O governo da Alemanha emitiu uma declaração de repúdio diante das cenas de gestos nazistas por parte de manifestantes bolsonaristas. A suposta saudação foi identificada em um ato em São Miguel do Oeste, contra a derrota de Jair Bolsonaro.
Nas redes sociais, o embaixador da Alemanha no Brasil, Heiko Thoms, escreveu que “o uso de símbolos nazistas e fascistas por “manifestantes” claramente de extrema direita é profundamente chocante”. “Apologia ao nazismo é crime”, insistiu.
Numa segunda mensagem, ele apontou que “não se trata de liberdade de expressão, mas de um ataque à democracia e ao estado de direito no Brasil”. Nas redes sociais, ele não esclarece sobre quais atos ele se referia.
“Esse gesto desrespeita a memória das vítimas do nazismo e os horrores causados por ele”, completou.
Sua declaração se contrasta com uma nota emitida pelo Ministério Público de Santa Catarina que afirmou que não vê apologia ao nazismo e que a iniciativa partiu de uma fala de um locutor, que pedia para as pessoas “estenderem a mão sobre o ombro da pessoa a sua frente” para “emanar energias positivas”.
Essa não é a primeira vez que polêmicas entre os membros do governo ou apoiadores é criticado por governos estrangeiros.
Em meados de 2022, um informe produzido pelo Departamento de Estado norte-americano sobre a liberdade religiosa no mundo citou o encontro entre o presidente Jair Bolsonaro e uma representante da extrema-direita alemã.
O documento, elaborado todos os anos por Washington, examinava a questão religiosa no mundo e apresentava um detalhado informe sobre a situação de cada país. No capítulo dedicado ao Brasil, o governo de Joe Biden listou uma série de ataques contra minorias religiosas no país e, para a surpresa de diplomatas brasileiros, não deixou de citar o encontro de Bolsonaro que causou estranheza em diferentes capitais pelo mundo.
“Em julho (de 2021), o presidente Jair Bolsonaro encontrou-se com Beatrix von Storch, deputada e legisladora alemã do Partido Alternativa para a Alemanha (AfD)”, informa o documento. Ela é neta de ministros e aliados de Adolf Hitler.
“Representantes do CONIB (Confederação Israelita do Brasil) criticaram a acolhida de Storch, dizendo que a AfD era um partido que minimizou as atrocidades nazistas e o Holocausto”, constatou o Departamento de Estado norte-americano. “De acordo com relatos da mídia, porém, a visita oficial de Storch não incluiu nenhuma discussão sobre o nazismo ou o Holocausto”, completa.
Considerado como tóxico, o partido Alternativa pela Alemanha (Afd) passou a ser monitorado em seu país de origem sob a suspeita de tentar desestabilizar a democracia, além de ser recebido apenas por regimes controversos, ditaduras e violadores de direitos humanos.
Mesmo que tenha sido fora da agenda e divulgado apenas depois do final da viagem, a foto foi recebida no meio diplomático alemão com consternação e decepção em relação ao Brasil. Diversos jornais das principais cidades do país europeu também noticiaram o encontro, num tom de incredulidade. A coluna apurou que o Itamaraty não foi consultado sobre a visita e que o encontro ocorreu sem o conhecimento da diplomacia.
O partido que Bolsonaro recebeu é ainda o primeiro a ser colocado sob vigilância desde 1945 pelo serviço de inteligência doméstica da Alemanha. O motivo: suspeita de tentativa de minar a Constituição democrática da Alemanha.
O AfD conseguiu entrar no Bundestag em 2017, buscando votos da parcela que tinha feito oposição à decisão da chanceler Angela Merkel de receber mais de um milhão de migrantes.
Com o monitoramento, o sistema de inteligência poderá escutar chamadas e conversas envolvendo membros da AfD e examinar o financiamento do partido.
O Conselho Central dos Judeus na Alemanha saudou a decisão. “As políticas destrutivas da AfD minam nossas instituições democráticas e desacreditam a democracia entre os cidadãos”, escreveu o grupo.
Beatrix von Storch, a deputada e vice-líder do partido que esteve com Bolsonaro, tem um passado complicado. De um lado, ela é neta do ministro de Finanças de Adolf Hitler por 12 anos e condenado pelo Tribunal de Nuremberg por crimes de guerra. Seu outro avô não era menos conhecido da cúpula nazista e fazia parte da SA, uma milícia paramilitar.
No documento do Departamento de Estado norte-americano, outro citado é o ex-deputado Roberto Jefferson. No Instagram, o bolsonarista associou a comunidade judaica ao infanticídio. “Baal, deidade satânica, cananistas e judeus sacrificavam crianças para receber sua simpatia. Hoje, a história se repete”, escreveu o político.
Os americanos destacaram, uma vez mais, como a CONIB se pronunciou, apontando que o ato de Jefferson era um crime de racismo. De acordo com o informe do Departamento de Estado, poucos meses depois, o ex-deputado foi indiciado por “pertencer uma organização criminosa que se opunha à democracia”.
Cultura
Em 2020, o uso de referências nazistas pelo ex-secretário de Cultura, Roberto Alvim, repercutiu dentro do Parlamento alemão. O assunto foi alvo de uma declaração da deputada Yasmin Fahimi, líder do Partido Social Democrata (SPD) para temas de América Latina.
“Apesar de Jair Bolsonaro ter tomado distância dos indescritíveis pronunciamentos do seu antigo secretário da Cultura, Roberto Alvim, a ação do governo se mantém altamente questionável em relação aos objetivos liberais, democráticos e sociais de todos os brasileiros”, alertou a parlamentar, que é integrante do Comitê de Relações Exteriores do Bundestag.
“Ativistas de direitos humanos, jornalistas e também criadores estão cada vez mais sujeitos a pressões ou são desacreditados como pretensos traidores de interesses nacionais”, alertou.
“São já drásticos os cortes e reduções que se verificam no contexto da política social, agravando as desigualdades no país. Daí que, em geral, não se possa falar de afastamento do discurso populista de direita, no governo de Bolsonaro”, completou.
A fala usada por Alvim, com ampla repercussão, foi alvo de uma resposta por parte do governo da Alemanha. Sua embaixada em Brasília alertou que Berlim se opõe a “qualquer tentativa de banalizar ou mesmo glorificar a era do nacional-socialismo”.
Desde que assumiu, Bolsonaro acumulou polêmicas com os alemães. Tanto ele como o chanceler Ernesto Araújo declararam que o nazismo era um “movimento de esquerda”. Deputados alemães, associações de vítimas do Holocausto e entidades repudiaram a fala.
Também coube ao ministro da Educação, Abraham Weintraub, declarar que a aspirina teria sido inventada pelos nazistas. O produto, na realidade, foi criado em 1899.
Fonte: Uol | Foto: Reprodução/Twitter