UNS DOIS “DEDIM” DE POLÍTICA.
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UNS DOIS “DEDIM” DE POLÍTICA.

Cândido Sales é uma cidade que respira política! Ô “lugazim” danado pra gostar de política partidária! A coisa é tão exagerada que a cidade nasceu Nova Conquista e na calada da noite conchavos políticos mudaram o nome para Cândido Sales, homenageando o coronel “Candin Capador” que tinha uma fazenda por estas bandas e que não por acaso, era simplesmente o pai do ex-Prefeito de Vitória da Conquista – Gerson Sales…  Em tempos de comícios no interior do município, centenas de pessoas subiam nas carrocerias dos “baqueleleixos” diante de sol, chuva ou poeira, para irem aos distritos de Lagoa Grande, Quaraçu, Barra do Furado ou Timóteo para se deliciarem com a oratória de candidatos como Giovane Souto, Joaquim Barbeiro, Roldão Alves de Morais, Rodrigo Machado, Alcíminio José de Santana e mais uma renca de candidatos.  Em 1967, o povo de Cândido Sales quebrou a hegemonia dos “Ferraz” aqui na região (Tremedal, Belo Campo, e por tabela, Nova Conquista – através do povoado de Quaraçu – era administrados pela família Ferraz) elegendo Moisés Felix dos Santos.

Bem, apesar da incontrolada paixão política, a cereja do bolo era mesmo os comitês devidamente apelidados de Arenas (alusão ao partido dominante da época). Lugares pequenos – em especial do Nordeste – eram literalmente currais da Aliança Renovadora Nacional. Estes espaços eram consideradas os “Centros de Diversão” da comunidade. Como na época imperava o bipartidarismo, o partido opositor MDB – Movimento Democrático Brasileiro era taxado de comunista que no entender do povo era formado por maconheiros, “tomadores” dos bens materiais alheios e até por comedores de criancinhas… Diante deste temor, os candidatos adversários preferiam pertencer ao mesmo partido. Arena 1 ou Arena 2.  Quem era doido de se filiar ao MDB? Temiam serem taxados de comunistas! Palavra que doía, embora, poucos soubesse verdadeiramente que diabo viria a ser aquilo!   À noite, os comitês faziam a alegria da população. Havia até paródias dos grandes sucessos musicais que existiam na época – adaptadas pelos apaixonados eleitores:

– “Arena 1, não vai roer, eu vou fazer de barro um prefeito para você”! – O mesmo valia para a Arena 2, a música era a mesma, só mudava o nome do candidato e o número do partido. A eleição de 1984, Joviano Martins X Antônio Costa – O Fuscão Preto – foi o ápice desta diversão. Na “Arena” pró-Joviano existia um zabumba enorme que todas as noites era “tocado” com uma volúpia indescritível por Paulo Açougueiro e sempre no mesmo ritmo… “Tum-tum, tum-tum-tum, tum-tum”. O povo formava um “trenzinho” com dezenas de pessoas e passava a noite inteirinha rodopiando no meio do salão. As músicas políticas, obrigatoriamente, tinham que ser adaptadas ao ritmo único, imposto pelo tocador: “Tum-tum, tum-tum-tum, tum-tum”. Na verdade, as pessoas dançavam até suar! Era um álibi para se conseguir namorar, trocar dois dedos de prosa e até tomar uma ou outra talagada de cana. Como ainda não existia energia elétrica, as Arenas utilizavam como iluminação… fifós, candeeiros de carbureto, aladins, velas e até o lampião a gás, recém-chegado por estas bandas e que só os mais remediados podiam possuir.  Em 1989 iniciava-se as eleições diretas para governador (para Presidente continuava indireta). Em “currais” como “Candin”, votava-se nos coronéis (confirmando o que Luiz Gonzaga dizia). Onde eles mandavam, o caboclinho votava sem questionar: – Vai votar em quem, Toín? – No Coroné! – E “vancê”, Zé? – No Coroné…

Neste tempo dava por estas bandas, pequenas caravanas de políticos representando o MDB (o partido do demo, segundo alguns) realizando em pleno meio de semana – na porta do recém-inaugurado Mercado Municipal -, inflamados discursos contra o partido dominante! O ex-deputado (estadual e federal) Elquisson Soares aparecia mais que arroz de festa por aqui:

– Não podemos mais suportar este governo militar corrupto e sanguinário governando o nosso país! Fora com estes torturadores, fora com eles, fora com eles! Vem aí eleições diretas para Presidente, vamos dar um basta nisto! Sua arma é seu voto! Votemos contra a ditadura, votemos a favor da liberdade de expressão! – Falava o futuro deputado espumando os cantos da boca em uma inenarrável ira. Presenças garantidas na praça, apenas Elói (um aluado flautista), Goiás (o doido) e uns dois ou três “revoltados estudantes” que odiavam a ditadura, mas que tinham que comparecer ao evento escondidos dos pais (que obviamente, votavam na Arena). Assim, após uma hora de inflamados discursos (aplaudidos pelos estudantes “rebeldes”) Elquisson guardava o seu megafone no saco e com a sua “comitiva” de duas ou três pessoas caíam na lapa do mundo. Também discursava por aqui o falecido Rômulo Almeida, um dos mais renomados políticos da Bahia e o Doutor Advogado Djalma Nobre. Eles saíam e os eleitores de Nova Conquista continuavam votando no coronel!

Entre estes dois ou três “estudantes revoltados” que apoiavam o “comício” do MDB, lá estava o jovem Vicentinho que era filho de seu Onofre do Armazém que além de roqueiro, cabeludo, barbudo e contestador, também fumava uma maconha lascada.  Vicente andava sempre ao lado de Madalena (a mais descolada garota da cidade que até hippie já tinha sido) e com os parças Joãozinho de seu Filó, Ricardo Poeta e Cirino Cigano. Os únicos que conheciam outras paragens eram Madá e Vicentinho, os demais pongavam nas aventuras da dupla em São Paulo e Rio de Janeiro apertando “unzinho” ali mesmo na roda, viajando literalmente na prosa de Madá e Vicente que narravam as suas aventuras com generosas doses de exageros. Madá, contava como partiu de “Candin” a bordo de um “Papa-Jipe” rodeada por mais de trinta hippies que vieram dar por aqui de passagem. Sim. Nos meados dos anos 1970 uma renca de jovens barbudos, cabeludos, sujos e malcheirosos, usando roupas descoladas, tamancos altíssimos, cabelos amarrados por fitas coloridas ficaram dias por aqui bebendo literalmente na fonte do Rio Pardo e quando acharam a carona do Papa-Jipe levaram Madalena à tiracolo. Madá passou por todo tipo de experiencias… sexo (grupal), drogas (alucinógenas) e rock and roll, tanto que voltou à “Candin” dois anos depois falando até língua estrangeira. Já o jovem Vicentinho tudo o que aprendera foi através das ondas médias dos rádios (em particular, a Mundial do Rio) e após um “intensivão” de dois anos viajando como mochileiro, voltou para a seu torrão ensinando como ser “Rebelde sem Causa”.  Vicentinho, Madalena, Joãozinho de seu Filó, Ricardo Poeta e Cirino Cigano tinha algo em comum. Eram todos autossuficientes, já que cultivavam organicamente as suas “Marias Joanas” e além da “rebeldia”, da “prosa impúrpora do Caicó” e do linguajar ancorado nas gírias mais modernas que chegavam neste torrão, eram todos consumidores do roque tupiniquim, Raul Seixas em especial.  – Oí meu irmão, hoje estou meio “mosca na sopa”, tá sabendo? –  Eu também, meu irmão! Viva a Sociedade Alternativa!

– Tô nessa também, brother, sacumequié?… Tenha fé em Deus, tenha fé na vida, morou? – E assim, a “prosa impúrpora” seguia o seu destino, embora, os leigos não entendesse absolutamente nada! Os risos frouxos denunciavam o estado zen da corriola, mas, quem haveria de afirmar que os meninos (filhos de respeitáveis comerciantes) estivesse sob algum efeito alucinógeno? Só sei que quando o doutor Elquisson e sua turma aparecia por aqui nas sonolentas tardes de sol, Elói (o doido) fazia a trilha sonora com o seu realejo junto aos “jovens rebeldes” e da luxuosa presença de Goiás que ao invés de aplaudir os oposicionistas, ficava era gritando para quem quisesse ouvir: – Eles é tudo da minha “ganga”! – Enquanto o megafone tremia diante das bravatas dos “políticos ocasionais”, a trupe gritava a pleno pulmões: – Apoiado! Pau neles! A solução meu irmão é alugar o Brasil! – Era os “emedebistas” xingando de um lado e os “rebeldes” – reforçado de Elói e Goiás – aplaudindo do outro. – Fora Arena! Partido corrupto! Viva o MDB! – Tantos foram os gritos de incentivos ao partido opositor que o digníssimo intendente resolveu fazer uma reunião extraordinária com os pais dos “rebeldes”, ameaçando deixar definitivamente de comprar nos seus respectivos comércios caso os filhos continuassem nesta toada.

Eis que chega o dia da votação e os meninos após enrolar e apertar um enorme charuto, devidamente compartilhado por todos, deram uma bistunta e saíram gritando pelas ruas da cidade, portando faixas e cartazes, tendo sempre Goiás e Elói a acompanhá-los: – Abaixo a tortura! Fora Milicos vagabundos! Devolvam o nosso Brasil, seus puxa-sacos dos ianques! – Dia de eleição no interior é uma farra! Gente pra tudo que é lado. Era os jovens caminhando e uma renca de eleitores atrás. Já chegavam diante das seções gritando palavras de ordem: – Vamos dar um basta neste partido de merda! Fora Arena! Vote em branco! Fora milicos fajutos! – Vicentinho o líder e o mais empolgado, cerrava os punhos, gritava, pulava…  Como nada vem de graça, um babão não correu até o armazém de seu Onofre contando todo o sucedido? Pois sim. Contou até que os jovens haviam xingado o intendente. Foi ouvir e o velho Onofre completamente desnorteado correu até a seção, constatando que o seu primogênito liderava o movimento. Descontrolado, o velho já chegou garguelando Vicentinho! – Que foi Pai? – Gritou o rebelde já levando meia dúzia de pescoções. – Para pai, para! – Que parar o que. Vicentinho levou foi uma pêa diante de todo mundo! Não satisfeito, seu Onofre o pegou pela orelha e diante do olhar estupefato dos seguidores gritou: – Fala aí seu corno safado, em quem você vai votar? –  Diante da fúria do seu velho, Vicentinho titubeou:

– Voto onde o senhor mandar! – Apôis você vai votar é agora pra todo mundo ver, seu ingrato! Dá uma licencinha aí gente! – Falou furando a fila. puxando Vicente pela orelha. Diante dos mesários, entregou os documentos do garoto, pegou uma cédula e gritou: – Agora marque aí o x no nosso governador e nos nossos deputados! – Nem precisou repetir. Vermelho igual um peru, Vicentinho riscou rapidamente os quadrinhos indicados e diante da multidão que assistia com risinhos irônicos nos lábios, seu Onofre o fez jogar a cédula na urna, voltando a arrastá-lo pela orelha diante dos incrédulos seguidores. Desolada, Madalena jogou a faixa fora e seguiu tristonha o seu caminho, os demais, vendo o seu líder ser completamente desmoralizado, esconderam imediatamente os seus cartazes, testemunhando Vicentinho cabreiro e todo mijado ser puxado pela orelha pelas ruas da cidade. Que vergonha!

Dia seguinte, Vicentinho fugiu de casa. Nunca mais voltou aqui!

FIM

Luiz Carlos Figueiredo

Escritor e Poeta

CSales. Ba. Quadra de Julho de 2022. Inverno, Lua Cheia.