PENSE AÍ N’UM HOMEM AZARADO!…
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PENSE AÍ N’UM HOMEM AZARADO!…

– Vai se lascar, mãe!
1968, Bar de Faé, partida duríssima de sinuca valendo cem contos,
Maximínio suando em bicas, perdendo todo o dinheiro que ganhara
durante a semana desenvolvendo o ofício de mecânico para um
forasteiro malandro e bon-vivant, conhecido pela alcunha de Cigano
e que vivia de jogatinas. Após passar a bola 7 que lhe manteria vivo
no jogo, Massu atribuiu a culpa (por estar perdendo) à sua santa
mãezinha e soltou os cachorros pra cima da pobre coitada. Voltemos
um pouco no tempo para uma melhor compreensão desta história.
Já contei aqui mesmo neste espaço, uma renca de histórias de
futebol, geralmente louvando o glorioso escrete de Nova Conquista
que entre os anos 1950 e 1970 era a fonte de alegria este torrão,
derrotando uma renca de adversários. Neste tempo, todo domingo era
dia de festa, o povo vestia as suas melhores vestes para irem ao
Estádio Augusto Flores, o campinho de terra batida localizado na Rua
Zé Porto e que existiu até o final do século passado. Durante os
jogos, este campo era cercado por cordas e demarcado com cal, as
traves feitas de madeira eram pintadas de branco. Redes já era um
artigo mais luxuoso e só veio dar as caras por aqui lá no final dos
anos 1970. Em dia de jogo metade da população comparecia ao campinho.
Além da socialização, as pelejas futebolísticas eram uma excelente
oportunidade comercial para se vender pasteis, pipocas, refrescos,
pirulitos, garapas, cocadas, laranjas, tanjas, mangas e até roletes
de cana (quatro rodelas criteriosamente cortadas e espetadas
artesanalmente na própria casca). Na época, nosso time usava a camisa
do América carioca, aquele vermelhão bonito com o escudo mais bonito
ainda. Os duelos eram memoráveis com equipes como o “Tiro de Guerra”,
o Santos do Alto Maron, o time da Polícia Militar, o Vasquinho, o
Superalfa (os jogadores chegavam em cima de um velho caminhão e a
molecada corriam atrás fazendo uma festa lascada) de Vitória da
Conquista e de outras cidades do entorno. O estádio Augusto Flores
até o finalzinho dos anos 1960 era murado e cobrava-se ingressos até
o dia que a família Gusmão deu uma bistunta, quebrou o pau e derrubou
o muro em uma briga apoteótica. Diogo era o goleiro neste tempo, tio
do violeiro Roger Ferraz. No dia que o ele amanhecia invocado,
durante o jogo rolava a bola para o atacante adversário na altura da
meia lua e mandava chutar.
– Chuta, perna de pau! – Pego de surpresa o atacante descia a
bomba e ele, tal qual um gato, defendia milagrosamente. Muita gente
pode testemunhar este relato. Já chegou a defender penalidade máxima
de costas. Era um goleirão! Entre os anos 1970 a 1975 nosso time
tinha alguns perebas, Gordo (irmão do locutor Janguinha), Lacerda
(bom de cabeça, porém, só dava balãozinho), Joel do Corote, e o pior
de todos, Maximínio. Grosso de fazer dó. No meio, Adilson (pai de
Burrái), Baião (um caminhoneiro que pesava 150 quilos e chutava forte
feito o diabo) e o recém-falecido Wilson Ferraz. No ataque Lulu,
Assis (vaca véa) e Alfredinho. Depois de algum tempo, este time foi
se renovando e surgiram alguns craques. Diran e Zé Preto na zaga
(aí, sim! Os caras jogavam o fino da bola.), Zequinha Pé de Ouro,
Badim e Zé Carlos (excelentes atacantes), Miltinho (irmão de Oriston)
jogava o fino na meioca e até reservas como Có, Zezé, Janguinha,
Jeci eram menos ruins que a primeira geração.
Maximínio, fora de jogo era uma pessoa dócil, porém, quando
se enfezava virava o capeta. Bastava entrar em campo para ficar louco
de pedra. Durante o jogo, se esforçava tanto que cabeceava até bola
rasteira. O caboclo era tão baixo-astral que se dizia a pessoa mais
azarado do mundo, as vezes o universo até contribuía para isso. O
vascaíno Bertão, o maior torcedor que existiu por aqui, tinha quase
dois metros de altura e não perdia um treino, era o primeiro a chegar
e o último a sair. Durante o treinamento era incumbido de segurar os
relógios dos atletas. Como ele era grandão, colocava até 8 relógios
em cada um dos braços. Um belo dia, um baba duríssimo, os dois times
jogando tudo o que podia, alas que um dos zagueiros dá um bicão em
direção ao gol. A bola passa por cima do travessão e vem violentamente
em direção à Bertão que para se defender se abaixa, fecha os olhos
e estica o braço. A bola atinge violentamente um dos relógios que
cai despedaçado no chão. Lá na zaga oposta, no outro lado do campo,
Maximínio grita com o seu indefectível sotaque nordestino:
– Bosta! Apostado que é o meu? Eu sou azarado “mermo”, visse? –
Entre todos os relógios, a bola atingiu exatamente o dele. Deu pena
vê-lo catar chorando o que restara do valioso objeto. Ruim de bola,
para Maximínio não tinha jogo perdido. De quando em vez algum
ponteiro habilidoso faltava lhe matar. Como na vez que nosso time
enfrentou o Santos do Alto Maron e o infeliz do Massu tentou marcar
um ponteiro reliento, habilidoso e veloz, o carinha corria mais que
notícia ruim. Nervoso com os dribles que tomava, incomodado com a
vaia que a própria torcida lhe dava, completamente desorientado,
Maximínio, ao ver o ponteiro se preparar para fazer um cruzamento,
partiu pra cima feito um touro e levou um drible tão escandaloso que
se espatifou violentamente com um mourão fora do campo. O choque lhe
causou uma fratura exposta no braço direito. O osso saindo, Massu
morrendo de dor, as pessoas querendo levá-lo à força para Vitória da
Conquista (não existia hospital por aqui) e ele queria porque queria
voltar ao jogo:
– Ai, ai, ai… Me solta que eu quero voltar. Eu acho que ainda
dá, ainda dá, me solta! – Uma cena surreal, um imenso pedaço de osso
saindo braço afora e o cara brigando para continuar jogando!
Maximínio era realmente inacreditável.
Pois é, no dia da sinuca, lá estava ele sorridente no Bar de
Faé… como foi dito anteriormente, Maximínio era uma doçura de
pessoa… educado, trabalhador, bom pai de família… Porém, de pavio
curto, quando se “infezava” (e isso era quase sempre), esbravejava,
xingava, dava calundu e batia de frente até com o demo. Viciado em
jogos, se valesse algum trocado, disputava até competição de cuspe
à distância. Não resistia à uma partida apostada.
Uma vez morrendo de dor de cabeça a pobre mãezinha de Maximínio
pediu que ele fosse à farmácia comprar uma cibalena. O que ele mais
gostava na vida depois dos jogos era da sua Santa Mãezinha.
Preocupado, lá foi ele até a farmácia de Seu Rufino comprar os
comprimidos. Ao passar perto do bar de Faé, foi desafiado a jogar
uma partida de sinuca contra um aventureiro chamado Cigano, que
geralmente, limpava os bolsos dos seus adversários. Cigano sabia que
Maximínio gostava mais de jogo que da mãe, assim, depois de coletar
informações sobre o mecânico, ficou na esquina só tocaiando, quando
Massu foi passando ele jogou o bote. – Me falaram que você é bom de
sinuca, é verdade? – Surpreso, o mecânico até que tentou se
desvencilhar da cilada. – Não senhor, eu só brinco um pouquinho. –
O cigano tirou um pacote de notas do bolso e mostrou para Maximínio.
– Vamos jogar uma partidinha valendo cem contos? – Ao ver o pacotão,
Massu lambeu os beiços, arregalou os olhos e se esqueceu
completamente da pobrezinha da mãe que se esvaia em dor. Correram
para o Bar de Faé e logo estavam analisando os tacos e enchendo de
giz as suas pontas. Assim que viu as bolas obre a mesa, Massu se
esqueceu completamente do mundo. Duas horas de jogo depois, o bar
lotado de perus torcendo contra e a favor, Maximínio pra lá de nervoso
perdendo tudo o que tinha, errava bolas fáceis e culpava Deus…
suas lamentações eram hilárias…
– Deus, Deus… Me ajude meu Senhor! Que diabo é isso? Será que
todo mundo é seu filho e eu não sou nem primo? Dá uma forcinha aí,
vá! Mostra aí que o senhor existe mesmo!
Morrendo de dor e cansada de tanto esperar, a santa mãezinha de
Massu – mesmo trôpega – resolveu sair em busca do filho. Ao passar
perto do bar o viu, completamente suado, perdendo todo o seu
dinheiro. A senhora entrou, olhou para Massu no exato momento em que
ele se preparava para encaçapar a bola sete que lhe daria a vitória
naquela partida e falou com a sua vozinha fraca:
– Massu, meu “fí”, cadê o remédio que eu lhe pedi?
– Deixa eu “cabá” aqui que eu levo, mãe!
– Meu “fí, eu tô sintino dô é agora”. Dê cá um dinheirinho “prêu
cumpra” o remedim, dê!
– Num tira minha “tensão” agora não, mãe. “Num” vê que “tô”
ocupado? Deixa eu me “concentrá” no jogo, diabo!
– Meu “fí, dexa de perdê” dinheiro atoa. “Ocê trabáia” tanto pra
perder tudo no jogo? – Insistiu a sua santa mãezinha enquanto
Maximínio procurava uma fórmula para matar a bola que lhe daria a
chance de continuar jogando.
– Cala a boca mãe, “dêxa” eu me concentrar!
– Tu vais perder de novo, Massu! – Previu a senhora enquanto o
mecânico se “escanchava” em cima da mesa de sinuca procurando uma
posição mais confortável para finalizar a partida. Mirou de um lado,
mirou do outro, passou giz no taco, voltou à posição inicial, fechou
um dos olhos e procurou acertar a bola na caçapa. Sapecou o taco, a
bola saltou estranhamente da mesa, pegou um efeito estranho e voou
em direção a principal prateleira dilacerando uma renca de garrafas,
foi cacos pra tudo que foi lado! Ensandecido, Maximínio se ajoelhou,
pegou a bola e após batê-la violentamente contra o piso, passou a
mordê-la com uma fúria incontrolável: – Merda, merda, merda… –
Mordeu com tanta força que quebrou um dente!
– “Oí… errou… Num” falei “prucê”? – Ao ouvir o que a velhinha
dizia, ficou puto e mesmo com o bar entupido até os beiços de perus
rindo da sua cara, Massu, vermelho igual uma pimenta protagonizou
uma cena que entrou para os anais históricos da cidade. Em um ímpeto
de incontrolável “infezação”, virou-se transtornado para a velhinha
e gritou pra todo mundo ouvir:
– Vá comer tomate cru, mãe. Vá se lascar, véa fuleira!
Com a plateia em choque ele olhou pra Cigano e com toda calma
do mundo, bradou: – Vamo jogar a saideira, pode ser?
Fim
Luiz Carlos Figueiredo
Escritor e Poeta
Cândido Sales, Bahia. Quadras de Outubro 2024.
Primavera, lua cheia