O show que Rosemberg Oliveira acabara de fazer no Rio Pardo Festival aqui em “Candin”, fora memorável. Após ser ovacionado pela plateia que lotara o velho cinema, Berg colocou o seu famoso violão ovation no estojo e ao lado da namorada nova-conquistense, seguiu em direção ao famoso fusca “Copo de Leite” (de propriedade de Jorge Caburé), abriu a porta do veículo e ainda colocava o violão no banco traseiro, quando ouviu o grito desesperado da jovem namorada: – Cuidado, Berg! – O cantor se virou e viu um jovem com uma arma apontada em sua direção. – Morra fila da puta! – Falou e apertou o gatilho quase que a queima-roupa. A bala traiçoeira direcionada à sua cabeça, graças a um gesto instintivo da moça (foi o que lhe salvou a vida) acertou-lhe o ombro. Cambaleante, amparado pela namorada, o cantor viu quando o garoto jogou a pistola fora e correu assustado pela Praça Moisés Felix. Estamos no primeiro semestre de 1987, O Grupo Cultural Arte & manhas produzia o primeiro “RIO PARDO FESTIVAL DE MÚSICA REGIONAL”. Cantadores como Roger Ferraz, Beto do Vale, Sinca, Marilene, Luiz Marcos, Patula, Lassí, Waldeir Santos e Jaivan Acioly participavam do evento. O atentado contra Berg aconteceu na final do RIPAFE que se realizaria por onze anos ininterruptos, apresentando à população nova-conquistense os maiores cantadores existentes em todas as regiões do Brasil. Carlos Moura, Tau Brasil, Bilora, Xangay, Papalo, Juá da Bahia, Grupo Barros, Rubinho do Vale, Paulo Macedo, Ito Moreno, Nagib, Ivânia Catarina, Reginaldo Belo, Geslaney, Lucinho Cruz, Grupo Pau de Arara, Marta Moreno, Carlos Gomes, Mão Branca e Elomar… apenas para citar alguns.
Quando eu trabalhava na “Organização Cometa”, escritório contábil de Wilson Ferraz, que ficava próximo a Agência dos Correios, fui despachar uma missiva e ao chegar ao local topei com o recém-chegado Agente Postal. Desengonçado, cabeludo, calçando um par de botinas que lhe cobria os mocotós – devidamente fechada com fecho-éclair -, que ensandecido, saltitava sofregamente em cima da escrivaninha, esmagando uma carteira de “continental sem filtros” e fazendo um surreal discurso. Sim. Era ele mesmo. Rosemberg Oliveira.
– O homem já foi à lua, inventou o cérebro eletrônico, teleguia mísseis para atingir seus alvos à quilômetros de distância, deixou de ser cria para ser criador, porque eu vou me submeter a uma carteira de cigarros? – Falou amassando a carteira com uma ferocidade indescritível. – Não serei mais escravo! – Falava como se os cigarros pudessem ouvi-lo. – A partir de hoje não fumo mais. Estou libertado deste vício demente! – Falou, amassou os cigarros, jogou furiosamente no meio da rua e após olhar para a minha cara pra lá de assustada, falou como se nada tivesse acontecido: – Carta pra onde? – Respondi gaguejando. – São Paulo. Quanto é? – Observei pasmo ele pegar o selo, lambuzar de cola e antes mesmo de selar a carta, deu uma bistunta, saltou velozmente o murinho que servia de balcão e correu desesperado até o meio da rua… – Não, não, não posso viver sem você! – Falou, pegou os cigarros amassados, conseguiu deixar um em condições de uso, tateou um isqueiro no fundo da gaveta e após acendê-lo, deu umas duas ou três baforadas, soltando um tenebroso gemido: – Aahhhh! Que maravilha! – Suspirou enquanto parecia se divertir exalando a fumaça em direção ao teto. Após saciar o seu desejo, tirou uma linha da minha pessoa me olhando de cima para baixo e voltou a falar: – Ah, a carta, né? São vinte centavos! – Foi assim que conheci Rosemberg. Imagine a impressão que tive do moço que se tornaria meu amigo e parceiro? Nesta época ele já compunha algumas músicas, embora, “Coliseus” que é considerada a sua obra prima, vencedora do Festival de Inverno da Bahia realizado em Vitória da Conquista no ano de 1986, ainda não havia sido gravada. Durante a estada de Berg por este torrão, sempre procurávamos preencher o tempo. Preenchíamos as noites Cândido-Salenses recitando poesia e ouvindo o bardo tocar o seu violão na porta da Prefeitura quando ainda não existia energia elétrica por aqui. Outras vezes íamos para as Casas Miranda – único comércio a ter um gerador próprio de energia – para que nosso amigo Adão Batista (na época, funcionário de Miranda) pudesse tocar na sua radiola “Taterka Linear” os lp’s de Berg. Fagner, Zé Ramalho, Bendegó, Elomar, Xangay, Dércio Marques… Quando não eram os de Berg, eram os de Renan (Filho de seu Ubaldino da Farmácia) que representava no Norte/Nordeste a Ariola. recém-inaugurada gravadora alemã e tinha como mostruários discos exclusivos que degustamos em primeira mão, como Realce de Gil, Coração Bobo de Alceu, Kleiton e Kledir (Deu pra ti) e Tim Maia (Sossego) e mais uma dezena de artistas recém-contratados pela gravadora. Assim que Berg voltou para Conquista, fundou o Trupizanga e ganhou o Festival de Inverno da Bahia. Com a explosão de “Coliseus”, o Sudoeste passou a conhecer o talentoso artista, inclusive, virou figurinha carimbada na parada de sucessos. Os mais jovens talvez não saibam, mas naquele tempo, sempre no final do dia, às rádios apresentavam as 10 músicas mais pedidas pelos ouvintes – através de telefonemas. “Coliseus” ficou meses entre as três melhores músicas da Rádio Clube de Vitória da Conquista. Tempos depois, ele lançaria o Long Play SERTÃO EM VÁRIOS CANTOS ao lado de Anselmo Siqueira e ao fazer uma tournée pela região, incluiu a “Cidade do Sossego – Candin” – no roteiro, aproveitando para matar a saudade dos amigos. No mesmo dia, um circo que existia por aqui colocou um leão banguela para comer um boi ao vivo e a cores. O show de Berg foi um fracasso de público.
Voltando ao ano de 1987, as músicas “SENTIMENTO DE UM POETA” (de Juarez Carvalho, interpretada por Marquinhos e Sinca) e “GRITOS ALGOZES” (minha e de Roger, interpretada por Waldeir Santos) polarizaram à disputa. Berg fazia o show especial quando extravasou a sua indignação: – Coisa linda, né? Sabe quanto o poder público botou nesta realização? Absolutamente nada. Este festival está se realizando graças aos esforços de Carlinhos e dos meninos daqui. Nenhum vereador deu porra nenhuma, o fila da puta do prefeito também não deu nada e estamos aqui fazendo o nosso festival! – Berg usava a sua influência para protestar. A plateia captou a mensagem e ovacionou o cantador. Encerrou o show cantando “Coliseus”. Na plateia estava um dos cunhados do prefeito que querendo dar uma satisfação aos correligionários, mandou chamar o filho mais velho do intendente e botou pilha: – O cara xingou seu pai, você vai deixar por isso mesmo? – O garoto tinha uns 14 anos na época e era famoso por cheirar mais que cachorro no cio. – Ué, eu vou fazer o que? Pai que tem que mandar prender ele. – Não senhor! Você como filho tem que matar ele! – Eu?!!! – Perguntou o garoto arregalando os olhos. – Eu nunca matei nem uma mosca! – Falou e quando ia saindo, foi seguro pelo tio. – Seja homem! Vá lá e mata o cara! – Mas eu não sei atirar e nem revólver eu tenho! – Tome aqui o revólver! – Falou o cunhado dando uma velha pistola para o garoto. – É só apontar e apertar o gatilho. Mire na cabeça e vingue o seu pai! Olá ele perto do carro, vá lá e meta bala naquele desgraçado! – Assustado, o garoto foi até o carro e quase à queima roupa apertou o gatilho. A reação da namorada de Berg foi puxá-lo em sua direção. A bala destinada à cabeça do cantador, entrou no ombro. Assim que Berg cambaleou, o atirador jogou a pistola no meio do jardim e desembestou, mesmo ferido, o cantador tentou entrar no famoso bar de Luiz Teixeira – o “VEM-K-BB” – quando teve a porta abaixada bem na sua cara. Os seus gritos de socorro foram solenemente ignorados. No desespero, correu até a minha casa no bairro da Lagoinha, há cerca de um quilômetro de distância. Por ironia do destino, naquele justo momento eu o esperava para que pudéssemos comemorar a sua cantoria, quando chegou a namorada gritando. Eu, minha esposa Nilde e alguns amigos corremos para casa e confirmamos que Berg realmente estava lá, atormentado, trancado no banheiro e se recusando a abrir a porta. Achava que alguém queria terminar o serviço. Deu um trabalhão convencê-lo que era eu que estava ali. Pedimos ao então jovem Amilton Fernandes para levá-lo para Conquista. Ao entrarmos no carro, detectamos que não existia gasolina na cidade, tivemos que ir abastecer no Posto Farol que ficava uns 10 quilômetros fora da cidade. Perdemos quase uma hora e quando voltamos para “Candin” o carro de Amilton abriu as pernas. Perdemos mais de meia hora com Rosemberg gritando, até que Amilton emprestou um outro e rumamos para o SAMU em Conquista. Durante a viagem Berg gemia desesperado. – Estou morrendo, Carlinhos! Chama a imprensa falada, escrita e televisiva e conte tudo o que aconteceu. Estou morrendo, ai, meu Deus, estou morrendo! – Quando chegamos em Veredinha eu perguntei pra Berg? – Bergão, se você estivesse morrendo com todo este tempo que perdemos, você estaria conversando? – Foi quando a ficha caiu. – Realmente… – disse ele – … se eu tivesse que morrer já estaria morto há muito tempo! – Ficou mais calmo, perguntou por Jorge Caburé e a trupe que quando viu Berg ser alvejado caíram na lapa do mundo. Fui o incumbido de levar as boas novas para Caburé ainda naquela noite enquanto o autor de BODAS… era internado para retirar a bala que quase à queima-roupa entrou pelo ombro e ficou alojada nas costas. A pistola usada pelo atirador era tão precária que o projétil não teve força nem para romper a pele do cantador. Podíamos tocar na bala sob a pele. O atirador virou um nóia, o prefeito faleceu e o mandante se finge de morto até hoje. Berg continua levando o seu canto para os mais diversos rincões deste país!
FIM
Luiz Carlos Figueiredo
Escritor e Poeta.
Cândido Sales, Bahia. Quadras de Março – Crescente de Verão 2023.