Adesivos nas cores verde, amarelo e vermelho indicam partes do corpo que podem ou não ser tocadas.
Para os alunos da Escola Municipal Iza Medeiros, o dia de hoje, 18 de maio, foi de aprendizado sobre o tema do combate ao abuso e à exploração sexual de crianças e adolescentes, que é discutido nacionalmente nesta data. Mas como tratar de tema tão delicado com crianças de 4 a 11 anos?
A equipe da escola encontrou uma solução lúdica, cuja eficiência pôde ser verificada pelas respostas dos colegas Júlia Moreira, de 9 anos, moradora do bairro Kadija, e Iago Osmundo, de oito, que vive no Cidade Modelo, ambos matriculados no 3º Ano. O que eles aprenderam sobre o assunto, depois de ouvir músicas e a palestra ministrada pela agente de leitura Kaanne Cardoso?
“Aprendi muitas coisas sobre abusos contra crianças e adolescentes. E que não se pode deixar tocar no nosso corpo”, explicou Júlia, cuja resposta foi logo complementada pela de Iago: “Se um homem oferecer uma bala, eu não posso pegar. E não pode tocar nas nossas partes íntimas”.
Para se chegar a esse resultado, a estratégia foi utilizar uma linguagem à qual as crianças já estão habituadas. Kaanne pôs diante elas um pequeno manequim infantil vestido com o uniforme da escola (o que o tornava idêntico a eles em matéria de vestuário) e chamado carinhosamente de João.
A luva usada pela agente de leitura Kaanne Cardoso mostra pessoas a quem a criança pode recorrer em casos de abuso sexual.
Valendo-se de adesivos nas cores verde, amarelo e vermelho e do significado que cada uma possui no código de trânsito, Kaane perguntava aos crianças: “Pode tocar e beirar a cabeça do João?” Ao que o público de penas respondia, em coro: “Poooode!” Então, a palestrante afixava na cabeça do boneco um adesivo verde – o que também ocorria quando as partes visadas eram as mãos, os pés, etc. Em seguida, Kaane se referia ao pescoço e certas regiões das pernas, questionando se seria permitido a alguém tocá-las ou beijá-las. Os alunos diziam que o gesto soaria estranho. Por isso, a agente de leitura punha no pescoço e na coxa de “João” o adesivo da cor amarela.
Já ao se referir à região abaixo do umbigo, na qual se localizam o que a agente de leitura chamou de “partes íntimas”, e às nádegas, a criançada reagiu em uníssono: “Nããããããão!”, quando perguntada sobre se estas poderiam ser tocadas. Então, foi a vez do adesivo vermelho.
Outra dinâmica utilizada por Kaane foi uma espécie de luva feita de material emborrachado, que trazia, em sua palma e nos dedos, ilustrações referentes às partes do corpo que poderiam ou não ser tocadas. Neste caso, as partes íntimas eram representadas por um tecido que, envolto por um cinto, remetia às roupas; se abertas, elas mostravam um sinal de trânsito que indica “proibido”. Nos dedos da “luva”, havia figuras que se referiam à mãe, aos avós e aos irmãos, na forma de pessoas a quem os pequenos poderiam recorrer, no caso de terem sido vítimas de alguma forma de abuso sexual.
“Este trabalho foi feito todo feito no sentido de que a linguagem respeita cada faixa etária das crianças. Mas sempre é uma linguagem muito lúdica”, informou Kaane.
“Nosso objetivo é fazer um alerta”, disse a diretora da Iza Medeiros, Eneuda Vaz. “Precisamos trabalhar esses assuntos com as crianças e ensiná-las, desde cedo, de que forma elas podem se defender”, complementa a diretora, que já teve, ela mesma, de lidar com uma situação do tipo – e na mesma escola onde hoje se tratava de combate ao abuso sexual contra crianças e adolescentes.
No caso, ocorrido há cerca de cinco anos, Eneuda foi procurada por uma aluna de 11 anos, durante um intervalo entre aulas. A garota lhe contou que vinha sendo abusada sexualmente pelo padrasto desde que tinha apenas 5 anos. Eneuda agiu rápido. Imediatamente, entrou em contato com a Secretaria Municipal de Educação, que acionou o Conselho Tutelar. A informação chegou à Justiça, que determinou, no mesmo dia, que a garota fosse retirada da casa em que vinha sofrendo os abusos.
Segundo Eneuda, esse não foi o único caso de abuso que chegou ao conhecimento da equipe da Escola Municipal Iza Medeiros. “Só quem conhece a realidade de uma escola é quem está diariamente no chão dessa mesma escola”, ensina a diretora. “Nós não lidamos apenas com o aprendizado das crianças. Lidamos também com o emocional delas. E isso interfere no processo de aprendizagem”, acrescenta. “Esta atividade de hoje é uma história contada, que mostra às crianças exatamente a quem elas podem recorrer”.
Eneuda e Kaane enumeram os sinais que costumam ser apresentados por uma criança que é vítima de abuso sexual: retraimento, tristeza permanente, recusa a se aproximar do suposto abusador, entre outros. “A criança está dando sinais de que algo está acontecendo. As mães devem estar atentas e confiar no que os filhos ou as filhas estão dizendo”, diz a diretora. “Nós estamos aqui, e queremos mostrar que eles podem contar conosco. O nosso dia, hoje, foi para dizer isso”.
Da mesma forma como ocorreu com a aluna que recorreu a Eneuda, é comum que, nesses casos, os abusadores sejam pessoas próximas da família – e, invariavelmente, consideradas dignas de confianças e acima de qualquer suspeita. Segundo Kaane, é preciso ter cuidado em todos os casos. E, se possível, as prevenções são necessárias. “Sempre achamos que nossa casa está livre disso. Muitas mães confiam no companheiro, nos vizinhos para deixar os filhos. Mas existe muita maldade no mundo. Então, queremos mostrar que devemos estar atentos a todos os sinais de um possível abuso”, recomendou a agente de leitura.
A Escola Municipal Iza Medeiros possui mais de 460 alunos, que vivem na região formada pelos bairros Patagônia, Conveima, Conjunto da Vitória, Kadija e Cidade Modelo, entre outros. A unidade oferece desde a Educação Infantil até o 5º Ano do Ensino Fundamental.PMVC.