“TRAIR E COÇAR É SÓ COMEÇAR”!
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“TRAIR E COÇAR É SÓ COMEÇAR”!

Autor: Luiz Carlos Figueiredo

Tem gente que pensa que a tal da traição é uma coisa que nasceu ontem. Desde que o mundo é mundo que os espertos – ou poderosos – dentro desta bolha, sempre tentaram dar um ou outro chapéu nos mais limitados. O relato mais antigo vem da Bíblia, lá em “2 Samuel 11:2-4” quando o Rei Davi usando de todo o seu poder deu um xis no seu guerreiro Urias, um dos seus principais soldados. Como o valoroso combatente tinha uma esposa muito bonita – chamada Bate-Seba -, quis o destino que em uma certa tarde quando fazia um passeio, o Rei desse de cara com a linda garota se banhando, louco de amor, a chamou ao seu palácio, mesmo sabendo que era a esposa de Urias, Davi teve relações com Bate-Seba. Não satisfeito o rei bíblico ainda enviou Urias junto ao exército israelita para lutar contra os Amonitas, Urias foi na linha de frente, a intenção do Rei era fazer que o soldado batesse as botas para que ele pudesse desfrutar de forma tranquila dos incontáveis prazeres das carnes da sua linda esposa. Se até a Bíblia traz estes relatos, imagine o que não tem acontecido neste mundão de lá pra cá? O Rei Davi era rico e poderoso, porém, quem não nasce com estes “predicados” é obrigado a usar a arma que possui. Como diz o bardo Zé Ramalho: “Quem tem o mel dá o mel, quem tem o fel dá o fel, quem nada tem nada dá”. Foi o que se sucedeu com um caboclinho chamado Bentinho que viveu no Porto de Santa Cruz nos meados de 1950. Este rapaz ficou famoso por se especializar em bulir com as mulheres alheias. Bentinho era filho do curador Onofre Mangangá e de Dona Modesta. Quando completou dezessete anos de idade, insatisfeito com o marasmo do povoado, juntou os seus “panos de bunda” e na calada da noite, caiu na lapa do mundo, tendo, obviamente, o cuidado de afanar alguns trocados da algibeira do seu pai fugindo no escuro da madrugada em direção à cidade de “Sonpalo”. Depois de um intensivão de onze meses na capital bandeirantes, voltou ao Porto trazendo um óculos escuro, um relógio de pulso, um rádio de pilha novo, um chapéu de peninha e uma mala cheia de mungangas! É, o camaradinha voltou dando nó em pingo de água. Assim que chegou e os moradores do povoado butucaram os zóios nele, já foram logo percebendo que o pacato caboclinho que eles conheciam estava mais mudado que calango apaixonado. Para muitos, Bentinho até que era um bom menino, antes da experiência paulistana, o jovem só andava na companhia dos amigos João Desdentado, Pedro Cara-de-Peru e Miguelim Riso-Frouxo, ao retornar modificado, Bentinho passou a ser taxado no povoado como “maconheiro safado”. Nem os antigos amigos o suportavam mais. A cereja do bolo era que o moço não aguentava ver um rabo-de-saia passar na sua frente (podia ser casada, solteira ou viúva), para já ir “tomando boca”. – “Eita mundão véi de meu Deus”! Vai ser boa assim lá em casa! – Dizia assediando as donzelas e as não tão donzelas assim. – Esta é a nora que minha mãe sempre sonhou! – Falava para outra que cruzava o seu caminho. Tomava tanta boca com as mulheres que a comunidade se viu na obrigação de fazer uma reclamação formal para os seus pais.

Na concepção de Bentinho, o simples fato dele ter vivido por alguns meses na Paulicéia Desvairada lhe dava o direito de pensar que fosse o homem mais bonito, mais elegante e mais charmoso daquele torrão, sendo assim, qual mulher resistiria um homem daqueles? Casada ou comprometida – na cabeça dele – era apenas um mero detalhe.  Quando uma ou outra nativa dava sopa ela agarrava e lascava logo um beijo na boca. Não podia perder tempo. Umas gostavam, outras nem tanto, porém, a autoestima do caboclo era maior que a mula de Jandira de Zumirão.

Depois que voltou de “Sonpalo”, o caboclo não queria fazer mais nada na vida. Vestia as suas famosas calças “curinga”, seu pente de osso, lambuzava os cabelos de brilhantina, fumava “unzinho” detrás da moita de quiabento e passava o dia “inteirizim” sentado no balcão do bar de João Saracura tomando suas lapadas de canjebrina. Não foi que de uma hora para outra Bentinho não deu de se enrabichar para os lados de Nalvinha de Bastião Carreiro? Nalvinha era uma fogosa morena agateada, corpo cheio de sinuosidades, andava descalça pelas ruas do Porto sempre com o seu vestidinho de chita florido moldando a sua silhueta!  Bastião era um velho e pacato senhor, dez anos mais velho que Nalvinha, trabalhador feito o “diabo”, direito ao extremo nos seus negócios e imensuravelmente considerado em toda região, porém, ciumava até da sombra da esposa. Andava o dia inteirinho tocando a sua junta de boi em direção à olaria que possuía, produzindo telhas e tijolos. Já Bentinho era o oposto de Bastião. Boa pinta, corpo atlético, bigodinho aparado na base da tesoura, cabelos arrumados com brilhantina e detentor de uma ludibriosa lábia entrelaçada à generosas doses de mentiras. Ao conversar, era sempre muito gesticulador e saltitante. Adorava estufar o peito coberto por uma camisa de malha branca pra lá de apertada, com as mangas criteriosamente dobradas, imitando o ator James Dean.  Para incrementar ainda mais o visual de “moderninho”, Bentinho usava um par de “butina” de couro pintadas de amarelo, combinando com a calça “meio-coronha”. Esse era o último “grito” da moda no povoado do Porto da Santa Cruz. Com todo esse “mecanismo” enganador, não foi que o malandro de uma hora para outra resolveu contar uns “pissilones bem no pé-do-zuvido” da fogosa Nalvinha?  Não demorou muito para obter o resultado desejado, logo, lá estavam eles, felizes iguais pintos no lixão, “navegando” histericamente nos lençóis de cambraia da cama de Bastião Carreiro.

– Ah, amor! Eu sou louca de pedra, não sou? Como posso trair o meu pobre velhinho? O bichinho é tão trabalhador!… – Dizia a jovem entrelaçando os quartos no corpo malhado de Bentinho. – A vida é feita de oportunidades, meu chuchuzinho!  Ele não lhe dá carinho, eu dou. Ele não lhe dá amor, eu dou. Ele não lhe dá prazer, eu dou. É por isso que estamos aqui. Quem mandou ele deixar uma lapa de “muié” como “ocê”, sozinha? – A conversa excitava ainda mais a assanhada da Nalvinha. Pelo jeito o negócio foi tão bom para ambos que a partir daquele dia, “religiosamente”, assim que Bastião se despedia afetuosamente da esposa (estalando um sonoro beijo na testa), mal dava as costas e lá vinha Bentinho, saltitante feito um bode catingueiro, adentrando sorrateiramente à alcova de Nalvinha. Ficava das oito da manhã até um pouco antes do meio-dia, quando – segundo os vizinhos – saía tranquilamente assobiando uma antiga canção de Frank Sinatra e penteando os cabelos com o seu pente de estimação!

Em certas manhãs, Nalvinha entrelaçava as coxas no “boyzin” e gemia tão sofregamente que os vizinhos, incomodados, já estavam a ponto de levar um abaixo-assinado ao coronel Candin – Manda-Chuva do povoado -, embora, fosse sabido por todos que a maioria se reunia ali apenas para ouvir os excitantes sussurros da esposa de Bastião.

Alas que um belo dia, Malaquias de Senhora Dona, conversadorzim feito o “diabo”, tomou suas duas talagadas de pinga e saiu espalhando em todo o povoado que a cabeça de Bastião Carreiro estava mais “decorada” que “touca de toureiro”! Ao ouvir, João de Luzia, um fervoroso católico, resolveu ir pessoalmente constatar a veracidade dos fatos. Reza a lenda que o cristão ficou mais de duas horas de relógio com o ouvido colado na parede-meia da vizinha casa de Antenor, ouvindo petrificado os gemidos descontrolados da garota. Quem estava lá contou que o velho senhor parecia até estar gostando do sucedido, já que ouviu tudinho sem dar, sequer, uma piscada. Só tirou o ouvido da parede quando a peleja foi finalizada. Atônito, saiu desorientado pelas ruas, quando por coincidência, deparou com o velho Bastião tocando a sua junta de bois, trazendo tijolos da sua olaria. Sem saber o que dizer, falou a primeira coisa que lhe veio à boca:

– Bastião, acho que Nalvinha, sua “muié” está passando mal, está uma gritaria disgramada lá dentro da sua casa. Vá lá, “home” de Deus! Vá lá ver o que está acontecendo! –  Ao ouvir o relato, Bastião que sabia que João de Luzia não era homem de mentira, largou seu carro de boi no meio da rua e picou a mula em direção à sua morada. Ao chegar antes do horário de costume, surpreendeu os dois amantes em sua própria cama, nus como vieram ao mundo, inteiramente desprevenidos e mais enroscados que rama de chuchu em cerca de vara.

– Nalva de Deus! Que “vancê” tá “fazeno”, mas ele”?

– Ai, meu Deus, Bastião! Ainda nem deu meio-dia, o que “ocê” tá fazendo aqui? – Às vezes, os gestos respondem por si. Bastião viu, mas não quis acreditar. Aliás, acreditou foi em Nalvinha, sua – ainda – “doce esposa”, que desesperada, falou que foi “forçada” pelo escroto do Bentinho a fazer aquelas severgonhices, embora, não conseguisse explicar direito o que fazia inteiramente pelada e completamente descabelada cavalgando em cima do “boyzin”. Mas, marido que se preza, acredita mesmo é na esposa. Bastião, forte feito um touro e pra lá de furioso deu uma “pêa” de chicote tão “lascada” no lombo de Bentinho que ele só não “bateu as botas e esticou as canelas” ali mesmo porque foi “acudido” às pressas e tratado com salmoura de sal grosso e óleo de girassol. Ficou acamado por duas semanas e meia, tratado delicadamente por Dona Modesta, sua mãe, que fez até a promessa de caso o filho dela voltasse a andar acender velas na Loca de Sá Judite que era um santuário localizado bem na beira do Rio Pardo.

Depois desse dia, Bentinho baixou o facho, passou a andar todo escabreado e quando por um motivo ou outro enxergava mesmo de longe o velho Bastião Carreiro, arrumava um compromisso inadiável e “caía na lapa do mundo”. Bastião e Nalvinha viveram felizes até o final dos seus dias.

FIM

Luiz Carlos Figueiredo

Escritor e Poeta

Cândido Sales, Bahia. Quadras de dezembro de 2022. Minguante de Primavera.