O Casamento de Marieta. |
Josildo era um caboclinho todo metido a besta que chegou por estas bandas em meados dos anos 1980. Inquieto e simpático o moço trabalhava como pintor de lameiras e para-choques, nas horas vagas era o locutor do sistema radiofônico da cidade. Criativo, inventou logo meia dúzia de personagens e uma renca de bordões para o seu programa que durava duas horas de relógio, com isso, botou a população no bolso. Neste mesmo período vivia por aqui a jovem Marieta, uma louraça/belzebu daquelas de deixar o queixo do sujeito todo lambuzado. A loura tinha apenas 15 aninhos, porém, chamava atenção por ser grandona e ter mais curvas que a estrada de Santos. Inteligente e descolada, Marieta ostentava uma cabeleira digna das moças das propagandas de xampu. Era tão bela que quando vestia o seu minúsculo short, os marmanjos faltavam infartar. A beldade era a caçula de seu Sebastião, o mais próspero comerciante da cidade, dono do principal armarinho e de uma família de 10 filhos, sendo seis mulheres. Enquanto suas irmãs se digladiavam disputando os maiores “partidos” da cidade, a garota se divertia jogando futebol nos campos de terra batida em uma época em que mulheres podiam fazer quase tudo, menos jogar bola. O time de Marieta era patrocinado por Dona Florinda, sua mãe, desagradando terrivelmente o resto da família. Jogava todo final de semana, Marieta era a única mulher no meio da molecada – e diga-se de passagem, jogava muito bem. Neste time, quem marcasse um gol era contemplado com um beijo e uma chamegada (como dizia a garota). Rapaz, pra ganhar estes prêmios – até o goleiro queria marcar gol -, a molecada se matava de correr. Faltava botar o coração pela boca, porém, quando terminava a partida ela cumpria rigorosamente o prometido, dava uma bela rebolada nos quadris do ganhador e lhe metia um beijo de língua, sendo ovacionada pelos jogadores. O Vasquinho, ganhava quase todos os jogos, porém, quando enfrentava os moleques do time da Rua Nova, perdia feio. Cansada de tanta humilhação, Marieta fez uma proposta indecente para os seus jogadores: – Pessoal, precisamos ganhar este jogo de qualquer jeito. Este é o jogo da nossa vida, precisamos acabar com eles. Se ganharmos eu vou dar um presente pra vocês, vou dançar só de calcinha e sem soutien. Querem me ver quase pelada?! Pois é. Ganhem o jogo! – Rapaz… foi anunciar e os moleques do Vasquinho entraram em campo iguais uns dementes, dando botinada até na sombra deles, deram carrinho, chutaram a bola pro mato, ganharam todas as divididas e massacraram a Rua Nova. O placar de 1 a 0 pareceu uma goleada. Após a comemoração pelo triunfo, Marieta os levou para o fundo da casa usada como vestiário e após uma dancinha sensual tirou quase tudo, ficando só de calcinha. A molecada endoidou que alguns chegaram a passar mal. Foi uma correria desgraçada para as moitas de mamonas. O zagueiro Pezão, coitado, abusou tanto da “fricção” que esfolou a palma da mão direita. De uma hora pra outra, Josildo não se invocou de fisgar o coração da moça? Sim. Usou a arma que ele melhor manejava, o microfone da rádio em que trabalhava. – Esta música vai para a coisa mais linda que já vi na vida… Ontem ao passar perto do campinho de futebol eu a vi jogando bola e me apaixonei na hora. Além de linda é boa de bola. Eu quero essa Pombinha Branca pra mim. Saiba que estou com os quatro pneus arriados por você, lourinha. Quer se casar comigo? – Ao falar no microfone a cidade toda ficou sabendo. O pior foi que ele nunca tinha trocado um dedo de prosa com a garota, viu, gamou e declarou… para piorar a situação, Marieta – tirando os beijos de língua e as chamegadas que dava nos moleques do time, nunca tivera um namorado de verdade. imagina então, casar? Pois não foi que a louraça aceitou? Sim. Escreveu umas “mal traçadas linhas” aceitando a proposta. A família da garota entrou em parafuso, afinal de contas, o infeliz do locutor – e pintor nas horas vagas – não tinha nem onde cair morto. Labutava de sol a sol em busca do “dicumer”. Como um caboclo daquela estirpe iria sustentar uma moça fina como ela? A verdade era que Marieta adorava pirraçar aqueles cafonas. Assim, a vingança lhe caiu no colo. Se casaria com 15 anos de idade, com o primeiro pretendente, moraria na casa da sua mãe que tinha dezenas de quartos e se vingaria da família hipócrita. Quando Josildo recebeu a notícia, endoidou de vez, saiu correndo sem camisa pelas ruas, gritando aluado: – Ela aceitou, vamos nos matrimoniar! Eu te amo, Pombinha Branca.– Como a família era muito influente, conseguiu impedir que o cartório de “Candin” (em conluio com o padre) realizasse o casamento. Revoltado, o casal entrou no Santo Elias e descambou na cidade vizinha de Divisa Alegre, onde sem mais problemas, concretizou o desejo diante da lei dos homens e dos olhos de Deus. Na volta, só de birra, contrataram um carro-de-boi e um tocador de sanfona, convidaram os jogadores do time e saíram desembestados pelas ruas de “Candin Capadô”. O casamento foi um sucesso. Um foguetório lascado. O sanfoneiro Coringa tocando, o panderista Areré mungangando com o pandeiro e uma renca de pessoas dançando atrás, disputando no tapa duas garrafas de aguardente Serra Grande. Em cima do carro-de-boi decorado com papel seda, lá estava o apaixonado casal, vestido a caráter (discretamente puxados por um carreiro pitando um cigarro de fumo), bebendo um litro de conhaque Presidente no gargalo e trocando ardentes e apaixonados beijos. O casamento por se só já escandalizava a sociedade Nova-Conquistense, que em contrapartida, podia até se escandalizar mas não perdia a pose. Foram todos para a rua, testemunharem in loco, com os olhos que a terra haveria de comer, a “bestialidade” da filha caçula de Sebastião do Armarinho. Pós casamento, o casal se trancou pelados e apaixonados no quarto por 30 dias “encarreados”. Dona Florinda, a mãe de Marieta era incumbida de diariamente botar debaixo da porta do casal, o café, o almoço e a janta. Os gemidos que vinham de dentro do quarto deixava a vizinhança ruborizada, mas, quem iria ligar pra isso? Marieta demonstrava um ímpeto incontrolável e pra não fazer feio e honrar o sangue nordestino que corria em suas veias, Josildo mandava ver. De vez em quando ficava só admirando a beleza desnuda da galega. – Moça, acho que estou sonhando. Nunca imaginei me casar com uma mulher tão linda! Você é tão bonita que chega a ofuscar a vista da gente, “ô mulé bunita” da gota! – E assim, voltavam a se agarrar. Após um mês de lua de mel, Josildo pegou sua maletinha, renovou suas tintas e caiu na lapa do mundo em busca do seu sustento. Enquanto o jovem trabalhava, a família desolada, entrava em depressão. Alas que um belo dia, a recém-criada boate “O Casarão” resolveu promover uma festa dançante com um conjunto musical da cidade mineira de Medina. Marieta se invocou de ir e Josildo passou a trabalhar feito o diabo pra ganhar uma graninha extra. No dito dia, por coincidência chegou Adelina, uma prima distante. A jovem era ainda mais bonita que Marieta. Uma morena torneada, seios grandes, sorriso cativante e voz suave. Josildo se sentiu um rei quando chegou à festa e já foi botando preferência em uma das mesas que eram vendidas pela organização. Bastou o baile começar para Josildo dançar agarradinho com as duas ao mesmo tempo, matando os invejosos de raiva. Após meia hora de pulos, abraços e beijos, o trio resolveu se sentar, enquanto o garçom trazia o que havia de melhor no ambiente. Marieta e Adelina conversavam baixinho e Josildo só admirando a beleza das duas. Lá pras tantas, elas resolveram ir ao banheiro deixando o rapaz esperando. Saíram e demoraram uma eternidade. Quase meia hora depois, um agoniado Josildo resolve ir ao toalete pra ver o que sucedera. Ao ver a porta trancada, deu uma bistunta e escalou a meia-parede por trás e o que viu quase o fez cair… Ali, diante dos seus olhos, estavam as primas completamente nuas… a sua delicada Marieta com a cabeça entrelaçada entre as coxas salientes da linda morena que gemia escandalosamente, cujos gritos eram devidamente abafados pelo barulho da banda mineira. Perplexo, Josildo quebrou a porta com um pontapé e munido de um punhal tentou sangrar Adelina ali mesmo à vista de todo mundo, que desesperada, correu pelada pelo meio do salão levando a plateia à loucura. Josildo, transtornado correu pela cidade e ao adentrar o seu quarto, ignorou solenemente o que a sua sogra perguntava, e quase dando um troço, juntou todos os seus pertences e chorando feito criança, jogou tudo dentro de uma fronha e atravessou a pista fugindo pra casa do seu querido e velho pai. Já chegou acordando a vizinhança inteira: – Pai, aconteceu uma desgraça. Fui traído! – O que? – perguntou o velho senhor completamente desnorteado. – Marieta me botou chifre! – Que isso, meu filho? Deve ser fofoca do povo. Eles são invejosos não aceita você ter uma esposa bonita daquela. – Não pai! – Disse se abraçando ao velho. – Eu a pequei no flagra. Eu vi, ninguém me contou não, eu vi! – O velho se afastou, ficou sério. Foi até a cozinha, pegou duas peixeiras enormes, deu uma para o filho e disse entre dentes: – Vamos lá agora matar esse cabra. Somos nordestinos, temos um nome a zelar. Vamos lá cortar a garganta do fila da puta que lhe chifrou! – Não, pai. Você não entendeu. Peguei ela comendo a prima. Ela é macho e fêmea! Casei com um homem! – O velhinho coçou a barba, olhou pro filho e mais desconfiado que cachorro em bagageiro de bicicleta, bradou: – Rapaz… quer saber? Deixa isso pra lá. – Falou tomando a faca. – O homem que perde a mulher pra outra tem mais é que ser chifrudo! Vamos dormir e esquecer isso que é melhor! – Falou e entrou no quarto, deixando Josildo chorando suas decepções.
FIM
Luiz Carlos Figueiredo
Escritor e poeta
Cândido Sales, Bahia. Quadras de Outubro de 2023. Minguante de Primavera.