SANTA CRUZ DO SANTO PORTO E AS SUAS HISTÓRIAS SURREAIS.
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SANTA CRUZ DO SANTO PORTO E AS SUAS HISTÓRIAS SURREAIS.

Em meados de 1950, o povoado do Porto tinha o mais próspero comércio da nossa região. Sua agricultura vigorosa turbinava socialmente vários fazendeiros da região. Eis que um belo dia um andarilho maltrapilho e rasgado, chegou com os “apetrechos” nas costas na fazendinha dos “Morais”, que ficava incrustada no pé de uma serra seca e cinzenta. Terra ruim de terreno irregular, repleto de pedregulhos e areia, pouca água para plantação e sem nenhum valor comercial. – Louvado seja o meu Cristo Senhor! – Saudou o jovem moribundo já meio sem voz!

– Para sempre seja Deus louvado, moribundo. O que o traz por estas bandas? – Respondeu Sarapião Morais ao lado da sua mulher Rebeca e da sua filha Mariazinha de 14 anos. Mariazinha era linda de doer, uma menina-moça de seios fartos, curvas voluptuosas, dentes claros e cabelos negros e sedosos. – Venho das bandas da Vila do Poção, meu senhor. Há vários dias padeço na minha caminhada. Sou “trabaiadô” e temente a Deus! Dê-me guarida, pelas graças do “Sinhô” que lhe darei um adjutório na sua rocinha! Acolha-me no teu “santo lar” que em troca lhe dou o meu respeito e o meu suor…  – O forasteiro era jovem e forte, tinha uns 25 anos, mais ou menos, cabelos crespos, olhos claros, altura mediana e forte feito um touro. Trazia o nome não “assentado” de Joaquim dos Santos, fisicamente atraente (apesar das vestes e dos pés descalços), logo “caiu nas graças da família”, em especial, das mulheres, ficando completamente apaixonado pela menina.  Em pouco tempo, o rapaz cumprira o que prometera, metendo “os ferros” na terra e o que antes gerava apenas mato e ervas daninha, passou a produzir mandioca, feijão de corda, amendoim, macaxeira, melancia e uma infinidade de hortaliças que de tão fartas, passaram a serem vendidas na feira livre.  Em pouco mais de seis meses, Sarapião começou a progredir. Comprou uma dupla de jumentos, uma vaca leiteira, duas cabras e um bode, uma dúzia de galinhas “poedeira” e uma égua de raça, que tinha a incumbência de levá-lo diariamente ao povoado. Após um ano, Mariazinha estava ainda mais linda, do alto dos seus 15 aninhos era assediada diariamente por inúmeros pretendentes, encantados pelos seios firmes e empinados e pelos belos olhos repuxados da garota. As suas ancas carnudas eram de cair o queixo. A sua voz aveludada, adocicada e sensual desconcertava completamente os admiradores. Falava pausadamente, mastigando as palavras com os seus dentes perfeitos. Quando os pais iam à missa ou à feira, Joaquim arrumava uma desculpa para se aproximar da garota, muitas vezes, sua “atenção” era retribuída por um roçar de coxas, uma encostadinha de seios ou um carinho inocente… À medida que a garota se transformava em mulher, o caboclinho ainda mais apaixonado sonhava em tê-la como esposa, queria possuir uma terrinha, ter um lote de filhos e progredir na vida. Pensando assim, todo santo dia o homem metia os ferros na terra, plantando, arando, colhendo e dobrando a produção. O segredo do moço era observar escondido no milharal, o banho matinal de Mariazinha nas águas límpidas do pequeno córrego – um dos afluentes do Rio Pardo. Esta visão fabulosa o deixava completamente extasiado. Assim que ela descia em direção ao riacho, o caboclo, sutil como um bode catingueiro, saía saltitando atrás, sem fazer barulho, escondendo-se em meio à vegetação. Oculto e com os olhos butucados, Joaquim olhava excitado o corpo mais perfeito que já vira na vida. Perdia o fôlego quando via a mocinha se despir lentamente das vestes – peça por peça – e feito uma “deusa”, adentrar lentamente o pequeno riacho. Queria – se pudesse – parar o tempo para eternizar aquele momento. Desolava-se ao ver as águas cobrirem aquele monumento que a “mãe-natureza tão perfeitamente esculpira”. Ficava literalmente enrijecido diante da visão, os olhos “esbugalhavam”, as veias saltavam-lhe pescoço a fora, sua boca se abria de forma descomunal, seus dedos endureciam lentamente e sua língua era impelida boca afora expelindo uma baba gosmenta… No riacho a garota fechava os olhos e caía de costas na água, bem lentamente, de forma quase imperceptível. Depois de algum tempo, emergia com uma delicadeza indescritível, voltando à tona ainda mais bela! Os longos cabelos negros (e molhados) davam-lhe uma beleza surreal!

Escondido no matagal, Joaquim se contorcia, com o “fogo da paixão” a lhe devorar vorazmente as entranhas. Caía no chão, rolava feito um jegue espojando, revirava os olhos em êxtase diante do espetáculo cruel e fabuloso… As mãos de Joaquim diante do atrito com o seu próprio corpo emanava um ardor fumegante, enquanto a baba nojenta pingava boca afora. Mesmo diante de todo este sofrimento ele conseguia abafar os gemidos, evitando que Mariazinha o ouvisse. A paixão era tanta que os seus tímpanos pareceriam estourar… Os olhos “esbugalhavam-se” enquanto o seu coração ficava completamente descompassado. A imagem da jovem pelada, com os bicos dos seios empinados, tais quais duas lanças pontiagudas apontando em sua direção, fazia Joaquim chegar ao clímax do desejo, assim, caía desfalecido na relva, com as mãos umedecidas. Assim que Mariazinha saía da água, bailando feito uma sereia, secava-se sem pressa e vestia-se lentamente, peça por peça. Ah se ela pudesse ver o seu quase-irmão Joaquim, “desfalecido” na relva, escondido em meio ao capim. Deformado pelo prazer, cujo corpo esvaía-se em uma baba espessa e fétida, virando os olhos como um epilético, preso em um corpo ensandecido que gemia compulsivamente… Depois que a garota partia, sua respiração continuava descompassada, tal qual um touro raivoso na arena… Depois de algum tempo deitado e ofegante, o prazer dava lugar à dor, uma dor tão cruel que dilacerava lhe a alma! Constatando que a moça já se encontrava distante, Joaquim se ajoelhava soltando um grito medonho e aterrador para em seguida correr ensandecido em meio à plantação, derrubando violentamente, o que achava pela frente.

Eis que uma bela tarde chegou a trágica notícia que Mariazinha fora pedida em casamento pelo filho de um dos maiores grã-finos da região. Ao saber da notícia, Joaquim, louco de ciúmes, correu desesperado para o riacho e ao chegar à beira do córrego, passou a rolar na lama como um jumento ensandecido.  Desesperado e todo rasgado, o matuto abriu o peito em um grito tão aterrador, que muito gente achou que fosse um lobisomem! Após ficar o dia e a noite “socado” no mato, chorando compulsivamente, o caboclo dormiu agarrado à uma moita de capim. Quando o dia raiou, ele lavou no riacho o rosto inchado e se dirigiu sorrateiramente até a casa grande onde constatou que os pais da menina havia saído para  tratar do noivado da filha. Pé ante pé adentrou a casa, se escondendo atrás das cortinas do quarto da garota, deitada tranquilamente com uma camisola transparente ela não percebeu a presença nefasta.  Enlouquecido, o matuto tal qual um felino, saltou em cima da garota, tapando-lhe a boca com uma das mãos, e, com a outra, já foi desabotoando a calça e consumando grosseiramente o ato.

Mariazinha só se lembra dos seus pais terem ido naquela manhã “negociar” o seu noivado com o filho do coronel Alberto Barbosa. Sabia que era um jovem doutor que estudava em São Salvador. O senhor Alberto – pai do jovem –   e dona Odília Barbosa sempre tiveram um imenso carinho por ela e pela sua família. Um Doutor de cidade grande não podia ser uma pessoa ruim, e, além das posses que tinha, Albertinho (que ela tinha visto em um retrato) não era tão feio assim. Envolta em seus pensamentos, nos primeiros raios da manhã, eis que ela vê sua cortina ser violentamente rasgada, com um “bicho irreconhecível” lhe atacando em plena cama. Assombrada, ainda tentou reconhecer no estuprador o seu “quase irmão” Joaquim. Incrédula, negou-se a acreditar o que o seu “amado irmão” estava ali diante dela, furioso e agressivo, com  a testa enrugada, dentes retorcidos, olhos “esbugalhados” e expelindo grotescamente uma baba nojenta que “queimava” impiedosamente a sua pele. Diante dos grunhidos aterrorizantes a jovem se viu atacada por este “animal que pulava violentamente sobre ela, dando-lhe socos e pontapés. Sangrando, testemunhou a sua camisola ser grotescamente rasgada. Tentou gritar, mas, outro soco, ainda mais violento, deixou-a, meio que desfalecida. Mariazinha sentiu sua “calçola” ser “estourada”, sentiu suas pernas serem abertas e viu a sua “honra” ser literalmente dilacerada por um membro descomunal e fedorento, fazendo o sangue jorrar. Jogada ao chão, observou o homem que a ela considerava deixá-la toda lambuzada de um líquido espesso e viscoso e ofegante, pegar suas tralhas, jogar em uma “capanga”, pegar a cartucheira de Sarapião e em seguida sair desembestado, montado no jumento Serafim. Mariazinha não sabe quanto tempo ficou desfalecida, sangrando e seminua, caída no chão do quarto. Mal se lembra quando os seus pais chegaram e a acudiram aos gritos. Sentiu todo o desespero da sua mãe chorando e gritando diante de todo o sangue existente no quarto. Sarapião mal podia acreditar que o homem que tanto lhe ajudara e que ele tanto ajudou fosse capaz de cometer aquela atrocidade. Atônito, pegou suas duas pistolas, um facão bem amolado, duas “facas peixeira” (meteu uma em cada bota) juntou-se com alguns vizinhos – todos bem armados – e aproveitando a égua ainda encilhada na porta da casa, saiu desembestado à procura do “animal” que fizera mal à sua filha!

A notícia correu rapidamente e vários vaqueiros juntaram-se à Sarapião na caça ao matuto. Depois de um dia inteiro de procura, aconselhado por amigos, o pequeno fazendeiro resolveu procurar o coronel Cândido Sales. Na época, era quem mandava em toda a região. Chegou à fazenda do coronel quase no final do dia. “Desapiou” e respeitosamente relatou o sucedido ao coronel que confirmou que a notícia já havia se espalhado. Derotides e Neco eram os homens da confiança do coronel, famosos por perseguirem desafetos. Derotides, era o mais alto, magro e calado, era sempre o mais agressivo! Neco, em contraponto, aparentava ser um pouco mais calmo, mas, juntos, eram quase imbatíveis! Naquela mesma noite, Joaquim foi capturado vivo pela dupla, e diante dos olhares estupefatos de Mariazinha e família, foi amarrado no terreiro da Fazenda do coronel com os braços e as pernas abertos, tendo sua genitália amarrados com arame farpado. Joaquim entrou para a história por ter sido o primeiro homem a ser castrado pelo Coronel Candin, embora, as más línguas afirmem com relativa convicção que o que houve foi uma autocastração. Joaquim fugiu deixando as bolas penduradas. O que se sabe foi que a partir daquela data  o coronel Cândido ganhou a alcunha de “Candim Capadô”.

FIM

Luiz Carlos Figueiredo

Escritor e Poeta

Cândido Sales, Bahia. Setembro de 2023. Minguante de Inverno.