O que mudou não foi a guerra da Rússia na Ucrânia e suas consequências. O que mudou foi o calendário eleitoral. A seis meses do 1º turno da eleição que terá lugar em 2 de outubro, motivo para a revoada geral dos administradores que estavam nos governos (federal, estaduais e municipais) e tinham que se desincompatibilizar para concorrer em outubro, ou políticos que querem trocar de ninho para garantir representatividade na Câmara Federal, Senado ou Assembleias Legislativas, ou simplesmente conseguir o escudo da imunidade parlamentar para não serem alvos de inquéritos e condenações judiciais por improbidade administrativa no exercício de funções. Atrás nas pesquisas eleitorais, o presidente Jair Bolsonaro, que se filiou no começo do ano ao PL do notório Valdemar Costa Neto, que cumpriu vários anos de prisão como condenado no “mensalão”, foi o maior responsável pela revoada, trocando 11 ministros, fora uma penca de altos funcionários na burocracia do governo. Na maior parte dos casos, assumiram os secretários-executivos. O que era ruim, continua pior. Ou, como diria o Barão de Itararé, “De onde não se espera nada, é que não virá nada mesmo”. Mas os candidatos que patinavam nas pesquisas e não ousavam apresentar suas verdadeiras faces, tiveram de se render à hora da verdade. Por enquanto, concentrando votos em Lula e Bolsonaro. O ex-juiz da Lava-Jato e ex-ministro da Justiça e Segurança Pública de Jair Bolsonaro, que deixou o cargo atirando em 23 de abril de 2020, após a reunião ministerial, em plena pandemia, quando o presidente só demonstrou preocupação de proteger seu clã e resguardar amigos, com o uso da máquina pública da Polícia Federal e influência nos tribunais de Justiça, foi o 1º a desistir da candidatura. Trocou o Podemos pelo União Brasil, fusão do PSL com o DEM, mas foi enquadrado pela conveniência da costela do DEM de fazer dobradinha com Lula em alguns estados, sobretudo do Nordeste, para apenas pleitear um cargo de deputado federal por São Paulo, onde poderia puxar votos para a legenda.
O governador de São Paulo, João Dória Jr, do PSDB, repetiu mais de seis décadas depois o blefe de um ex-governador paulista. Jânio Quadros, abrigado por conveniência na UDN, da qual nunca foi soldado, queria mais poder e renunciou à candidatura no começo de 1960. Era apenas uma manobra para se libertar da influência da UDN, inclusive do seu vice, o nobre político mineiro Milton Campos (como o voto para vice era avulso, Jânio, pensando longe, incentivava a dupla Jan-Jan, para estimular votos no vice do marechal Lott, candidato do PTN, João Goulart). Eleito, aproveitou uma ida de Jango à China (num tempo de voos limitados e parco uso do telex) para fabricar uma crise militar renunciando no Dia do Soldado, 25 de agosto, imaginando que teria respaldo das Forças Armadas para ampliar seus poderes perante o Congresso, enquanto Jango, rejeitado pelo estamento militar, estava distante. Deu-se mal porque o presidente do Senado, Auro de Moura Andrade, leu a carta de renúncia (um ato de vontade unilateral) e o cargo ficou vago. Os militares, de fato, se insurgiram contra Jango, defendido pelo cunhado, Leonel Brizola, governador do Rio Grande do Sul, que lançou a “Campanha da Legalidade” e, no impasse, adotou-se o parlamentarismo, com Jango presidente e Tancredo Neves como Primeiro-Ministro. Depois do 3º governo parlamentarista, Jango promoveu o plebiscito e voltou nos braços do povo, para um governo apeado do poder em 31 de março/1º de abril de 1964.
O longo tempo do regime militar criou um vácuo na representação política. A redemocratização e a Constituição de 1988 tentaram refletir um novo Brasil, urbano, com novos atores. Mas a migração forçada e acelerada de agricultores que largaram as enxadas no campo para as grandes cidades, sem que tivessem passado pelos bancos de treinamento das escolas, na falta de uma política nacional de saneamento básico que desse emprego a quem estava mal habilitado como mão-de-obra da construção civil, criou um conflito social dos excluídos que passaram a viver nas periferias das grandes cidades. As fileiras do tráfico ganharam soldados inesperados. E dois atores entraram em cena para tirar proveito na mediação de conflitos: de um lado, milícias armadas (na verdade um consórcio de Policiais Militares e civis que nas horas de folga montam “empresas” que dão segurança a pequenos comerciantes que pagam por isso, mas a garantia da lei e da ordem é efetivamente garantida pelos efetivos das PMs ou polícias civis de plantão, ou seja, tudo bancado pelo contribuinte que paga ao Estado e aos intermediários). Os negócios desses escritórios do crime se ampliaram como os tentáculos da máfia, incluem gatos de luz, água e serviços de telecomunicações, além de empreendimentos imobiliários em áreas ocupadas irregularmente (no vácuo da ausência de políticas habitacionais das prefeituras), jogos eletrônicos e influência política nas câmaras municipais e assembleias legislativas. De outro, uma miríade de pastores de denominações evangélicas que passaram a explorar a religiosidade natural de quem vivia no campo. Efetivamente, essas suas correntes se transformaram em grandes “coronéis” dos currais eleitorais urbanos. E tomaram de assalto a Câmara e o Senado no governo Bolsonaro, sempre simpático às causas dos milicianos, que não se cansava de elogiar, ao lado dos torturadores das forças armadas.
Se alguém tem dúvidas do “status quo”, da “nova política” instaurado por Jair Bolsonaro & cia, não basta citar a forte influência e corrupção dos pastores evangélicos das diversas denominações ligadas à Assembleia de Deus, que levaram à demissão do ministro da Educação, o pastor presbiteriano Milton Ribeiro, ou a pressão exercida pelos bispos da Igreja Universal do Reino de Deus, de Edir Macedo, que criou o Republicanos como representação política, aliado na maioria dos casos ao PL, o partido de Bolsonaro, seus filhos, ex-ministros e Valdemar Costa Neto, que tende a formar, até que a eleição mude tudo, a maior bancada da Câmara. O mais novo filiado a PTB, o partido que foi comandado pelo também condenado Roberto Jefferson, Fabrício José Carlos de Queiroz, conseguiu um registro para se candidatar a deputado federal pelo Rio de Janeiro resumiu bem o lema, típico da máfia e das maltas de bandidos. Sub-tenente da Polícia Militar do RJ, da qual foi afastado por denúncias de tortura e se aliar a milicianos, Fabrício Queiroz foi abrigado no gabinete do então deputado federal Jair Bolsonaro (PP-RJ), que o cedeu para atuar no gabinete do filho 01, Flávio Bolsonaro, quando este se elegeu deputado na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj). Durante o mandato 2015-2018, Queiroz repetiu na Alerj o esquema de “rachadinha” que aprendeu com a ex-mulher de Bolsonaro Ana Cristina Siqueira Valle, quando ambos assessoravam o gabinete do ex-capitão-deputado: pessoas contratadas com as verbas públicas do gabinete, sem obrigação de bater ponto ou prestar serviços efetivos, tinham de devolver a maior parte dos vencimentos. Este esquema foi descoberto na Alerj no tempo em que Flávio Bolsonaro era deputado estadual. Eleito senador em 2028, o filho 01 conseguiu barrar no TJ-RJ e tribunais superiores provas de depósitos (nas contas de Queiroz, sob o argumento de violação de sigilo bancário). Queiroz cumpriu pena, mas não abriu o bico, apesar de lamentar certo abandono do clã Bolsonaro, cujo advogado abrigou Queiroz em sua casa-escritório de advocacia em Atibaia-SP, onde foi encontrado e preso em junho de 2020. Pois Queiroz já criou um lema, típico da máfia, para fustigar o ex-juiz e ex-ministro Sérgio Moro, que pretende esgrimir a bandeira contra a “corrupção”, e a quem espera superar em votos (ainda que em estados diferentes) para a Câmara Federal. Disse que sua disputa contra Moro, símbolo da Lava-Jato “será a luta da lealdade contra a trairagem”. A que ponto chegamos! Mas é bom ficar de olho para ver quem trairá quem até as eleições. Sobretudo o Centrão. Como o escorpião da fábula, sempre trai, pela essência de seu caráter de aderir a quem está no poder ou com perspectiva de, para tirar casquinha da influência.
Fonte texto:JB