Consórcio que inclui o Brasil sequencia o genoma do café arábica
Agricultura Agronegocio

Consórcio que inclui o Brasil sequencia o genoma do café arábica

O café é uma das commodities mais negociadas no mundo e o café arábica é a mais consumida entre as cerca de 130 existentes. Ela é o resultado da fusão de duas outras espécies: Coffea canephora (conhecido no Brasil como café conilon ou robusta) e Coffea eugenioides.

Nos últimos dez anos, quase todas as grandes commodities do mundo tiveram um genoma de referência sequenciado, mas o café recentemente passou a integrar essa lista. O genoma referência é crucial para o desenvolvimento de cultivares mais adaptados às mudanças climáticas e resistentes a doenças.

Ao sequenciar o genoma referência do café arábica em um trabalho inédito, um consórcio de cientistas conseguiu selecionar genes possivelmente responsáveis (genes candidatos) pela resistência do café à ferrugem e a outras doenças. Em paralelo, identificou a expressão de alguns genes relacionados ao aroma do arábica.

“Com o conhecimento do genoma é possível obter informações que permitem ir para dois lados: o do desenvolvimento de variedades por meio de direcionamento de cruzamentos e o das intervenções mais diretas, como modificar um gene especificamente”, resume Douglas Domingues, atualmente pesquisador do Grupo de Genômica e Transcriptômica em Plantas da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq-USP).

Segundo ele, havia uma certa corrida para sequenciar esse genoma. “O preço para fazer sequenciamento caiu muito e o café era das poucas commodities que ainda não tinham o genoma referência sequenciado. Havia outros grupos tentando, e houve um trabalho publicado pouco antes do nosso. Mas a maioria usou a estratégia padrão: escolheu uma planta interessante para cultivo e sequenciou seu genoma”, relata.

Já o grupo do qual Domingues faz parte sequenciou uma planta que, do ponto de vista agronômico, não tem interesse, mas do ponto de vista genético tem muito a oferecer. “A vantagem do nosso genoma de referência é que ele é derivado de um indivíduo ‘di-haploide’ [tem dois conjuntos de cromossomos].

Ao sequenciar um di-haploide derivado do café arábica, em comparação com um cultivar tetraploide comum, cientistas conseguem uma visão mais clara e simplificada do genoma. Isso permite identificar com maior precisão as variações entre genes similares, facilitando o uso das informações moleculares para estudos de melhoramento.

Neste trabalho, o grupo conseguiu determinar com mais precisão o tempo em que essa fusão se deu. “Chegamos a essa conclusão usando informações de DNA do arábica, do robusta e do eugenioides: conseguimos fazer uma inferência mais acurada, pois, antes, esse intervalo estava datado entre 50 mil e 1 milhão de anos. Diminuímos essa janela para 350 a 600 mil anos”, relata Domingues.

O artigo, publicado na Nature Genetics nesta segunda-feira (15/04), foi o resultado de um consórcio de cientistas de mais de dez países, entre eles o Brasil, que participou com mais de uma instituição. No caso de Domingues, a participação foi parcialmente financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) por meio de um projeto Jovem Pesquisador e de uma Bolsa de Pós-Doutorado concedida a Suzana Tiemi Ivamoto-Suzuki, também autora do artigo.

“Usamos a sequência de referência para entender a diversidade existente nos cafés arábicas silvestres, da região africana de origem, e comparar isso com os cafés arábicas que são cultivados hoje em dia”, diz o cientista da Esalq-USP, explicando que o grupo fez um ressequenciamento de variedades de café arábica plantadas em diferentes partes do mundo, e também de espécimes silvestres coletadas nas florestas da Etiópia, e conseguiu entender a diferença entre as silvestres e as cultivadas.

“Nós utilizamos as mais recentes tecnologias genômicas, ou seja, leituras longas do sistema PacBio [para sequenciamento de genes] de alta fidelidade e ligação de proximidade com leituras curtas de Illumina [um sistema integrado para análise de variação genética e função biológica] para gerar a montagem cromossômica. Essa combinação levou a uma montagem em nível cromossômico de altíssima qualidade e integridade”, ressalta Descombes.

Doenças
Segundo o professor da Esalq/USP, entre as espécies cultivadas, algo muito importante para o melhoramento foi a introdução de genes de resistência à ferrugem das folhas de café. “Nos anos 30, o Brasil teve um papel relevante nesse sentido. E o IAC [Instituto Agronômico de Campinas] é um centro pioneiro de estudos e melhoramento.

Pesquisadores do IAC nos forneceram plantas anteriores ao programa de melhoramento da instituição, que é da década de 1930. O melhoramento voltado a doenças surgiu entre os anos 1960-1970, sendo que o principal trabalho foi cruzar uma planta de arábica resistente à ferrugem, o chamado híbrido de Timor, com plantas cultivadas em vários países para que as novas variedades fossem resistentes. Mas não se sabia quais os genes responsáveis pela resistência.” O híbrido de Timor foi descoberto nos campos da Ilha de Timor na década de 1920 e é naturalmente resistente à ferrugem e a outras doenças.

“Além da ferrugem, a doença dos frutos do café, a broca dos frutos do café e a broca do caule do café são três outras pragas importantes que afetam a produção em muitas regiões do mundo. As alterações climáticas são também uma preocupação fundamental no controle de pragas e doenças, uma vez que permitem a propagação a novas regiões. O comércio de grãos de café verde entre diferentes regiões é outro fator que pode facilitar a propagação de certas pragas e doenças a novas áreas”, revela Maud Lepelley, gerente do grupo de Genética de Plantas e Química no Nestlé Institute of Agricultural Sciences.

No trabalho publicado agora, o grupo conseguiu encontrar conjuntos de genes que, na literatura, já eram relacionados à resistência a doenças e que estão presentes só nas variedades pós-melhoramento.

“De alguma forma, o híbrido de Timor conseguiu receber esses genes de resistência e agora sabemos quais. São dezenas, mas nós reduzimos esse espaço de procura. O café arábica tem 69 mil genes; diminuímos para pouco menos de 30 genes. Conseguir identificar esses genes candidatos de resistência, antes desconhecidos, é um feito inédito da nossa pesquisa”, revela Domingues.

Mas o trabalho ainda está longe de terminar, uma vez que esses genes têm de ser testados. “Serão necessárias mais pesquisas para identificar e criar variedades resistentes a estas e outras pragas e doenças do café”, afirma Lepelley.

O consórcio conseguiu, ainda, utilizando a genética molecular, fazer uma tripla separação: mostrar que a diversidade genética das plantas silvestres da Etiópia é distinta da do café cultivado hoje, provavelmente por um efeito de gargalo e domesticação, pois poucas plantas foram selecionadas para esse processo.

Aroma
Em paralelo, o grupo de Domingues conseguiu observar algumas ocorrências relacionadas à expressão de genes ligados à qualidade do café, sobretudo o aroma.

“Observamos, em uma variedade asiática do arábica, que os genes ligados a aroma e sabor são mais expressos nos frutos pelo subgenoma do C. eugenioides do que pelo outro progenitor. Ou seja: um dos genomas contribui mais que o outro para as características sensoriais da bebida. O que nos perguntamos agora é: será que isso se aplica a todas as variedades que sequenciamos, tanto pré quanto pós-melhoramento?”, diz Domingues.

“Este estudo esclarece como as interações entre os genes de C. canephora e C. eugenoides estão associadas a características do café arábica, como o aroma. Elucidar as interações entre genes ajuda a melhorar nosso conhecimento sobre os mecanismos genéticos subjacentes a características importantes do arábica, um pré-requisito fundamental para desenvolver novas variedades que garantirão a produção de grãos de café para futuros produtos cafeeiros”, adianta Lepelley.

Fonte: Canal Rural | Foto: Marcelo Camargo/ABr