Adeus, Freddy Rincón!
Por: Luiz Henrique Borges
Acordei, na quinta-feira, com a triste notícia que o ídolo do futebol colombiano, Freddy Rincón, acabava de falecer em decorrência do acidente automobilístico que ele sofreu em seu país na madrugada da última segunda-feira. Como admirador do seu futebol não me restou outra alternativa a não ser alterar o tema, que já estava definido, da nossa crônica semanal.
Ao lado de Valderrama, Rincón era uma das principais estrelas da seleção de seu país. Talvez, em virtude da rivalidade, jamais esquecerei as Eliminatórias para a Copa do Mundo de 1994 e a vitória dos colombianos por 5X0 sobre os argentinos, obrigando-os a jogar a repescagem. Ao final daquela partida, Rincón afirmou: “A melhor sensação foi quando o jogo terminou e a torcida argentina começou a nos aplaudir. Sabemos como são os argentinos, e escutá-los nos reverenciando foi maravilhoso”, contou o atleta, em entrevista cedida, em 2018, para a revista Placar.
Os prognósticos positivos da caminhada dos colombianos na Copa dos Estados Unidos não se concretizaram e eles foram desclassificados ainda na fase de grupos. Antes da Copa, insatisfeito com o futebol da equipe dirigida por Parreira, afirmei em conversa com meu pai, que o Brasil não alcançaria o título e ainda vaticinei que a Colômbia era uma das seleções favoritas do Mundial. Vejam só em que armadilha eu caí. A má campanha de nossos vizinhos e o tetracampeonato brasileiro me rendeu anos de deboches de meu progenitor.
O atleta chegou ao futebol brasileiro em 1994 para atuar no Palmeiras. Em sua primeira passagem pelo alviverde, jogador de porte físico avantajado, mas dotado de enorme qualidade técnica, foi muito importante para a conquista do título paulista daquele ano ao lado de outros craques que atuaram na fortíssima equipe patrocinada pela Parmalat tais como: Roberto Carlos, César Sampaio, Edílson, Edmundo e Evair. O bom futebol apresentado fez com que Rincón ficasse pouco tempo no nosso futebol, apenas seis meses. Durante a disputa da Copa do Mundo ele se transferiu para o Napoli.
Suas atuações pelo clube italiano chamaram a atenção do poderoso Real Madrid que o contratou para a temporada 1995-1996. No entanto, o atleta não obteve o mesmo sucesso na Espanha e em meados de 1996 ele retornou ao Palmeiras. Desta vez, sem o mesmo brilho da passagem anterior. Mas, todos os que pensaram que Rincón não poderia se reinventar se enganaram.
No ano seguinte, o Corinthians resolveu colocar a mão no bolso e tirou o atleta do seu grande rival. Rincón viveu o ápice de sua carreira nos três anos que passou na equipe do Parque São Jorge. Reza a lenda que Joel Santana, técnico corintiano em 1997, enxergou no jogador as características necessárias para que ele se tornasse um dos volantes mais modernos do futebol brasileiro na época, mas a mudança de posicionamento ocorreu efetivamente quando o atleta reencontrou o técnico Vanderlei Luxemburgo, com que já havia trabalhado no Palmeiras.
O meia ofensivo foi recuado por Luxemburgo nos jogos finais do Brasileirão de 98 e virou um dos maiores volantes da história do clube, além de ídolo da Fiel. Ao lado de Vampeta, Ricardinho e Marcelinho Carioca, o Corinthians foi bicampeão brasileiro (1998 e 1999), campeão paulista de 1999 e Mundial de Clubes de 2000 quando o colombiano, capitão do time, levantou a taça no Maracanã, após sua equipe derrotar o Vasco da Gama, de Edmundo e Romário nas penalidades máximas.
Craque de bola, mas de temperamento forte e extremamente competitivo, Rincón acumulou desavenças com colegas de equipe, apesar de ter afirmado em entrevista para a ESPN que várias confusões divulgadas na época não ocorreram. Verdade ou mentira, a sua liderança estava desgastada e aproveitando a ótima oferta salarial do Santos, o jogador trocou de alvinegro em 2000. No ano seguinte defendeu o Cruzeiro. Mais velho, Rincón não apresentou nos dois novos clubes o mesmo desempenho de sua passagem pelo Corinthians. Depois de três anos sem jogar, o meio-campista aceitou o convite feito pelo Timão em 2004 e retornou ao clube em que brilhou mais intensamente, mas sem render em campo o esperado, optou por pendurar as chuteiras.
Após sua aposentadoria como atleta, ele tentou a carreira de treinador, mas não alçou voos altos. Dirigiu o São Bento, o São José, o Iraty-PR e o Flamengo-SP, entre 2006 e 2011. Nesse período, também foi técnico das categorias de base do Corinthians e do Atlético Mineiro.
Era impossível não perceber o Rincón em campo. Muito forte fisicamente, ele esbanjava categoria, força, velocidade e altivez ao conduzir a bola. Dono de uma visão de jogo privilegiada, marcava e construía as jogadas com maestria.
Na Seleção de seu país, jogou três Copas do Mundo (1990, 1994 e 1998). Talvez o momento mais marcante, além da vitória contra os argentinos, tenha ocorrido na Copa da Itália, em 1990, quando ele fez o gol de empate contra a Alemanha nos últimos minutos do jogo e classificou sua equipe para jogar a segunda fase do Mundial.
O gol é tão emblemático que mereceu uma dupla homenagem. A sua encenação no filme “Encanto” produzido pela Disney e a crônica do aclamado jornalista e escritor uruguaio Eduardo Galeano.
A animação da gigante norte-americana, vencedora do Oscar em sua categoria, se passa nas montanhas mágicas do país sul-americano, repletas de referências culturais e ao passado colombiano. Em uma dessas alusões ao mundo real, é feita uma menção, ainda que breve, ao gol marcado por Rincón.
Termino a crônica da semana, reverberando a tristeza pela morte prematura de um dos jogadores que me encantaram em minhas jornadas futebolísticas, particularmente no final da década de 1990. Na época, imaginei inúmeras vezes como seria gratificante se o elegante atleta houvesse envergado o manto botafoguense. No entanto, para o desfecho, tenho que passar a palavra para o saudoso e genial Eduardo Galeano que sintetizou em um parágrafo a magia de Rincón.
“Foi no Mundial de 90. A Colômbia estava jogando melhor que a Alemanha, mas perdia por 1 a 0 e já estavam no último minuto. A bola chegou ao centro do campo. Ela buscava uma coroa de cabeleira eletrizada. Valderrama recebeu a bola de costas, girou, se livrou de três alemães que o marcavam e passou-a a Rincón, e Rincón a Valderrama, Valderrama a Rincón, sua e minha, minha e sua, tocando e tocando, até que Rincón deu alguns passos de girafa e ficou sozinho na frente de Illgner, o goleiro alemão. Illgner fechava o gol. Então Rincón não bateu na bola: acariciou-a. E ela deslizou, suavezinha, pelo meio das pernas do goleiro, e foi gol”.