Considerado o maior evento internacional da Igreja Católica, a Jornada Mundial da Juventude (JMJ) está de volta após a pandemia de Covid, desta vez em Lisboa, com a expectativa de atrair 1 milhão de pessoas.
Mas a festa, entre terça (1º) e domingo (6), com a presença do papa Francisco, acontece em meio a críticas pelo uso de dinheiro público para financiar o megaencontro e ainda sob o impacto do relatório que identificou pelo menos 4.815 menores de idade abusados por membros da igreja em Portugal desde 1950.
O custo total da JMJ para os cofres públicos lusos ainda não foi contabilizado. O governo previu um investimento de EUR 36 milhões (R$ 187,9 milhões), enquanto a Câmara de Lisboa, equivalente à prefeitura, afirmou que gastará no máximo outros EUR 35 milhões (R$ 182,7 milhões) com o evento –outras câmaras municipais, como as de Loures e de Oeiras, também devem despender milhões de euros com a jornada.
Em 2013, quando Francisco veio ao Brasil, também para uma edição da JMJ, logo após ter sido eleito pontífice, o custo total estimado pelos organizadores à época foi entre R$ 320 milhões e R$ 350 milhões, com pelo menos R$ 109 milhões oriundos de recursos públicos.
A principal justificativa lusa para o investimento no encontro é o legado das obras para a população e o impulso econômico proporcionado pela ida de peregrinos ao evento, que serviria ainda de vitrine a Lisboa.
Na sexta-feira (28), reportagem do jornal Expresso, um dos mais lidos do país, mostrou que 75,8% dos contratos celebrados por entidades públicas para a JMJ foram feitos sem concorrência pública, por meio dos chamados ajustes diretos. O ritmo de contratações por esse método disparou no último mês.
Embora a prática não seja irregular, a ausência de concorrência pública dificulta a transparência das contas. Uma das obras feitas por meio de ajuste direto, o altar-palco instalado no Parque Tejo para receber o papa, foi alvo de um protesto que viralizou. Nas escadas diante da cruz, o artista português Bordalo II instalou um “tapete de dinheiro” formado por reproduções de notas de EUR 500 em grandes dimensões.
“Num Estado laico, num momento em que muitos lutam para manter suas casas, o trabalho e a dignidade, milhões do dinheiro público vão para o patrocínio da turnê da multinacional italiana”, escreveu o artista.
Fotos da ação correram o mundo e geraram questionamentos sobre a segurança do evento. Para realizar o protesto, Bordalo II vestiu um colete similar ao dos trabalhadores que faziam a montagem do palco –um vídeo mostra que ele conseguiu entrar na área reservada e instalar o “dinheiro” sem qualquer dificuldade.
Autoridades negaram que tenha havido alguma falha. O secretário-geral do Sistema de Segurança Interna (SSI) afirmou que o local “ainda não é considerado um espaço público e, assim, a responsabilidade é do empreiteiro da obra, bem como da empresa contratada para o serviço de segurança”. Pouco após a divulgação do protesto, no entanto, a Polícia de Segurança Pública anunciou a proibição de cartazes de “grandes dimensões” com “mensagens ofensivas” à JMJ dentro dos espaços do evento.
Pesquisa realizada pelo instituto Intercampus em fevereiro mostrou que 69% dos portugueses apoiam a realização do encontro no país, ainda que a maioria (62,5%) fosse contra o Estado custear o evento. O número de fiéis em Portugal caiu ligeiramente na última década, mas 8 em cada 10 portugueses ainda se declaram católicos. No último censo, de 2021, 80,2% da população disse seguir o catolicismo, contra 81% em 2011. O número de pessoas sem religião, no entanto, subiu e agora representa 6,6% da população.
A JMJ também provocou críticas por mudanças que serão impostas à rotina dos lisboetas. Devido ao evento, a circulação será limitada em pontos que concentram escritórios, como a região do Marquês de Pombal. Diversas lojas e empresas suspenderão suas atividades ou migrarão para o esquema remoto.
No começo do mês, a Câmara Municipal de Lisboa foi acusada por sem-teto e ativistas de realizar uma operação para a remoção da população em situação de rua da avenida Almirante Reis, área que reúne tendas e abrigos improvisados na capital lusa e ponto de passagem para um dos palcos da jornada.
As autoridades municipais, contudo, negaram que a intenção tenha sido esconder essa parcela da população, afirmando que intervenções de limpeza na região são feitas periodicamente.
Diversas categorias ainda aproveitaram a JMJ para pressionar por melhores condições de trabalho e salários. Greves totais ou parciais foram convocadas por trabalhadores dos setores de trens e aeroportos, além de médicos e enfermeiros. Policiais, professores e outros profissionais também agendaram atos.
Estrela da festa, o papa Francisco terá uma agenda intensa, com participação em 19 cerimônias religiosas e encontros com autoridades, como o presidente Marcelo Rebelo de Sousa e o premiê António Costa.
Além das missas, o pontífice participará de uma via-sacra e da confissão de alguns jovens, além de uma visita à Universidade Católica e de reuniões com peregrinos e refugiados. Está prevista, ainda, uma breve visita ao santuário de Fátima. Embora a iniciativa não conste no programa oficial, Francisco deve se reunir com cerca de 30 pessoas que sofreram abuso sexual por membros da igreja em Portugal. A decisão de manter o ato fora da agenda oficial foi justificada como uma forma de proteger a privacidade das vítimas.
“Se disséssemos que o papa se encontrará às x horas em x lugar, alguma mídia não iria resistir à tentação de estar lá para fotografar e filmar. [Mas] o encontro acontecerá”, disse, em junho, o bispo Américo Aguiar, presidente da Fundação Jornada Mundial de Juventude e já anunciado como futuro cardeal.
Em fevereiro, uma comissão independente indicou que ao menos 4.815 menores foram abusados. Os casos aconteceram em diversos contextos, como em seminários, sacristias e casas de acolhimento ligadas à Igreja Católica. Cerca de 96% dos abusadores são do sexo masculino, e 77%, padres.
Fonte: BNews | Foto: Divulgação