O grupo da Justiça e Segurança Pública no governo de transição quer acabar com o porte de trânsito de CACs (caçadores, atiradores e colecionadores), barrar a compra de pistolas 9 mm e criar um QR Code para fiscalizar em clube de tiro.
O porte de trânsito autoriza o CAC a andar com a arma municiada do local de guarda até o clube de tiro ou de caça. Na visão de pessoas que participam das discussões, a normativa virou um porte de armas camuflado.
Como a Folha de S.Paulo revelou, os CACs têm aproveitado os decretos armamentistas para andarem armados mesmo quando não estão a caminho dos locais de prática de tiro ou caça. Há casos de pessoas flagradas com a arma trabalhando em outro estado, após uso de bebida alcoólica ou com droga.
O TCU (Tribunal de Contas da União) já havia classificado essa flexibilização de indevida porque descumpre orientações contidas no Estatuto do Desarmamento.
A intenção do grupo é propor o transporte da arma desmuniciada mediante a emissão de uma guia de tráfego, documento de responsabilidade do Exército. Entretanto, ainda não há detalhes se o documento precisaria ser emitido a cada ida do CAC ao clube de tiro, por exemplo.
“O porte de trânsito foi a principal concessão feita que fez explodir o interesse de registro no Exército. Todo tipo de pessoa que tinha interesse em andar armada achou ali o caminho para realizar este desejo”, destacou Bruno Langeani, gerente de projetos do Instituto Sou da Paz.
O governo Bolsonaro já editou 17 decretos, 19 portarias, duas resoluções, três instruções normativas e dois projetos de lei que flexibilizam as regras de acesso a armas e munições. Os CACs têm sido os principais beneficiados e já há mais de 1 milhão de armas nas mãos do grupo.
Barrar a política armamentista construída durante o governo Bolsonaro foi promessa de campanha do presidente eleito. Segundo Lula, a prioridade é ter “menos armas e mais livros” para a população, além do combate à fome e o do endividamento da população.
O senador eleito e integrante do governo de transição Flávio Dino (PSB-MA) já disse que a revogação dos decretos de armas é um “escopo principal” do grupo técnico de Justiça e Segurança Pública.
Dino afirmou que armas de grosso calibre, liberadas pelos decretos de Bolsonaro, poderão ser recolhidas e que a posse permitida pelas normas em vigor não representa um direito adquirido.
Segundo Marco Aurélio de Carvalho, um dos coordenadores do grupo de Justiça e Segurança Pública e que lidera a discussão sobre armas na equipe, a intenção do futuro governo é propor mudanças de forma gradual, ouvindo diversos atores para a formulação das políticas públicas.
“A gente não quer restringir que uma pessoa que se sinta ameaçada deixe de ter arma, não há a intenção de tirar a arma da pessoa que vive na propriedade rural, entretanto, não faz sentido liberar um fuzil para a pessoa se defender”, disse.
O grupo também quer barrar a compra da pistola 9 mm, arma usada pelas forças de segurança. O modelo explodiu nas mãos do cidadão comum e de CACs devido à política armamentista der Bolsonaro.
A Folha de S.Paulo já havia mostrado que o número de novas pistolas liberadas pela Polícia Federal cresceu 170%. Foram contabilizados 108 mil novos registros de pistola no ano passado, contra 40 mil em 2018, antes do atual governo.
Entretanto, esse tema ainda não é consenso no grupo da Justiça e Segurança Pública. O advogado Marco Aurélio de Carvalho solicitou a elaboração de um estudo de comparação dessa arma com outros modelos para sugerir ao grupo uma proposta para o relatório final.
O grupo busca construir um consenso ouvindo parlamentares, forças de segurança e instituições que são referência no assunto, como o Instituto Sou da Paz, Instituto Igarapé e Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Uma pesquisa divulgada pelo Instituto Datafolha mostra que 63% da população considera que pessoas comuns não poderiam ter acesso a armas iguais ou mais potentes que a de policiais.
“Quando a pistola 9 mm se tornou de calibre permitido, com acesso ao cidadão, ela rapidamente se tornou a mais vendida no país, tirando um lugar que historicamente sempre foi de revólveres”, disse Roberto Uchôa, policial federal e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
“Se o novo governo decidir tornar esse calibre novamente restrito, será um desafio decidir o que fazer com as milhares de pistolas que entraram em circulação.”
Como a Folha de S.Paulo já havia antecipado, a ideia também é barrar a compra de qualquer calibre de fuzil, arma autorizada para CACs durante o governo Bolsonaro.
Técnicos do grupo ouvidos pela reportagem disseram que existe a intenção de haver controle mais rígido das armas em circulação. Uma proposta que está sendo estudada é a criação de um QR Code para ler o certificado de registro de arma de fogo e o de registro do CAC para a comprovação de frequência em clube de tiro.
A frequência mínima do CAC num clube de tiro já é uma exigência do Exército para que a pessoa se mantenha na atividade. No entanto, hoje é fácil burlar a norma tendo em vista que, na maioria das vezes, o controle é feio no papel.
A leitura do grupo é que há um descontrole sobre a circulação de armas no país. Dados do Exército apontam que passou de 32 armas por mês em 2015 para 112 armas por mês em 2022 desviadas de CACs.
A Folha de S.Paulo revelou que um membro da facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital) conseguiu obter o certificado de registro de CAC no Exército mesmo tendo uma ficha corrida com 16 processos criminais, incluindo cinco indiciamentos por crimes como homicídio qualificado e tráfico de drogas.
ALGUMAS PROPOSTAS DA TRANSIÇÃO PARA A POLÍTICA DE ARMAS NO BRASIL
Revogação de normas
A intenção é revogar as normas publicadas durante o governo Bolsonaro, entre elas portarias e decretos
Uso restrito de arma
A intenção é que armas, como fuzil, carabina e pistola 9 mm, voltem a ser de uso restrito das forças de segurança
Porte de trânsito
Acabar com o porte de trânsito, autorização concedida a CAC para carregar a arma municiada do local de guarda até o clube de tiro
Efetiva necessidade
PF deve voltar a exigir que para se ter posse ou porte de arma seja comprovada a efetiva necessidade
Secretaria de armas
Há a discussão de se criar uma secretaria voltada ao tema de armas no âmbito do Ministério da Justiça e Segurança Pública
Atiradores divididos em níveis
Os atiradores devem voltar a ser divididos em três níveis. O maior nível é aquele que participa de campeonatos nacionais e pode comprar uma quantidade maior de armas
Fiscalização mais efetiva
Aprimorar a fiscalização de armas em circulação, clubes de tiros e lojas de armas. Entre as medidas, há a intenção de criar um QRCode nos clubes de tiro para comprovar a frequência dos CACs
Integração de banco de dados
A intenção é integrar o banco de dados do Ministério da Justiça e Segurança Pública, Exército e Polícia Federal. Assim, todas as forças de segurança terão acesso aos bancos de dados para facilitar a investigação
Certificado de registro de arma
No governo Bolsonaro o certificado de registro de arma de fogo passou de 5 para 10 anos. A discussão é que esse prazo seja reduzido para o cidadão comum e para o CAC
Compra de armas
Criação de um programa em que o Estado compra do indivíduo armas que estejam acima do quantitativo permitido por lei. Essas armas devem ser usadas pelas forças de segurança
Redução da quantidade de armas
O grupo estuda reduzir o número de armas que os CACs podem adquirir. Atualmente, eles podem ter 60 armas e 180 mil munições ao ano
Fonte: Bahia Noticias/Folhapress | Foto: Agência Brasil