se ver seu Gregório passando as instruções de chofer para Troca-Olho que assimilava em tempo recorde todo o aprendizado, inclusive, já conduzindo a rural do comerciante pra cima e pra baixo. O que a população não sabia era que enquanto o menino se preocupava com todo o mecanismo de embreagem, volante e engrenagens, as hábeis mãos do farmacêutico explorava sofregamente a sua genitália. Quando se considerou pronto pra tirar a habilitação, seu Gregório o convidou para ir até uma estrada deserta que dava acesso à cidade de Encruzilhada (vizinha da nossa) e quando Lauzim achou que estava abafando, seu Gregório lhe abufelou, lhe apresentando o seu enrijecido “instrumento de trabalho”: – Agora é a minha vez! Fica de quatro aí! – Pra que? Olha, Lauzim nunca foi assim, um atleta de ponta, diante da visão tétrica daquela coisa rígida e avermelhada o jovem babatou as suas roupas e desembestou pelado rodagem BR-116 abaixo quebrando todos os recordes de velocidade. O preço cobrado pelo aprendizado era altíssimo.
Algum tempo depois Troca-Olho foi indicado pelo excelentíssimo senhor prefeito para trabalhar na primeira agência bancária que chegava a este torrão. Após uma rápida viagem à Soterópolis para um treinamento, logo, era possível vê-lo envolto em papeis, carimbos, calculadora, cash e um matulão de aporrinhações. Diante do marasmo que o trabalho lhe impunha, deu uma bistunta e se invocou de arranjar logo uma esposa. – Preciso me casar urgentemente! Tá faltando mulher aqui em casa! – Como já morava sozinho em uma casa alugada que não fazia vergonha a ninguém, comprou a mobília em suaves prestações e saiu à caça de uma digníssima. Chegava para as garotas e antes mesmo de enamorá-las já propunha o matrimônio. – Como é o seu nome, moça?
– Joana! – Respondia a educada garota!
– O meu é Laurindo! Trabalho no Banco! Quer casar mais eu? – Logo virou piada na cidade. De tanto insistir acabou se matrimoniando. Bastaram dois meses para ele perceber que o seu casamento era uma bosta. Com seis meses o relacionamento sem amor se transformou em um inferno. Para piorar a situação, o bancário entrou de cabeça na cana. Sua senhora, Dona Maricota dos Santos, nem era assim tão bonita, porém, para Laurindo era uma princesa. Quem a via na rua não sabia que por trás de toda aquela educação existia um mulher enfezadíssima que dava surras apoteóticas no marido, chegando, inclusive, a quebrar um rádio de pilha na cabeça do moço no exato momento em que o falecido narrador Jorge Cury narrava um gol de Zico pelo Flamengo contra o Vasco da Gama. Foram mais de um ano de gritos, tapas e beijos. Além de moer Lauzim na pancada, Dona Maricota só ficava satisfeita se fizesse isso na frente de todo mundo. Lauzim comia o pão que o Diabo amassou na mão da esposa, tinha até horário definido para chegar em casa, Dona Maricota determinara que impreterivelmente as oito da noite ele tinha que estar em casa, se passasse deste horário o pau comia. — Isto é lá hora de você estar na rua seu safado? – Já perguntava descendo a ripa! Geralmente o tumba só acabava debaixo dos lençóis de cambraia da cama do casal, onde os gemidos entrelaçados varavam a noite! Muitas vezes Lauzim saía cansado do trabalho e após tomar duas talagadas de canjebrina, desabafava chorando nos ombros dos colegas. Bastava passar um pouco do horário para que ela viesse pegá-lo pela orelha. Atravessa a praça lotada judiando do coitado.
Mas, nada é tão ruim que não possa piorar. Eis que chega a virada de ano e após ficar na rua até meia-noite se aproveitando que dona Maricota recebia alguns familiares dos Gerais e não podia vir atrás dele, Lauzim se encharcou de cana, empolgado com os fogos de artifício. Grogue, uniu-se a dois outros colegas e comemorando a chegada do ano novo, saiu da praça diretamente para a “Toca da Onça”, a mais famosa boate que existia por aqui naquele tempo. Lá, após dançar umas duas ou três marchinhas de carnaval, deu de se engraçar para os lados de “Maria Fulaninha”, uma sarará miolo, oriunda da “Vila do Poção”. Depois de um tempo entre beijos, apertos e beliscões, a garota conseguiu – com extrema dificuldade – arrastá-lo literalmente para um quarto, que para o azar dele, era um dos primeiros do grande salão de entrada. Morde aqui, sopra lá e eis que bêbado feito um “gambá” e de óculos (usava até durante o banho), um Lauzim pra lá de desajeitado procurava enxergar através das lentes embaçadas a turbinada sarará deitada na cama, completamente pelada e com as pernas arreganhadas em direção ao teto! Não deu nem tempo de admirar a paisagem…
O moço ainda estava “nos entretanto” quando a porta da alcova foi arrombada e veio voando em sua direção… Nem teve tempo de se esquivar direito quando testemunhou a sua doce esposa, furiosíssima, adentrar o recinto armada de um “pilunga”, descendo os cacetes na penteadeira da “profissional do sexo”. Quebrou tudo o que achou pela frente. Amedrontada, Fulaninha correu nua pelo meio do salão lotado de motoristas que comemoravam a morte do ano velho. Enquanto a moça era aplaudida de pé, Lauzim em pânico, corria com as roupas emboladas debaixo do sovaco para o outro, trajando a velha cueca surrada, levando “pilungadas” na cabeça! Foi apanhando do cabaré até a sua casa (que ficava do outro lado da cidade), sendo vaiado por uma renca de desafetos que acompanhava o tumba. Reza a lenda que naquela noite, Lauzim Troca-Olho fez o melhor sexo da sua vida. O ano novo chegou com eles agarradinhos e aos beijos, como se fosse o casal mais apaixonado do planeta! A mão que afaga é a mesma que apedreja.
FIM
Luiz Carlos Figueiredo
Escritor e Poeta
CSales, Bahia. Quadras de Dezembro 2022.
Verão, Cresce