1946, arredores da Fazenda Bela Vista (embrião do povoado do Porto), uma garota nua como veio ao mundo banha-se tranquilamente nas águas do Rio Pardo.
– Vem aqui Dãozinho covarde, está com medo da sua mulher? Pula logo na água, homem! – O moço chega, olha a garota nua e completamente estarrecido arranca as roupas em uma ligeireza da peste e sem pensar duas vezes pula na água e logo estão molhados e enroscados trocando sôfregos beijos. – Vou me separar, pode acreditar como existe Deus no céu! – Dizia o homem, completamente apaixonado pela mucama curvilínea de cabelos negros e anelados. – Vai nada. Você não tem coragem de largar seus 9 filhos, seu mofino! Pelo jeito eu vou ter que esperar sentada. – Aquilo era tudo que Dãozinho precisava. Estava completamente apaixonado por Madalena, a bela e jovem viúva, moradora do Machado Mineiro.
Dãozinho era um caboclinho escabreado de fazer dó. Branco feito uma vela, sarará miolo de “cabelim durim”, seco feito um cipó e todo desengonçado. O mocinho era tão magrelo, mas tão magrelo que o espinhaço fundava dentro da barriga e virava aquele monte de costelas. O filho de Nhô Joaquim e Dona Sinhá, dava um duro dos diabos assumindo a responsabilidade das terras do seu avô Jesulino. As tarefas do meio alqueire eram gerenciadas com uma competência assustadora, produzindo tudo quanto há. Feijão, mandioca, macaxeira, alface, couve, tomates, abacates, mangas e uma infinidade de hortaliças. O que lhe faltava em estudo, sobrava em inteligência e coragem. Do alto dos seus 19 anos o moço era o representante legal do clã. Trabalhava tanto que em pouco tempo melhorou consideravelmente a situação financeira da família.
Enquanto a curriola da sua idade brincava de tonga, caiu no poço, polícia e bandido, Dãozinho cavoucava a sua terra plantando e colhendo os seus frutos. Eis que um belo dia a sua família foi convidada para um casamento na fazenda de Zé Cangalha, um dos fazendeiros famosos da época. O velho Jesulino conduzindo um velho carro de bois, levou todo mundo ao evento. Foi neste dia que Dãozinho (que nunca tivera uma mulher na vida) bateu os “zóios” em Maria Rita, a caçula de Zé Cangalha e arriou os quatro pneus. Apaixonou-se na hora. A moça, um pouco mais cascuda que ele e doida para se matrimoniar, alimentou – mesmo de longe – a libido do jovem donzelo, distribuindo sorrisos e piscadelas, deixando o rapazote com o coração batendo mais que zabumbeiro tocando forró. Quando retornou para sua fazenda ficou três noites encarreadas sem dormir, pensando na garota. Na base do desespero e sem nenhum domínio da leitura teve que recorrer aos prestativos serviços do amigo Toizin Jacaré pra escrever umas mal traçadas linhas para a sua paixão e em pouco tempo se matrimoniaram diante da língua dos homens e dos olhos de Deus, fazendo uma grande festança. Com o dote recebido, Dãozinho turbinou ainda mais a sua fazendinha.
O amor do casal foi intenso. Tanto que em 17 anos tiveram 9 filhos e duplicaram o seu patrimônio. Com o passar dos tempos, Maria Rita, outrora sedutora e curvilínea virou uma senhora estressada e rechonchuda, embora fosse, inegavelmente, uma excelente mãe de família e uma dona de casa exemplar. A lida diária consumia todo o tempo da senhora que ainda ostentava alguns traços da sua antiga beleza. O tempo dedicado à labuta deixara o outrora “magrilim” Dãozinho já com uma barriguinha saliente e uma branca e espessa barba. O casal só pensava em trabalho, cotidianamente entravam de cabeça na fazendinha tirando o máximo do que a terra podia dar. Até aquele momento, Dãozinho nunca tivera olhos para outra mulher. Casou-se donzelo e assim como a esposa, jurou viver eternamente um para o outro. Alas que um belo dia ao vender a sua produção de macaxeira na Vila do Machado Mineiro, assim que botou os olhos na viúva Madalena, Dãozinho sentiu o mesmo que sentira a 17 anos atrás pela sua querida esposa.
Madalena era uma morena torneada (embora, fosse rechonchudinha), corpo de carne prensada, seios fartos, um par de coxas de assombrar defuntos e uma bunda delicada e estufada… os cabelos eram longos e delicados e apesar de viúva do capitão Gumercindo, vaidoso militar da gloriosa policia mineira que fora abatido à tiros alguns anos antes em um enfrentamento com uma quadrilha de ladrões de gado, a garota não estava nem aí, detonava igual cobra de lajedo. Escolada, 25 anos de idade, só andava nos trinques e tinha um inenarrável prazer em seduzir os machos que lhe cruzassem o caminho. Assim que botou os olhos em Dãozinho, mesmo sabendo que o moço era comprometido, jurou para si mesma que ele seria dela. Bastou a morenaça atrevida, de riso fácil e decote generoso lhe dirigir a palavra para o moço ficar mais derretido que manteiga no pão quente. Não demorou muito para extravasarem o desejo incontido nadando pelados e entrelaçados nas pardas águas do rio.
A partir desta data viraram amantes ardentes, fazendo que Dãozinho passasse cada vez mais tempo no pequeno vilarejo, usufruindo gulosamente das tenras carnes da viúva e do seu inapagável fogo. A paixão era tão medonha que os amantes ficavam até dois dias entrelaçados na cama e quando aparecia o “Zé Gostinho”, caíam desfalecidos um para cada lado. Quando Madalena percebeu que o seu fazendeiro estava de quatro, deu o ultimato:
– Você vai ter que escolher, Dão. Não nasci para ser amante de ninguém. Você precisa escolher, eu ou a sua esposa! Não posso mais viver assim. Fique à vontade para escolher. Se ela for a escolhida não precisa mais vir aqui.
– Querida, entenda. Eu lhe amo, porém, não posso abandonar Maria Rita, nós temos 9 filhos pequenos. – Eu entendo. – Dizia a amante. – Então fique com ela e não me procure mais. O tempo está passando e eu preciso seguir minha vida. – Quando Madalena falava assim, Dãozinho sentia o fogo da paixão consumir as suas entranhas. No fundo ele sabia que não poderia mais viver sem aquele sexo gostoso, insaciável, ardente e repleto de tapas, arranhões, mordidas, gritos, gemidos e um indescritível prazer.
– A vida é assim, meu filho. Se não quer, abra o caminho que tem gente querendo passar! Ontem mesmo o caixeiro-viajante Florisvaldo me fez uma proposta, quer me levar com ele pra Vila do Poção. Eu disse a ele que vou pensar. Você é que sabe da sua vida. Ou ela ou eu, decida. Vou lhe dar uma semana pra você escolher. Se for ela pode ficar por lá.
A pressão comia as entranhas do pobre Dãozinho. Apesar de gostar muito da família, como viver longe daquele inenarrável prazer? Assim, a solução foi juntar as suas tralhas e sair de casa deixando Maria Rita e os nove filhos se esvaindo em lágrimas. – Não. Pelo amor de Deus, Dão! Que loucura é essa? Não faça isso. Não posso viver sem você. – Se esgoelava a pobre esposa de joelhos lhe segurando pelas pernas. – Eu estou apaixonado, Maria. Me perdoa, mas não posso viver sem ela. – Dizia piedosamente. – Pense nos seus nove filhos? Vai deixa-los ao léu? Que tipo de pai é você? – Indagava a chorosa esposa. – Estou deixando tudo pra vocês. Julim já tem 12 anos, é um homenzinho, sabe tudo da terra. Eu comecei com a idade dele. vocês vão ficar bem. Me perdoe, Maria. Não posso viver sem Madalena… – Falando assim, o matuto jogou o matulão na garupa do cavalo e riscou em direção ao Machado, deixando a pobre esposa e os nove filhos desolados.
A partir deste dia Maria Rita passou a viver como uma mendiga, andando pelas ruas como uma maltrapilha, suja, descabelada puxando aquela renca de filhos em fila, um segurando na mão do outro, desde o maior até o menorzinho. Esta cena cortava o coração de quem via. Alguns meses se passaram e a agonia vivida por Maria tocou o coração de algumas mulheres do vilarejo que foram até a sua casa e informaram que no povoado de Nova Conquista existia um curador muito poderoso, conhecido como Velho Sena. Este caboclo, comprovadamente já havia trazido de volta mais de uma dúzia de maridos irresponsáveis que largara da família como fizera Dãozinho. E mais, só se pagava após a obtenção do resultado. Depressiva e já sem forças para lutar pelo pai dos seus filhos, Maria resolveu jogar a última cartada e foi procurar o velho Sena. Acompanhada de duas amigas, Maria montou no lombo da sua mulinha e veio dar cá nas terras do famoso curador. Chegou, abriu a cancela, falou o prefixo e bastou entrar para topar com um velhinho chocho, baixinho e mirradinho.
– Boa tarde, é o senhor que é Seu Sena? – Sim, Maria. Sou aquele que você procura. Quer que eu traga o safado do seu marido de volta, né? – Assustada, Maria perguntou. – Como o senhor sabe? – Eu sei de tudo, só estava lhe esperando, minha filha. Entra na camarinha e me aguarde um “instantinho”. – Desconfiada, Maria deixou as amigas na sala e entrou no pequeno quartinho. O velho ficou de costas, vestiu uma túnica branca, colocou um estranho turbante na cabeça e após algumas mungangas bebeu duas talagadas de alguma coisa parecida com canjebrina e após falar algumas palavras ininteligíveis, deu uns dois ou três cangas, jogou os búzios sobre a mesa e com uma voz deformada exigiu:
– Ele vai voltar sim. Porém, precisa fazer o que eu vou lhe pedir. Amanhã à noite vá ao seu poleiro, mate a galinha mais preta que encontrar, tire todo o sangue que ela tiver e bote em um pinico misturado com cachaça, deve encher até os beiços, faça uma bacia de pipoca, asse a galinha no molho de dendê e acenda duas velas coloridas. Coloque tudo na primeira encruzilhada que achar pelo caminho. O despacho tem que ser posto depois das horas mortas, se colocar antes a mandinga não fará efeito. Depois é só voltar e ficar esperando. Lhe prometo que em 78 horas ele vai voltar rastejando pra você. – Diante do que ouvia, Maria Rita abriu um sorrisão de todo tamanho e meteu a mão na bolsa…
– Não! – Gritou o velho Sena. Vai me pagar somente depois que ele voltar rastejando, lhe pedindo perdão. Você perdoa se quiser, mas que ele vai voltar, vai. Agora vá, não conte pra ninguém para não quebrar o feitiço. Nem mesmo para as companheiras que lhe trouxe aqui, entendeu? – Radiante, a esposa balançou a cabeça e após levar alguns passes do curador montou na sua mulinha e ao lado das amigas doidas para saber o sucedido, riscou em direção à sua fazendinha completamente em silêncio. A partir daí o astral de Maria melhorou bastante. Tomou logo um banho, penteou o cabelo, vestiu roupas limpas e cuidou dos filhos. Três dias depois, meio dia a pino, alguém grita o seu nome na porta, quando Maria abre quem estava rastejando literalmente em sua direção? Ele, o outrora apaixonado Dãozinho. – Maria, meu amor! Voltei pra você. Eu estava enganado. Madalena é uma Chibunga, peguei ela com outro homem. Você me aceita de volta meu amor? Diz que aceita, vá! Estou morrendo de saudades dos meninos. Não posso mais viver eles, vamos corrigir este lapso, vamos?
Se você quer saber se Maria aceitou, a resposta é sim, porém, foi até a dispensa, pegou um bom pedaço de corda e um chicote de couro cru. Após amarrar o marido pelo pescoço, saíu pelas ruas do vilarejo tangendo o infeliz e descendo a pêa diante de todo mundo. – Toma, corno safado. Toma pra aprender nunca mais largar a sua família. Toma, toma, toma… – Desceu o cipó com gosto. Dãozinho estava tão feliz que nem sentia as chibatadas. Estava perdoado e voltando pra sua família. Enquanto Maria descia a ripa e o povo do vilarejo zoava com a sua cara, Dãozinho sorria feliz. Voltar para a sua família era o que importava. Seguiu apanhado e sorrindo! Estava se lixando para quem assistia.
FIM
Luiz Carlos Figueiredo
Escritor e Poeta.
Cândido Sales, Bahia. Minguante de Julho de 2024. Inverno.