O CARNAVAL TRESLOUCADO DE ROSEMIRO FANFARRÃO.
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O CARNAVAL TRESLOUCADO DE ROSEMIRO FANFARRÃO.

Pois é, já é carnaval! À medida que o tempo vai passando as nossas tradições cada dia mais estão indo para as cucuias. Há algum tempo que veem descaracterizando a música carnavalesca (juntamente com a junina). Acham normal se tocar arrocha nos festejos juninos e forró no carnaval – e olha que a Bahia é o berço do axé. Não há mais uma preocupação na manutenção das tradições.

Longe estão os tempos em que o “Cordão dos Mascarados” capitaneado por Pernambuco (empresário, dono do antigo Lírio Hotel) saíam às ruas de “Candin” (Década de 1960) acompanhado do regional de Diacísio da Rocha Viana – que tinha entre os seus músicos o Negro Areré, exímio panderista -, arrastando a metade da população.
Este cordão tocava terror na meninada e fazia a alegria dos marmanjos ao som das antigas marchinhas (Jardineira, Mamãe eu Quero, Índio quer Apito, Olha a Cabeleira do Zezé e outras).

Trajavam roupas coloridas e carrancas horrendas. A molecada morria de medo e os foliões, em êxtase, se deliciavam!
Em 1990, criamos o Carnaporto no balneário místico do Porto de Santa Cruz com a intenção de realizar a festa apenas durante o dia. Isso fez que centenas de ônibus viesse das cidades vizinhas, lotando o balneário de foliões pra lá de empolgados, se esbaldando na gandaia. Havia também um torneio de futebol de areia disputado por times de quase todas as cidades participantes.

A partir de 2005 os novos gestores fizeram uma nova leitura dos festejos, transferindo as bandas para às tardes/noites – é o que rola hoje em dia.

No final dos anos 1990, no auge da festa, quem tinha casa no Porto, sentia o maior orgulho em levar convidados para prestigiar o evento.

Foi o que se sucedeu, por exemplo, com Rosemiro Fanfarrão, o maior papudo deste torrão, que ficou hospedado na casa de um amigo durante os festejos.

Egocêntrico, o caboclinho saiu espalhando pelos bares do evento que era um famoso empresário, tinha uma fazenda no Sul da Bahia e muita grana no banco.

Na prática, Rosemiro era apenas um negro baixinho de andar rebolativo e “cabelim rebitado” e sem um puto no bolso. O que ele fazia com uma capacidade indescritível era mentir e assediar a mulherada.

Quando avistava alguém do sexo oposto ficava tão excitado que rodopiava igual um peru. Se tinha uma coisa que não se podia negar era que o baixinho tinha uma coragem lascada.

Não aguentava ver uma mulher que já entrava de sola. Vestia a melhor camisa, botava água de cheiro, usava os seus óculos escuros e passava a jogar charme para a donzela. Nem sempre dava certo porque a prosa de Rosemiro era tão ruim que doía os ouvidos.

Só abria a boca pra contar vantagens. Era realmente um fanfarrão, só que as garotas que se deixavam levar pela lábia do caboclo, quando percebia a fanfarronice, dava uma desculpa qualquer e o deixava às moscas. Quem o conhecia, sabia que o jovem era um mentiroso costumaz, assim, não tinha nenhuma credibilidade e quase ninguém ia na dele.

– Sabe o que eu fiz ontem? Tracei Luzia de Tonha… dei o maior amasso. Só não quero que vocês contem nada pra ninguém, boca de siri… não quero sair por aí difamando uma moça como ela, distinta e de boa família. – Todo mundo sabia que era mentira!

De concreto no histórico amoroso dele (e isso ele não contava pra ninguém) apenas o mico que pagara com a renca de travestis que ele levou para o aniversário do seu amigo Fonseca.

Por muito pouco não aconteceu uma tragédia na casa de Dona Loura. A briga terminou com Rosemiro e as “meninas” caindo (não literalmente) no pau e, por tabela, quebrando a geladeira da distinta senhora.

As “meninas” que foram induzidas a virem para o festejo foram perseguidas e estão correndo até agora. Sempre que o fanfarrão passava do ponto com as suas mentiras, a turma lembrava da história dos travestis, deixando o papudo mais desconfiado que cachorro em bagageiro de bicicleta.

Eis que um belo dia, em pleno carnaval do Porto, ele se hospedou na casa de um amigo. Assim que a principal atração entrou no palco, Fanfarrão tomou logo duas talagadas de canjebrina e foi assistir a banda.

Alas que neste justo dia o Porto foi contemplado com uma loira extraordinária, chamava a atenção de tão linda. Já meio “medicado”, Rosemiro se invocou de pegar a loira popozuda.

Com os olhos butucados na galega, o moço começou a ter pensamentos delirantes.

– Essa gata vai ser minha hoje ou não me chamo Rosemiro!

É bom que se diga que a louraça era um verdadeiro espetáculo. Um metro e oitenta de altura, pernas torneadas, cinturinha de pilão, cabelos loiros cacheados, boca lambuzada de batom, camiseta branca de mangas combinando com uma minissaia jeans deste tamanhinho e dançando sensualmente com uma volúpia indescritível.
Logo, à boca pequena chegou à informação de que era uma mineira descolada que viera conhecer o Porto. Empolgado, Rosemiro faltava comer a moça com os olhos, ficando completamente abilolado com a beleza da jovem Verônica.
Enquanto a música rolava (funk, axé, reggae), todo mundo dançando e a louraça dando o seu espetáculo em frente ao palco, dançando fogosamente, jogando a imensa cabeleira loira de um lado para o outro e exalando um inebriante perfume em direção às ventas treinadas de Fanfarrão.

Diante do som turbinado emitido pela banda, a garota parecia flutuar, bailando com uma sensualmente de meter medo, requebrando as cadeiras para um lado e para o outro, enquanto uma roda de pretendentes se formava em torno dela.

Enquanto a música fluía magicamente, a moça em transe, solvia delicadamente seu drink, rodopiando em uma inenarrável sensualidade, ofuscando completamente as outras mulheres.

Nesta altura, por mais que tentasse chamar a atenção da moça, Rosemiro era solenemente ignorado. Temendo ser preterido por algum concorrente de última hora, o caboclo resolveu que naquela noite ele faria qualquer coisa para ter aquele “monumento”.

Com estes pensamentos queimando o seu cérebro, o moço deu uma bistunta, correu para a primeira barraca que encontrou e virou no fôlego uns dois copos caprichados de cana. Bebeu, estalou a língua e munido de uma indescritível coragem correu para perto da moça.

Dançar nunca fora o forte de Rosemiro, porém, em tempo de guerra, perna de barata vira serrote, turbinado pela pinga o baixinho não quis nem saber, entrou de cabeça na dança.

Logo, lá estava ele todo desconjuntado, se requebrando mais que Elvis Presley. Pulando, bailando eletricamente, jogando a bunda para um lado, o pescoço para o outro em um frenesi inenarrável.

A dança de Rosemiro Fanfarrão foi tão exótica que uma roda se formou em torno dele e da garota. Os amigos, incrédulos, morriam de vergonha. O que ele pretendia mostrar com aquele comportamento insano?
A mineira estava tão doida que não deu a mínima para a forma que ele dançava, queria mesmo era se divertir. Diante da polarização, os amigos ficaram de longe, só olhando o final daquela “tragédia”.

Eis que no auge da excitação, a louraça não se enroscou com Fanfarrão? Pois, é. Não só se enroscou como o puxou pela mão e se atracou com ele no meio de todo mundo.

Após uma renca de abraços, lambidas, beijos e chupões, a dupla desceu em direção ao rio, matando de inveja os amigos.

Beija aqui, aperta ali, belisca acolá e o casal se esqueceu completamente que estava em um lugar público. O tempo foi passando, e metade das pessoas que estavam na festa deixou a banda de lado apenas para ficar secando o casal se amando tresloucadamente.

– Vamos, amor? Esta é a última banda de hoje, vamos pegar o finalzinho.

– Quem está ligando pra banda, amor? A lua está linda. Vamos curtir mais um pouquinho? Vai ser romântico! – Sugeriu a galega.

O tempo foi passando, as pessoas já indo embora, a louraça já subindo pelas paredes de desejo, cansados, os amigos deixaram Rosemiro e a garota de lado e foram dormir. Na beira do rio, deitados na areia – um sob o outro – olhando para a lua, Fanfarrão sugeriu:

– Vamos, querida, vamos dormir lá em casa, está ficando tarde! – Falou se abraçando à galega.

– Ah, amor! Tá cedo, vamos curtir mais um pouquinho! – Disse a galega se despindo completamente das vestes.

Sob o clarão da lua se deitaram na areia e começaram uma intensa noite de amor.

Ali, completamente nus diante do frescor das águas que corriam incessantemente, Rosemiro e Verônica adentraram o rio e se amaram em uma intensidade de meter medo, tantos foram os beijos, lambidas, apertos, abraços, contorcionismos e gritos incontidos.

Prazer vai e prazer vem, eis que a garota – moderna como era – pediu para Rosemiro descer-lhe o rei.

– Amor, bata na minha cara!

– O que? – Falou um surpreso Rosemiro.

– Me bata porra! – Insistiu a galega! – Me quebra na porrada, vá!

– Não. Eu não gosto disso não. Lhe bater por quê? Está tão gostosinho assim e você não me fez nada, lhe bater porquê?
– Me bate caramba, você não é homem não? Que porra de homem é você? – Gritava a garota já completamente descontrolada. – Me meta a porrada, filho de rapariga! Bate em minha cara e me chama de puta, vá!

– Não. Vamos pra casa que é melhor, a banda parou, está tarde…Vamos dormir que você está bêbada…

– Bêbada uma pinoia. Que tipo de homem é você, tabaréu safado? Eu estou pedindo pra você me bater, entende? Eu quero apanhar agora, dormir porra nenhuma. Me bata vá, me quebra no pau!

Para não parecer um ignorante, Fanfarrão desceu a porrada. Foi bater a galega desabar espirrando sangue. Se agarraram um ao outro e entrelaçados, trocavam carícias e sopapos. Beijos e beliscões, mordidas e pescoções.
Até aquele dia, Rosemiro desconhecia completamente a experiência sadomasoquista, assim que entendeu, gostou tanto que não queria mais parar.

Desceu o pau. E tome sopapos, pescoções, tapas e murros. Sangue espirrando, e Rosemiro xingando.

– É assim que você gosta, sua puta? Toma aqui, toma!

E o que era apenas para turbinar a libido se transformou em uma surra violenta.

– Me bate, desgraçado! Me bate, safado! Me quebre toda!

Gritava a louraça, e Rosemiro tome porrada! Quando percebeu, a garota estava mais quebrada que arroz Maranhão. Olho inchado, dente quebrado, nariz mochilado e hematomas espalhados pelo corpo.

Sangue saindo pela boca e nariz, tufos de cabelos jogados pela beira do rio e os moradores do porto completamente transtornados. O barulho tirou o sono da comunidade inteirinha.

No dia seguinte, os amigos conduziram a jovem logo cedo para Cândido Sales, onde foi medicada em um posto de saúde, enquanto parte do grupo escondia Rosemiro dos olhares curiosos.

Metade dos moradores queria porque queria saber o que havia acontecido. O que foram aqueles gritos no meio da noite? Ninguém explicou absolutamente nada.

A polícia apareceu, porém, ninguém deu com a língua nos dentes.

De todo este sucedido só restou a frase de seu Nenzim, um antigo morador do povoado. Se levantou da cama bem cedinho, procurou o bar de “Coisa Faé” – comerciante local -, e comentou com a cara mais safada do mundo:

– Cê viu, Coisa? O que foi aquilo ontem à noite?

– Se eu vi? Seu Nenzim, a nega não deixou ninguém dormir em paz, gritou a noite todinha! Nunca vi alguém gostar de apanhar daquele jeito! Pensei até que ela fosse morrer! Que coisa horrível!

O velhinho botou a mão no queixo, ficou sério por alguns minutos, e falou, com a voz trêmula antes de seguir para o rio:

– Nem em “Sumpalo” eu vi uma coisa dessas!

Sem querer, Rosemiro Fanfarrão protagonizou a primeira cena sadomasoquista da história do Porto de Santa Cruz. Assunto que ficou ressoando na cabeça dos moradores por anos a fio.

FIM

Luiz Carlos Figueiredo
Escritor e Poeta
Cândido Sales, BA. Quadra de Setembro. Minguante de inverno 2024.