Autor: Danilo Sili Borges
Aprendi que frente a uma situação de dificuldade, antes de tentar partir para solucioná-la, na ânsia de tirar da cabeça e da responsabilidade a preocupação, o que cabe é formular as perguntas certas a respeito do fato, muitas vezes inesperado. Uso esse artifício no dia a dia e na profissão.
“A prática do cachimbo faz a boca torta”, como se dizia na época em que o perfumado tabaco ia no contorcido apetrecho. Tive uma coleção dos apreciados Dunhill, alguns adquiridos, a maior parte recebida de amigos que me traziam de presente. Como não éramos chefes-de-estado, não tivemos que explicar nada a ninguém. A boca torta, eu a tenho de nascença, quer para questionar, quer para dar trabalho extra ao meu dentista e amigo, Afonso Silveira, para ajustar os implantes dentários, com a articulação das mandíbulas, tipo “mordida cruzada”, como os odontólogos a classificam.
Um pai que teve o filho assassinado na brutalidade da quarta-feira, em Blumenau, disse emocionado que ele só quer justiça. A partir disso pus-me a perguntar: Que pena cabe ao agente do massacre perpetrado na creche?
“Então, Herodes, vendo que tinha sido iludido pelos Magos, irritou-se muito e mandou matar todos os meninos que havia em Belém e em todos os seus contornos, de dois anos para baixo, segundo o tempo que diligentemente inquirira dos Magos.” (Mateus 2:16).
A história do massacre determinada pelo rei Herodes, na época do nascimento de Jesus, causou-me nos meus contatos infantis com o cristianismo a indignação com a impiedade de um ser humano, que por ser informado, que por aquela época, deveria ter nascido o verdadeiro Rei dos Judeus, a partir da visita dos Reis Magos, estes dotados de poderes especiais, e vendo em risco o seu reinado, no futuro, resolve eliminar todos os meninos de tenra idade.
Durante dois milênios, a História e cada um de nós tem julgado Herodes. Pelo medo de perder o reino, um crime hediondo, que nos causa horror, como me causou, nas aulas de catecismo. Torpe, mas Herodes tinha seus objetivos.
A justiça não pode prescindir do conhecimento dos motivos que levam ao ato criminoso. Posso entender, não justificar, mas perceber um encadeamento lógico no crime da filha que idealizou a morte de seus pais pelo namorado. Havia desentendimentos por não aprovação do namoro, antecipação da herança, desejo de liberdade.
Com grande dificuldade, sou capaz de ver um adolescente mentalmente perturbado, usuário de drogas, estar ressentido com uma velha professora de 71, que há dias o havia repreendido, e que dentro dos meandros da mente doentia vingar-se dela e do contexto representado pela escola.
Posso entender, não justificar, mas estabelecer vínculos de lógica, entre ações violentas, chegando ao assassinato de inocentes por adolescentes perturbados, provavelmente usuários de drogas, humilhados por bullying e talvez incapazes de atender a requisitos mínimos intelectuais e emocionais para o sucesso social e profissional, se insurgirem contra seu grupo próximo e cometerem atos transloucados. Havia razões, insensatas, mas razões.
Lógicas doentias, particulares, advindas das profundezas de almas feridas ou naturalmente deturpadas, não sei, têm tornado recorrentes os casos de violência a escolas e a locais de concentração pública no país e no exterior, a procurar explicações.
Mas que tipo de frustração, que condição mental pode levar alguém à ação preconcebida contra crianças da mais tenra idade? Por quê?
Se questionar é o caminho para chegar à compreensão, tenho procurado as manifestações dos entendidos – os doutos e as autoridades – uns para explicarem, outros para estancarem esse morticínio.
Onde estamos errando? Esta sociedade – a mundial, a nacional, a local – está se tornando o criatório de seres deturpados capazes de ações com tal grau de … Ia usar o termo maldade, mas ações desse tipo estão além do mal, não há termo nos códigos e dicionários, para enquadrá-las, elas estão além – ou aquém – do que é humano, simplesmente porque não há, ou eu particularmente, não consigo, usando o máximo de imaginação, visualizar a racionalidade característica da espécie.
Até os loucos seguem uma lógica. Vejam que no caso de Blumenau o atacante saiu pela porta da frente da escola, voltou à sua motocicleta e foi se apresentar ao batalhão policial, declarando seus atos. Houve ali sequência de atos pensados, lógicos, de defesa, visando que ao ser identificado não fosse morto. Ele foi à polícia em busca de proteção, ato de pura lucidez.
Eu não conheço a resposta ao porquê, do título, e pelo que vejo ninguém conhece.
O presidente mandou liberar 150 milhões de reais para aumentar a vigilância nas escolas, divulgando o fato pela imprensa. A quantia é irrisória para o objetivo, além de inócua. A questão não é policial.
O Ministro da Justiça atribuiu o aumento da violência às redes sociais e, portanto, a necessidade de controlá-las. Aproveitou o fato para defender sua tese de controle da mídia.
Alguns veículos de comunicação, associaram os últimos ataques às escolas (São Paulo e Blumenau) à liberação do uso de armas de fogo, apesar de terem, os dois atentados, sido cometidos com armas brancas.
Alega-se que há forte potencial de contaminação nesse tipo de acontecimento e que a mídia fez um acordo tácito em comentá-los pouco, numa espécie de colocá-los sob uma cortina de fumaça, o que pode significar, também, não procurar entendê-los, até o próximo episódio.
Eu não tenho respostas, só “Por quês?”
Crônicas da Madrugada
Brasília, abril de 2023