Autor: Luiz Carlos Figueiredo | Foto: Divulgação
É sabido por todos que aqui em Nova Conquista acontecem coisas (apenas para usar a linguagem de antigamente) do “Arco da Véa”! Nos anos 1960 existia por estas paragens um cidadãozinho extremamente estripulento, conhecido por todos pela alcunha de João Labuá. João era “buscador de água” para as residências que existiam aqui, Para isso ele contava com uma junta de jumentos que ele tinha o maior apreço. Durante o dia ele dava seis, sete viagens até o “Rio da Ponte”. Baixinho, 30 e poucos anos, troncudo, peito estufado, cara de poucos amigos, Labuá só não era mais feliz porque carecia de ter uma companheira ao seu lado. Eis que um belo dia, o baixote não bateu os “zóios” em Maria, uma linda e tímida garota que também trabalhava no mesmo ofício e se apaixonou na hora?
A jovem era uma morena de apenas 17 anos de idade, muito tímida e de um corpo pra lá de delineado. A menina apesar de andar sempre malvestida, era de uma beleza estonteante. Os velhos trapos que usava, mal cobriam as suas fabulosas ancas que, para deixar o caboclo ainda mais desnorteado, fazia parte de um conjunto composto por uma linda e longa cabeleira negra, um sorriso perfeito de dentes brancos e um par de seios fartos e carnudos – cujos bicos saltavam fora da velha blusa – chamando a atenção de todos que a viam.
Era muito comum a garota vir tangendo o seu jumento pela rodagem e os motoristas pararem estupefatos para admirarem a privilegiada derriére de Maria, esculpida magnificamente pela mãe natureza. Não é que de uma hora para outra, Labuá não deu de pedir a mão de Maria? Pois é. Antes mesmo do velho pai de Maria dar o seu consentimento, lá estavam eles na igrejinha da Rua Larga se matrimoniando diante dos olhos de Deus e da presença do Padre Pedro Callegari. Após a lua de mel, a primeira coisa que o caboclo fez foi tirar Maria do seu ofício (e por tabela, dos olhos pidões dos caminhoneiros), para transformá-la em uma dedicada e pacata dona de casa. Para compensar a perda financeira com a “aposentadoria precoce” da moça, Labuá passou a trabalhar de sol a sol todos os dias. As seis viagens diárias se transformaram em nove, e logo, o apetite sexual de João (que nunca fora lá estas coisas) pifou de vez, exatamente quando a jovem e inquieta Maria já estava até começando a tomar gosto pelos prazeres carnais.
Diariamente, Labuá – que tinha este apelido por não gostar muito de banho – chegava ao seu casebre mais moído que milho de fazer canjica e lá vinha Maria com aquele par generoso de coxas subindo em cima dele. O pobre trabalhador mal tinha força para dar um cheiro ou outro no cangote da morena e já se virava na cama roncando até o amanhecer do dia seguinte, quando ia até o mangueiro, botava as cangalhas nos jumentos e caía novamente na lapa do mundo. Depois de algum tempo insistindo, Maria deixou de procura-lo (sexualmente, falando) e após ele chegar algumas vezes e encontrar a porta dos fundos da sua tapera aberta, com a sua esposa fingindo dormir completamente pelada debaixo dos lençóis, o “agueiro” começou a desconfiar que a sua linda e querida Maria, por alguma estranha força do destino, estava começando a colocar alguma coisa desagradável na sua brilhante calvície.
Um belo dia, eis João trazendo um curioso presente para a sua esposa:
– Maria, olha o que eu trouxe pra você!
– O que é isso? – perguntou a garota!
– É um filhotinho de papagaio, o nome dele é Kito. Ele vai lhe fazer companhia, você está muito só. Sabia que até falar ele fala? Pois é. – Entregou o filhote para a jovem que logo encheu o bichinho de beijos e carinho. Kito realmente roubou o coração de Maria. Só que a intenção de João Labuá era outra. Diariamente, escondido da esposa, ele treinava o periquito – que já dizia as primeiras palavras -, para, caso acontecesse de algum homem entrar na sua casa na ausência dele, o bicho desses com a língua no bico, denunciando prontamente o sucedido para o desconfiado marido.
– Kito, aqui Kito! Homem, homem, homem… – Mostrava a foto em um pedaço de jornal velho. – Se entrar um homem aqui você me fala, viu! Mulher pode, só não pode entrar homem, entendido, kito?
– Curupaco, Kito entendeu, homem não… Curupaco. Kito entendeu tudim! – Dizia o Papagaio com aquela voz que só os papagaios possuem! A partir daí, sempre que chegava à sua tapera, Labuá disfarçava e levava o bichinho para o quintal lhe dando o maior aperto!
– E aí, Kito? Fala a verdade… Não minta pro seu dono… Entrou homem aqui ou não? Não minta pra mim!
– Não, João. Mulher, mulher, curupaco, entrou mulher!
– Não vá me trair, hein seu “priguito pelado”? Confio em você! É pra me contar tudinho. Homem num pode, viu Kito? – Dizia o marido enchendo o periquito de beijos.
Eis que um belo dia, após chegar cansado e não encontrar a sua esposa Maria, desesperado, João pegou o diabo do pássaro e o levou para o quintal.
– E aí Kito? Quem foi que entrou aqui? Maria foi pra onde, fala aí… Ela saiu com quem? – Sabe-se Deus porque, o bichano deu de dar com a língua no bico:
– Homem, João, Homem! Homem Grandão, deste tamanhão! Curupaco! Entrou aqui! Curupaco! Ficou tempão!
Desnorteado, Labuá pegou este papagaio pelas asas e o jogou na parede! – Papagaio fila da puta, precisava me contar deste jeito? E aí, fizeram o que? Deitaram na cama? Fala aí, Kito, já que você começou, conta logo tudo, fala! – Curupaco. Homão… Maria sentou mais ele! Curupaco!
Enquanto o ciumento marido era consumido pelos pensamentos insanos, Kito se divertia voando pelo quarto:
– Rá… Homem entrou aqui! Curupaco! Levou Maria mais ele! Curupaco! – Descontrolado, Ludovico começou a quebrar tudo que tinha dentro da casa. Cadeiras, cama, pote, panelas de barro, colher de pau…
– Aquela cadela safada! Ela me chifrou! Por isso que meus colegas riem da minha cara… Ela me paga! Ela me paga! – Gritava o homem jogando as coisas na parede. Quebrando os pentes, as águas de cheiro e até o rouge carmim da pobre moça, enquanto faltava derrubar as paredes de enchimento da casa dando cabeçadas a torto e a direito. O barulho chamou à atenção de Dona Zefa, a vizinha, que após testemunhar o descontrole de João Labuá, correu para avisar Maria.
Desesperada lá vem Maria correndo e quando foi entrar na casa recebeu logo uma saraivada de copos atirados na sua direção.
– Sua cadela, quem foi o homem que esteve aqui? Você está recebendo homens na nossa casa e em nossa cama? Fala aí quem foi, fala! Eu vou matar ele e você! – Berrava Labuá desesperado! – Não sei do que você está falando não. Está doido, é? Bebeu mais do que devia? Só pode! Quem lhe falou isto?
– Kito! Kito falou e ele não é homem de mentiras!
– O que? Está ficando louco? Acreditando agora no nosso papagaio de estimação? Perdeu o juízo, João? – Kito não mente! – Gritou o desesperado marido! – Mente sim! – Gritou Maria! – Mente e ainda por cima é fofoqueiro!
Depois de duas horas de brigas e quebra-quebra, Maria gritou:
– Ah, meu Deus! Lembrei!
– Tá vendo aí, sua traidora de uma figa! Quem foi o homem que esteve aqui? – Apertou Labuá. – Quem esteve aqui hoje de manhã foi o padre Pedro… Eu fui com ele até a igreja. Veio aqui chamar eu e você para participar da quermesse que a paróquia vai realizar nesta semana santa!
– O padre?!!! Ai meu Deus! – Atônito diante da descoberta um envergonhado João, se ajoelhou e pediu perdão. Maria prontamente o perdoou! Kito, o Papagaio, ainda viveu com a família por um bom tempo até que em uma destas tardes ensolarada resolveu bater literalmente as asas.
– Curupaco! Tchau João e Maria, Kito vai “simbora”! Vida chata, vida chata! Vai “simbora”! – Falou e saiu voando pela janela com João desesperado gritando: – Volta Kito, volta! Volta aqui! – Você voltou? Assim foi Kito. Bateu as asas e o casal nunca mais teve notícias do papagaio fofoqueiro!
FIM
Poeta e Escritor
CSales, BA. Quadras de Fevereiro de 2022, Minguante de Outono.