QUEM DESFAZ, QUER COMPRAR…
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QUEM DESFAZ, QUER COMPRAR…

Antonico nunca foi uma pessoa muito simpática, nascido e criado neste torrão, desde “pequerruchinho” que o moleque já era pirracento. Cresceu sendo rejeitado pelos pais e ignorado pelos amigos. O sonho de consumo do rapazola quando chegou aos 18 era arranjar uma namorada de qualquer jeito, como era uma empreitada difícil – já que a maioria das “donzelas” daqui não ia lá muito com a sua fachada -, o jeito que ele achou de se fazer notar foi sair falando mal de Deus e do mundo. Descia a língua sem dó nem piedade!

– “Cêis” viram? Maria de Sá Joaninha está botando “gaia” em Robertão e o bestão está pensando “inté” em se “casá”. Há, há, há… Tem noivo que é cego! – Em tempos de marasmo uma boa fofoca era sempre bem-vinda, porém, era público e notório que o moço passava do ponto ao falar da vida alheia. De fofoca em fofoca, logo, quem era socialmente desprezado foi galgando um considerável prestígio social. – Rapaz, Zé de Tota só n’um virou “difunto pruquê” correu mais ligeiro que a peste. Apôis “Manelim Carreiro” num pegou o diabo do “home intrelaçado” dentro das coxas da esposa Raimunda? Assombrando o “gostosão” pulou uma cerca de arame farpado de todo tamanho pra escapar da peixeira de Manelim. – Esforçado feito o diabo, Antonico (contrariando os prognósticos) não conseguiu um trabalho no escritório de Seu Vicente? Rezava a lenda que o velho adorava fuxico, por isso achou melhor colocar o maior arengueiro da cidade ali do seu lado para ficar atualizado. Neste escritório trabalhava (o dono) Seu Vicente, o gerente Juvêncio, o office-boy Zé de Tonha e a contadora boazuda, Cremilda. Moço, a tal da Cremilda faltava incendiar o lugarejo. Quando botava sua minissaia de lycra e saía rebolando de salto alto, nego prendia até a respiração. Em pouco tempo, o safado do Antonico descobriu que a contadora era uma predadora nata, dava pra todo mundo do escritório e quando estava de folga dava para os clientes, embora, a preferência fosse sempre Seu Vicente. Nos bares da vida o assunto principal do fuxiqueiro era Cremilda.

– Rapaz, aquela mulher gosta mais de taca que macaco de banana! Olha que seu Vicente já tem quase setenta anos e ela ainda faz questão de dar pro “véi”. Se Dona Fulgência descobrir o negócio vai feder. A véa é braba. Dia destes ela foi lá e falou um monte de “pisilone” pra ele que ficou foi “caladim”, não disse uma vírgula. Cremilda é galinha demais, sô, não aguenta ver macho que pula em cima. “Isturdia” ela estava lá no banheiro apalpando Zé de Tonha que é meio retardado e mija nas calças. Se não dispensa Zé de Tonha, o office-boy, imagina o resto? – De tanto ouvir reclamações, João de Pedro interviu:

– Sabe Antonico, estou começando a achar que tu tá “mermo” é “cum” ciúme de Cremilda! A moça dá inté pro office-boy mijão e “num” dá pra “ocê”? Tu tá é despeitado com ela. Quem desfaz quer comprá, ela pode “inté” ser “galinha”, mas que é um baita de um “peixão” é. É uma “mulé bunita” da gota. Ah se ela me desse bola!  – Questionado, Antonico desconversava, mas não parava de descer a pêa na colega. – Rapaz, se eu quiser eu arranjo coisa “mió”? “Inté” admito que ela é bonita, agora, eu lá vou querer uma “muié” que se deita com Deus e o mundo?  Galinha eu gosto mesmo é no prato! – Enquanto Cremilda deitava e rolava (literalmente), Antonico metia a língua nela pelas costas (não de forma literal, óbvio).  Alas que um belo dia uma notícia caiu feito uma bomba. O jovem fuxiqueiro estaria apaixonado pela moça mais “namoradeira” (e falada) da cidade, inclusive, pensando em juntar os troços. Em uma noite de domingo João de Pedro flagrou o fofoqueiro aos beijos e amassos com a contadora. Apesar do relacionamento sério, Cremilda continuava traçando quem aparecia pela frente, incluindo aí o office-boy autista e mijão.

– Rapaz, é verdade mesmo, o garganteiro tá levando chifres até de Zé de Tonha, imagine dos outros? Cremilda está se vingando. Vai ver que ela sabia que ele saía pelos bares da vida lhe difamando e está dando o troco.

– Será? Sei não. Quem cospe pra cima está sujeito a receber cusparada de volta. Acho que ele sempre foi apaixonado por Cremilda. – Dizia Ozorino. – Oia, acho que esta menina fez algum feitiço pra ele arriar os pneus desse jeito. Estou até com medo deles se casarem. Se ela continuar chifrando depois do matrimônio eu tenho pra mim que ele mata ela e o amante. Antonico é sonso e se tem um povo bravo é o tal do sonso.

– Matar? Só se for com os chifres. – Reliava João de Pedro. – Aquilo não tem coragem de matar nem varejeira, imagina pessoas? – Não foi que Antonico pediu a moça em casamento? Foi. Ela até que relutou, falou com todas as letras que não o amava, que não nascera para um homem só, que gostava mesmo era de sair com dois, três na mesma noite, porém, diante das lágrimas e da promessa de joelhos que se isso acontecesse ele entenderia, Cremilda aceitou. Bastou a notícia vazar para a comunidade incrédula comparecer ao matrimônio. Lá estava para quem quisesse ver… Cremilda, linda de morrer com um vestido branco, justinho e transparente, revelando as suas curvas para a renca de amantes ali presente, enquanto Antonico todo empetecado, fugia (igual o diabo da cruz) de João Pedro e dos que não foram convidados (mas compareceram), deixando o linguarudo constrangido. A cerimônia foi feita a toque de caixa. Na hora de beijar a noiva metade da igreja viu a piscadela safada que ela deu na direção de Seu Vicente que abriu um sorrisão deste tamanho. Casamento realizado, fila para cumprimentos, beijos, abraços, desejos e lá foi o casal morar na casa emprestada por seu Vicente que dizia ter uma grande estima pelos seus funcionários. Um mês de convivência e ao chegar mais cedo em casa Antonico flagrou o patrão fungando ensandecidamente no cangote de Cremilda que completamente descontrolada, arrancava literalmente os cabelos e gritava feito uma aluada. Para não causar constrangimento, Antonico ignorou a cena, voltou na ponta dos pés para o buteco de Saracura. Perturbado ficou até meia-noite na rua enchendo a cara, bebendo tudo quanto há, de canjebrina a jurubeba. Retornou pra casa de madrugada, encontrando a sua gentil esposa exausta, repousando nua em pelo na cama que Seu Vicente deitara. Ao perceber o marido chateado, Cremilda tacou-lhe um beijão estalado fazendo que Antonico (com um apetite voraz) pulasse sobre ela e virasse a noite no funga-funga, indo (ambos) trabalhar no dia seguinte pra lá de sonolentos. Assim, sempre que voltava pra casa o ex-linguarudo tinha o cuidado de dar uma olhada mais detalhada para não passar novamente por aquele constrangimento. Enquanto a vida seguia, Antonico fingia, assim, o casamento ia de vento em popa. Certa feita ele chegou em casa mais cedo e não encontrou a esposa. Deitou-se sozinho e de madrugada a viu chegar acompanhada. Fingindo dormir e com os olhos entreabertos testemunhou o beijo sôfrego que a esposa deu no gerente Juvêncio ali mesmo no seu quarto. Após a troca de caricias pra lá de ardentes, Juvêncio ainda teve a petulância de meter a mão por baixo da saia da moça e deixá-la completamente enlouquecida. Desolado, Antonico chorou feito uma criança, porém, preferiu não demonstrar o que vira. Virou a noite em claro fingindo dormir. Na manhã seguinte teve uma conversa séria com a esposa. Irritada, Cremilda botou as cartas na mesa: – Eu lhe falei que não nasci pra ser de um homem só, não foi? Se estiver insatisfeito pegue os seus panos de bunda e cape o gato! – O amor falou mais alto e Antonico recuou. – Tá bom, amor, tá bom, bota um cafezinho pra seu maridinho, bota! – Ele não sabia porque, mas o café da esposa lhe dava uma paz impressionante. Ele podia estar completamente enfezado que quando bebia o café, ficava extremamente relaxado. A gota d’água veio quando ele flagrou a esposa e o mijão do Zé de Tonha se divertindo no seu sofá, com Cremilda usando o “instrumento” mal lavado do autista para brincar de “pega-mosca. Ao ver a cena, Antonico saiu do prumo e só não garguelou o office-boy porque a esposa interveio. –  Que é isso, Antonico. Endoidou? Agredindo um colega de trabalho? Quer ser demitido? – Nervoso o arengueiro queria porque queria bater no pobre coitado. – Dá pro outros eu até aceito, mas pra este “bocomôco” retardado eu não aceito não, aí já é humilhação demais! – Cínica, Cremilda ria do desespero do marido. – Você já viu o tamanho do “brinquedinho” de Zezim? Dá dois do seu. Os incomodados que se mudem. A porta tá aberta se não estiver satisfeito pode cair fora. – Sem opção, Antonico correu pra cozinha e bebeu seu inestimável café. À medida que o tempo ia passando a coisa ia ficando insustentável. Ninguém se escondia mais para trair o pobre do Antonico. Seu Vicente, por exemplo, terminava e já ia direto pro bar beber ao lado do marido traído e depressivo. Como cavaleiro que era, tinha a decência de pagar a conta todinha. Quando por um motivo ou outro o caboclo tinha uma crise de infezação, Cremilda dava um ou dois golinhos do seu inigualável café pra ele se acalmar.

Um belo dia, Antonico acordou no meio da noite e não encontrou a esposa do seu lado, foi no quintal e flagrou a devassa nos braços do reliento do João Pedro. – Até você, seu canalha? Vou lhe matar!  – Ao ver o amigo gaiato traçando Cremilda, Antonico partiu pra cima, se atracaram e desceram rolando rua abaixo com João Pedro e Cremilda – completamente nus – no meio da briga. Foi um escândalo. O que todos já sabia ficou escancarado. Alas que com muito custo a esposa conseguiu levar o traído pra casa e após duas boas xícaras de café Antonico dormiu o sono dos justos.

No dia seguinte, o moço acorda quase nove da manhã, um gosto terrível de cabo de guarda-chuva na boca e ao entrar na cozinha dá com a esposa coando o seu café… ao ver a cena, o infeliz butucou os zóios, ficou vermelho e balbuciou com a voz trêmula:

– Mulher de Deus, o que você tá fazendo?  Coando o café na calcinha? Que diabo é isso?  – Sim. Coava o café milagroso na calcinha de rendinha que ele adorava… Reza a lenda que café coado na calcinha prende pra sempre o marido. Só que ao flagrar a esposa coando o seu café, Antonico quebrou encanto e imediatamente reconquistou a sua liberdade. Diante do desespero da esposa que não se conformava com a descoberta, o infeliz foi até o seu quarto, juntou as suas tralhas, jogou dentro de uma fronha e saiu de casa andando à passos largos, se separando definitivamente da traidora.

Antonico nunca mais quis saber de mulher e Cremilda viveria solteira o resto dos seus dias. Nunca mais encontrou um parceiro.

 

FIM

Luiz Carlos Figueiredo

Escritor e Poeta.

Cândido Sales, Bahia. Quadras de maio de 2024. Lua cheia de Outono.