Recuperação judicial não é calote
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Recuperação judicial não é calote

Autora: Taciani Acerbi Campagnaro Colnago Cabral[1]

A crise que o Brasil enfrentava foi severamente agravada pela estagnação da atividade econômica causada pelo isolamento decorrente da COVID-19, o que conduziu a economia nacional a quadro de dificuldade absolutamente peculiar.
É essa a principal causa do aumento dos pedidos de recuperação judicial, estimados em cerca do dobro dos formulados no ano anterior, conforme noticiado.
A circunstância deste aumento envolver alguns dos maiores atores da economia nacional vem concorrendo para várias pessoas classificarem as recuperações judiciais como um calote, um logro, uma inadimplência ardilosamente engendrada.
A referência não é correta!
Não há como negar que a suspensão da possibilidade de os credores exigirem seus créditos no curso do processo e o deságio das obrigações que caracteriza as assembleias de credores, induzem uma leitura rápida no sentido do calote mas, ainda assim, a conclusão não é acertada.
A atividade empresária, pedra fundamental de toda atividade econômica, consiste na base do desenvolvimento de qualquer país e de seu povo.
São os empreendimentos que geram emprego e renda, influindo diretamente na capacitação profissional de sua população. Também é a atividade econômica empresarial que constitui a pujança de qualquer país, gerando riqueza que, tributada na forma da lei, viabiliza o custeio de atividades sociais e assistenciais fundamentais à vida em comunidade e à própria existência do poder público.
É justamente esta constatação que conduz a Constituição Federal a estabelecer o princípio da função social da empresa, enquanto matriz de produção da riqueza de qualquer país, fundamental à geração de emprego e renda.
Os pedidos de recuperação judicial se fundam exatamente no princípio da preservação da empresa, de modo que a temporária suspensão da exigibilidade das dívidas e a conformação de espaço destinado à composição entre credores e devedores está longe de configurar calote, retratando, na verdade, um esforço último, com participação do Judiciário, para permitir a sobrevida deste importante núcleo gerador de riqueza.
Desvios podem vir a ocorrer. Isso é certo. Ainda assim, não se afigura correto atribuir a condição de calote a instrumento legítimo à salvaguarda de interesses sociais de relevante proteção constitucional pelos possíveis desvios de alguns. Para estes, caberá ao Judiciário servir de fiel da balança, evitando o uso indevido da recuperação judicial.

[1] Advogada parter da Acerbi Campagnaro Colnago Cabral Administração Judicial. Especialista (PUCMINAS) e mestre (Milton Campos).