Saúde Mental é discutida em audiência pública na Câmara de Vereadores
Legislativo Municipal Saúde

Saúde Mental é discutida em audiência pública na Câmara de Vereadores

A semana na Câmara Municipal de Vitória da Conquista começou com audiência sobre a saúde mental no município e a situação das instituições que atendem pelas redes pública municipal e estadual. A discussão, que aconteceu na manha desta segunda-feira, 30, foi de iniciativa do mandato da vereadora Viviane Sampaio (PT) e contou com a presença de vereadores, profissionais da área de saúde, mães e representantes da sociedade civil.

Essa luta não pode parar – A autora da audiência, Viviane Sampaio (PT) agradeceu a presença de todos e ressaltou que “essa audiência foi fruto da coragem, do entusiasmo e responsabilidade dos profissionais e usuários que vieram aqui trazer a público a real situação”. Disse que estará recebendo os encaminhamentos e sugeriu que fosse realizada, já na próxima semana, uma visita em todas as unidades municipais e solicitar uma reunião com a prefeita Sheila Lemos para discutir as demandas. “É preciso abrir uma discussão com os trabalhadores e essa casa tem essa responsabilidade. Finalizou a audiência agradecendo a participação de todos e pedindo não ao retrocesso.

Faltam profissionais e infraestrutura nos CAPS – Representando os profissionais da rede CAPS de Vitória da Conquista, a assistente social Jemima Lima Figueredo apresentou as demandas do serviço no município, lembrando que foi entregue à Gestão Municipal um documento com todas as demandas da rede, dos profissionais à infraestrutura das unidades. Ela disse que existe uma defasagem grande no que diz respeito ao serviço prestado: “No dia 17, entregamos à prefeita e à secretária Ramona Cerqueira, relatório técnico que revela condições de sobrecarga de trabalho, prejuízo à saúde dos servidores e sobretudo comprometimento da qualidade do serviço ofertado, com impactos diretos aos usuários das instituições”.

Entre as questões mais graves, Jemima destacou a situação do CAPS II, que, segundo ela, sofreu uma redução de 12 técnicos, entre médico, psicólogo, enfermeiro, educador físico, nutricionista, instrutor de artes, entre outros.  “Inversamente proporcional ao aumento de cerca de 70% na demanda de atendimento, nos últimos anos. A proporção média é de 150 pacientes por técnico de referência”, contou.

A falta de médicos, enfermeiros e demais profissionais foram outras queixas listadas pela profissional. Ela lembrou ainda que no CAPS IA, a equipe atual é composta por oito profissionais, responsáveis pelo atendimento de 1.227: “O serviço dispõe oferta de primeira consulta médica apenas para outubro de 2022 e a ausência de neuropediatra para avaliação de demandas de transtorno do neurodesenvolvimento, como autismo ou transtorno de deficit da atenção e hiperatividade”, relatou.

Falta de telefone, internet e condições na infraestrutura também foram relatadas por ela, que aproveitou para chamar a atenção para a “necessidade de mobilização a fim de ampliar a oferta da rede, em alcance compatível com a população municipal, dada a notória incapacidade de atendimento adequado à necessidade do município”.

Sobra sofrimento e falta empatia – Falando como representante dos usuários do Caps, Maria Elisa Guimarães reclamou da falta de empatia das pessoas com as pessoas em sofrimento mental. “Nem todos conhecem esse mundo das pessoas em sofrimento mental. A doença mental é difícil. Ela não sangra, não é uma fratura exposta, então nem sempre há o reconhecimento por parte da sociedade de que ali existe uma profunda dor e um profundo sofrimento”, disse ela.

Ela lamentou a queda na qualidade dos atendimentos no Caps, provocada pela falta de investimentos. “A Rede Caps oferecia alternativas de tratamentos que iam além do medicamento. Também tínhamos equipes completas: Enfermeiras, técnicos e pedagogos”, disse. “Hoje, o que nós vivemos é um sucateamento por uma série de motivos. As equipes estão incompletas”, completou.

Segundo ela, existe um preconceito com o público da saúde mental. “Há esse preconceito de que qualquer coisa basta pra gente. Nós não aceitamos a condição que nos encontramos hoje. Não é possível continuar como está”, finalizou.

Quem cuida de quem cuida? – Sabrine Rocha Ribeiro, representante das mães dos usuários dos Centros de Atenção Psicossocial (Caps), destacou a dificuldade que as mães de crianças e adolescentes com algum tipo de adoecimento mental têm em serem ouvidas. “Eu escuto relatos de mães com crises de ansiedade, depressão e muitos relatos difíceis, afinal, os nossos filhos não vêm com manual de instruções”, disse. Segundo Sabrine, existem dificuldades a serem enfrentadas  no auxílio da fala das crianças, bem como  na escola, com  a falta de cuidadores, e  nos espaços de lazer. “Se a criança não está mentalmente bem, a família também não está”, disse. Ela ainda explanou sobre suas experiências pessoais com os próprios filhos, e a realidade enfrentada todos os dias, “meu filho tem 12 anos e toma 12 tipos de remédios controlados, não é fácil, como mãe, suportar as crises diárias que ele vivencia. Eu vejo mães desesperadas, algumas vivem em cárcere privado e precisam de atenção especial do poder público, por isso é tão importante sermos ouvidas e amparadas”, finalizou.

Conquista já foi pioneira em política de saúde mental, não pode retroceder – Ricardo Alves, do Conselho Municipal de Saúde, ressaltou que a luta antimanicomial tem origem nos anos 1970 e conquistou base legal contra o tratamento desumano a pessoas em sofrimento mental. O conselheiro lamentou que, desde 2017, movimentos favoráveis ao retorno de manicômios venham ganhando força. Ele aponta que esses segmentos buscam tão somente o lucro e praticam atendimento desumano.

Ricardo falou dos desafios para os municípios, que executam as políticas de saúde mental com recursos da União. Ele foi taxativo ao afirmar que nenhum direito humano está consolidado, mesmo previsto na legislação. Para Ricardo, a luta é constante. Ele frisou que o conselho é a casa do SUS e está aberto à população.

Segundo o conselheiro, vem ocorrendo debates importantes em instâncias institucionais e pediu à Prefeitura Municipal que cumpra o que foi discutido e aprovado pela população. Ricardo reforçou que Conquista já foi pioneira em saúde mental e não pode retroceder com fechamento de equipamentos e falta de suporte para atendimento à população. Ele reivindicou melhores condições salariais e de trabalho para os profissionais da saúde mental, medicamentos psiquiátricos de maior qualidade e efeitos colaterais menores, além de acolhimento na rede municipal de educação às crianças e adolescentes com síndromes e transtornos.

É preciso boa estrutura e bons profissionais  – O vereador Ricardo Babão (PCdoB), que também faz parte da Comissão de Saúde da Câmara, lembrou que é preciso uma luta conjunta. “Não é fácil, Conquista é referência em saúde e o Caps sempre foi referência na cidade. Temos que lutar para manter o serviço”. Ele afirmou que o Caps não vai acabar, “porque estamos aqui pra isso, para ouvir as demandas e lutar por elas”. Ele relatou cobrança à prefeitura sobre a contratação dos profissionais: “não basta ser cuidadores, tem que ser pessoas que saibam desenvolver o trabalho com crianças com autismo”. Aproveitou para cobrar a contratação de assistentes sociais e melhorias bos Caps. “A secretária disse que onde hoje é o Gripário, será o Caps 2, mas não adianta a estrutura sem os profissionais capacitados”, afirmou, acrescentando que a gestão municipal garantiu que serão contratadas pessoas capacitadas para realizar os atendimentos. Finalizou relembrando o bom trabalho que o Governo do Estado vem fazendo e dizendo que é preciso cobrar do poder público mais investimentos.

Crise no setor de Saúde Mental – A representante do Hospital Crescêncio Silveira, Lygia Mattos, ressaltou que há uma grande crise sendo enfrentada, que atinge também o setor da Saúde Mental. “Estamos vivendo um contexto nacional marcado por uma crise sanitária, política, social e econômica que tem afetado a todos os coletivos. Tem afetado diretamente a saúde mental de quem não tem transtorno mental”, apontou ela. “A saúde mental nunca é prioridade, em todos os governos, em todos os níveis”, complementou.

Falando do contexto regional, Mattos apontou que atualmente o Hospital Crescêncio Silveira atende as demandas que antes eram absorvidas pelo Hospital Afrânio Peixoto, de modo que o público não ficou desassistido. “Todos os serviços que tinham no Afrânio Peixoto hoje funcionam no Crescêncio Silveira”, disse ela, que defendeu ainda o aumento do número de Caps e de equipes ambulatoriais, a fim de atender à crescente demanda da Saúde Mental na região.

A saúde mental está numa crise legítima – A coordenadora de Saúde Mental do município, Thayse Andrade Fernandes, falou das dificuldades enfrentadas pelos usuários dos Caps, em Vitória da Conquista, com a falta de profissionais para atender a grande demanda de usuários. “A situação está se tornando insustentável, as equipes estão reduzidas e percebemos a perda de vários profissionais médicos”, disse. Ela falou ainda sobre a organização nos atendimentos do Caps que nos últimos dois anos, em decorrência da pandemia, se tornou mais ambulatorial. “A saúde mental está numa legitima crise, está desorganizada e sem identidade. É fundamental que haja a valorização dos profissionais que atuam nesta área”, salientou. Por último, a coordenadora detalhou o encaminhamento da atual seleção pública de saúde do município e a necessidade da contratação de profissionais para a área da saúde mental.

Rede pública de saúde deve passar por reestruturação – A advogada Luciana Pereira, da Comissão de Saúde da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Subseção Vitória da Conquista, ressaltou que a pandemia é um divisor de águas para avaliar a situação da saúde pública. Ela disse que a desestruturação do sistema de saúde precisa ser avaliada e contornada. Luciana ressaltou que o setor de saúde mental sofre com esses impactos, que se estendem não somente aos profissionais de saúde e pacientes, mas também aos seus familiares.

A advogada frisou que a porta de entrada desse serviço são os CAPs e defendeu uma reestruturação do sistema de saúde. Ela relatou que um novo aumento em planos de saúde privados deve pressionar ainda mais a rede pública de saúde, já que as pessoas têm enfrentado cada vez mais dificuldades para a manutenção da vida útil diante da crise econômica pela qual passa o país.

Criação da Câmara de Saúde – Dr. José Raimundo Passos, representando a Defensoria Pública, manifestou preocupação ao ter contato com o documento apresentado pelos profissionais dos Caps e explicou que a DP é um elo entre essas representações para possibilitar o diálogo. “Criamos uma Câmara de Conciliação de Saúde devido ao bom relacionamento que temos com a gestão municipal”, explicou. Ele se colocou à disposição para intermediar a situação e “conseguirmos êxitos”. Por fim, disse que o órgão está atento a tudo e quando houver falha nesse serviço, a Defensoria Pública estará a postos para corrigir e coibir.

Falta de atenção – Usuário do Caps há quase 30 anos, Rudh de Oliveira questionou a atenção dispensada pelo Governo Municipal à Saúde Mental. “Nós estamos em situação precária porque a prefeita está brincando com os sentimentos dos usuários e dos profissionais”, disse ele, que pediu mais seriedade por parte da prefeitura. “A Saúde mental não é brinquedo”, finalizou.

Faltam políticas públicas essenciais à saúde mental – Eliane Muniz é mãe de autista e repudiou a gestão pública atual pela falta de atenção na área da saúde mental, e na área da educação. “Falta cadeiras de rodas, e eu vejo crianças tendo crises de ansiedade por falta de atendimento no Caps, elas não precisam apenas de psiquiatra, mas de um neurologista, um psicopedagogo e muito mais. Por que  tem dinheiro para São João e não tem para as politicas públicas essenciais?”, questionou. Eliane salientou ainda que é inadmissível que os direitos básicos essenciais para saúde mental sejam sucateados em Vitória da Conquista. “Por último quero parabenizar a vereadora Viviane Sampaio (PT), pela iniciativa desta audiência tão importante e necessária para nós e nossos filhos”, encerrou.

Marcos Poeta, usuário do Caps, falou da dificuldade para marcação de consultas e acesso a medicamentos. Para ele, faltam planejamento e gestão por parte da prefeitura. Segundo Poeta, com a pandemia ações como oficinas foram suspensas. “A gente não vive só de remédio”, disse ao cobrar espaço para terapias e sociabilidade.

Fonte: Ascom/CMVC | Foto: Ascom/CMVC