O presidente Jair Bolsonaro (PL) colocou condições para aceitar os resultados das eleições e mentiu, durante sabatina no Jornal Nacional, ao tratar de ações na pandemia da Covid-19 e ao negar que tenha xingado ministros do STF (Supremo Tribunal Federal).
Ele foi o primeiro candidato ao Planalto a participar da série de entrevistas com presidenciáveis no programa da TV Globo. Durante a sabatina, houve panelaços em diversas capitais do país.
No ano passado, Bolsonaro chamou o ministro Alexandre de Moraes de “canalha”. Além disso, diante de apoiadores, já chamou o ministro Luís Roberto Barroso de “filho da puta”.
Após ter dito no JN que nunca xingou algum magistrado do Supremo, o apresentador do programa, William Bonner, recordou do episódio em que chamou Moraes de “canalha”.
Bolsonaro, então, admitiu que atacou o magistrado, mas disse que o entrevero teria sido apenas com ele —e omitiu o xingamento a Barroso.
No Jornal Nacional, Bolsonaro também mentiu sobre as ações do governo na pandemia, ao negar ter barrado a compra de vacinas.
O mandatário começou a entrevista mais calmo, dando respostas em um tom sereno. No decorrer do programa, porém, ficou mais irritado, principalmente após ser questionado se tinha algum arrependimento por ter imitado pessoas sem ar ao comentar os problemas da Covid-19.
Ele, porém, disse que foi solidário às vítimas da pandemia. “A solidariedade eu manifestei conversando com o povo nas ruas, visitando as periferias de Brasília, vendo pessoas humildes que foram obrigadas a ficar em casa sem ter um só apoio de governador ou prefeito”, disse.
Bolsonaro também voltou a levantar dúvidas sobre a segurança das urnas eletrônicas, citando informações que já foram rebatidas pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e pela própria PF.
O delegado Victor Neves Feitosa Campos, responsável pelo inquérito sobre o ataque hacker ao sistema do TSE que o presidente costuma citar, disse em depoimento à corporação que não encontrou indícios de que a ação pudesse ter resultado em manipulação de votos, fraude ou problemas na integridade das urnas.
O presidente foi cobrado pelos apresentados a assumir um compromisso de que respeitará o resultado das eleições. No entanto, novamente colocou uma condicionante de que faria isso se considerar que as eleições foram “limpas” —o que ele nega ocorrer, já que segue colocando em dúvida o sistema eleitoral do país.
“Serão respeitados os resultados das urnas desde que as eleições sejam limpas”, afirmou o presidente.
Em outro momento, Bolsonaro foi questionado sobre as ações antidemocráticas de seus apoiadores, como a recorrente defesa da ditadura militar em manifestações em seu favor.
Respondeu que se trata de “liberdade de expressão”. “Quando alguns falam em fechar o Congresso, é liberdade de expressão deles. Eu não levo para esse lado.”
Bolsonaro tem feito neste ano seguidos ataques ao sistema eleitoral e aos ministros do STF para acusar uma suposta fraude caso não vença as eleições.
O sistema eletrônico de votação, porém, foi exaltado e ovacionado diante de Bolsonaro na posse do ministro Alexandre de Moraes como presidente do TSE, na semana passada.
A retórica golpista do presidente inclui ainda o flerte com as Forças Armadas, que participam de uma comissão de transparência eleitoral e, na prática, têm sido uma das linhas de frente do questionamento do presidente às urnas.
O ataque mais grave às urnas ocorreu em 18 de julho, quando ele chamou embaixadores estrangeiros para expor suas mentiras acerca das urnas e do processo eleitoral, repetindo argumentos já descartados após sua exposição em uma live no ano passado.
A reação veio no último dia 11, com um ato que reuniu milhares de pessoas para a leitura de duas cartas de apoio à democracia na Faculdade de Direito da USP. A primeira carta foi endossada por entidades como a Fiesp e centrais sindicais. Já a segunda, inspirada na Carta aos Brasileiros de 1977, ultrapassou 1 milhão de assinaturas.
No JN, Bolsonaro afirmou que não retardou a compra de vacinas e repetiu as alegações de que a Pfizer pretendia impor condições impraticáveis para fornecer os imunizantes. A CPI da Covid, no entanto, apontou que as propostas da farmacêutica americana ficaram meses sem resposta.
O presidente também se negou a afirmar que a aliança com o centrão foi contraditória em relação à campanha de 2018, quando costumava criticar duramente o grupo político composto por partidos de centro.
Bolsonaro aproveitou a oportunidade para elogiar seus ministros, mas deixou de fora da lista expoentes desse bloco que estão na Esplanada, como o chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira, e o chefe das Comunicações, Fábio Faria.
Ao ser questionado sobre desmatamentos, o presidente respondeu que há 30 milhões de brasileiros vivendo na região e que isso deve ser foco de preocupação do governo. Na sequência, Bolsonaro ainda criticou o Ibama por destruir o maquinário das pessoas que devastam as florestas.
“A destruição [dos equipamentos], como está em lei, é se você não puder tirar o equipamento daquele local. O que vinha acontecendo e ainda vem, infelizmente, é que o material pode ser retirado do local, porque se chegou lá pode ser retirado e há o abuso de uma parte…”, afirmou o presidente, sendo questionado de quem partiria o abuso. “Por parte do Ibama”, acrescentou.
Bolsonaro também repetiu a estratégia usada em debates de 2018 e foi à entrevista com anotações na mão, com as seguintes palavras: Nicarágua, Argentina, Colômbia, Dario Messer.
As críticas do mandatário aos três países, que são comandados por governantes de esquerda, são recorrentes.
Em relação a Messer, que ele não mencionou na entrevista, a anotação ocorreu porque o doleiro já disse, em delação premiada, que realizou repasses de dólares em espécie à família Marinho, dona do Grupo Globo.
Em nota emitida na época, os proprietários da emissora negaram as acusações de Messer e ressaltaram que o doleiro não apresentou provas.
Ao final da entrevista ao JN, o presidente transmitiu em suas redes uma live, a partir do carro onde estava. Nela, voltou a chamar apoiadores para os atos do 7 de Setembro. Lembrou que haverá desfile militar, pela manhã, em Brasília, e que à tarde estará no Rio de Janeiro, com apresentações das Forças Armadas.
Nesta semana também serão sabatinados pelo JN os candidatos Ciro Gomes (dia 23), Luiz Inácio Lula da Silva (25) e Simone Tebet (26).
Apesar de Bolsonaro fazer críticas recorrentes à Globo e de já ter até orientado sua militância a não assistir a emissora, a entrevista ao Jornal Nacional foi tratada pelo entorno do presidente como um dos momentos mais importantes da campanha.
Fonte: Folha de S. Paulo | Foto: Reprodução ação