Autor: Luiz Henrique Borges
Não é sempre que percebemos com clareza a passagem do tempo. Não sei se ocorre com vocês, mas diversos acontecimentos que já são relativamente longínquos deixam em mim a sensação, em um primeiro momento, sem a racionalização e a frieza dos cálculos matemáticos, que eles aconteceram ainda ontem, ou, no máximo, anteontem, especialmente se eu os testemunhei.
Na noite do feriado de 12 de outubro, dia da Padroeira do Brasil, eu busquei o conforto do meu sofá, que já de tão acostumado ao meu modo de assistir televisão se molda ao meu corpo, para acompanhar a final da Copa do Brasil entre Corinthians e Flamengo. Ali, sentado, e admirando a bela festa arquitetada pelos torcedores do alvinegro paulista, lembrei, como se fosse ontem, a criação da Copa do Brasil.
Retornei ao ano de 1989, de lembranças tão felizes. Três paixões marcaram aquele ano, a Clarice, a Carolina e o Botafogo. As duas primeiras acabaram, mas guardo por elas o meu carinho. Já o Botafogo, amor mais antigo e eterno, foi libertador. Nasci exatamente no ano da última conquista botafoguense. Sinceramente, mesmo sabendo que não há lógica alguma, eu me sentia o culpado pelos vinte e um anos de seca. Eu era o malfadado torcedor e isto acarretava consequências nefastas para o meu time.
Todo o pesadelo acabou no dia 21 de junho, aos 12 minutos do segundo tempo, quando o Maurício marcou o gol da vitória contra o Flamengo. Gritei, enlouquecidamente, uma infinidade de vezes: “É Campeão!”. Como prometido, levei minha irmã mais nova, que posteriormente traiu o amor botafoguense, conquistado ao levá-la para comer doces na Dona Didi e passei toda a semana usando as camisas que eu tinha do Glorioso.
Comprovando o fim da urucubaca, voltei a gritar “É Campeão!” no inicio da noite de 16 de julho. A Seleção Brasileira, após um início ruim, venceu a Copa América de 1989 após 40 anos de jejum. O título foi conquistado contra o Uruguai, mas a vitória contra a Argentina, de Diego Maradona, ficou marcada em minha memória, em particular, o belíssimo gol de voleio de Bebeto.
Apenas 3 dias depois da conquista brasileira, no dia 19 de julho, uma nova competição, sem glamour ou badalação, iniciava-se no país. Ela contava com 32 equipes, os campeões estaduais e diversos vice-campeões do ano anterior, e duraria um pouco mais de um mês. O dia 2 de setembro conheceria o primeiro campeão da Copa do Brasil.
Os 32 participantes foram divididos em chaveamento de eliminatória simples, com dezesseis grupos de dois time cada, enfrentando-se em jogos de ida e volta. No segundo dia de setembro de 1989, o Grêmio, com gols de Assis e Cuca, venceu por 2X1 o Sport, conquistou a primeira Copa do Brasil e o direito de jogar a Copa Libertadores da América de 1990.
Vivenciando as memórias como se elas tivessem acabado de ocorrer, retornei ao já inexistente Estádio Olímpico, do Grêmio, com seus quase 60 mil torcedores, comemorando o título. Ainda envolto na nostalgia, o locutor de Corinthians e Flamengo, empolgado com a entrada das equipes no gramado, me fez voltar à realidade. Percebi que não foi “ontem” que começou a Copa do Brasil, mas já são 33 anos.
Nestas mais de 3 décadas, a competição que foi criada para aplacar a insatisfação de federações de estados com menor tradição no futebol nacional, cujos seus afiliados dificilmente teriam a oportunidade de disputar o Campeonato Brasileiro que já reduzia o seu número de participantes, sofreu diversas modificações e, talvez, a mais importante é que de uma competição curta e sem grande prestígio, ela se tornou midiática e milionária. O campeão deste ano, além dos valores obtidos nas fases anteriores que totalizam 16,8 milhões, receberá um novo pix de 60 milhões de reais.
Os corintianos prepararam um lindo espetáculo em Itaquera para recepcionar os finalistas da Copa do Brasil e não pararam de apoiar o seu time mesmo nos momentos em que o rubro-negro exibiu alguma superioridade. Ao contrário do que ocorreu na Copa Libertadores da América, em agosto, o Corinthians demonstrou uma solidez que não havia apresentado na competição continental e deixou a disputa em aberto para o jogo no Maracanã.
Ao longo dos 90 minutos, apesar do Flamengo ter criado as chances mais claras de gol, o clube paulista foi muito competitivo. Os dois clubes, desde o início do confronto, buscaram pressionar e forçar o erro na saída do adversário. Mas, o grande trunfo do Corinthians foi a sua capacidade de, ao ter sua marcação alta superada, se organizar, rapidamente, de maneira muito compacta na defesa, dificultando as movimentações e infiltrações do Flamengo que é uma equipe mais propositiva.
Não foi incomum ver, ao longo do jogo, o Corinthians se defendendo com todos os seus jogadores de linha ocupando aproximadamente apenas 20% do campo. Diante de uma defesa tão cerrada, o Flamengo teve dificuldades de encontrar os espaços. Os cariocas criaram muito mais em transições rápidas e em chutes de longa distância do que chegaram na área do oponente com a bola dominada.
Na etapa inicial, os visitantes levaram apenas um grande susto. Léo Pereira, de forma bisonha, errou o tempo da bola após o chutão de Gil. Yuri Alberto partiu em direção do gol, cortou David Luiz, mas na hora de chutar foi bloqueado por Thiago Maia.
O Flamengo voltou mais incisivo para a etapa final, mas não superou o zagueiro Gil, as defesas do prognata Cássio e o travessão. Percebendo que o seu time era pressionado, Vitor Pereira, para a surpresa de muitos, substituiu Renato Augusto e Roger Gudes por Giuliano e Mateus Vital. O caderninho de anotações do treinador português deve conter segredos e desvelar mistérios que são inalcançáveis para nós, simples torcedores, afinal o Corinthians melhorou com as trocas realizadas, a ponto de não ser mais acossado pelo seu adversário.
O clube paulista, além do seu histórico e proverbial espírito de luta, se mostrou um time maduro, organizado e muito seguro defensivamente. Realizou uma partida muito eficiente contra o que Dorival Júnior entende ser o time ideal do Flamengo. No entanto, não foi capaz de construir uma vantagem, mesmo mínima, em seus domínios. No novo duelo, na próxima quarta-feira, no Maracanã, enfrentará o perigoso e envolvente adversário reforçado por seus torcedores.
O Corinthians mostrou em Itaquera que é competitivo e que pode machucar o seu adversário. O Flamengo, por jogar em casa e contar com um número maior de atletas capazes de inventar jogadas e criar lances de gol, é o favorito, mas terá que jogar muito bem, afinal enfrentará um oponente respeitável. A final continua imprevisível e aberta. Em São Paulo, o empate sem gols foi longe de ser insosso, mas teria sido muito melhor uns 3X3.