NÓS, O ELEITO E O OUTRO
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NÓS, O ELEITO E O OUTRO

Autor: Danilo Sili Borges

Épocas de transição são sempre preocupantes, representam, em qualquer assunto, algo parecido com um salto no escuro. Quando se trata da troca do presidente da República num país de regime presidencialista como o nosso, onde os poderes do Executivo são grandes e o acúmulo dessas funções com as de chefe de Estado conferem ao presidente poderes quase imperiais, é razoável que os cidadãos se preocupem sobre as visões político-ideológicas de cada postulante ao cargo, como também de suas qualidades humanas e sociais.
Na votação do segundo turno que terá lugar em poucas horas, ambos são personalidades bem conhecidas do eleitorado. Lula foi presidente por dois mandatos, Bolsonaro é o atual presidente. Virtudes e limitações desses homens públicos foram expostas à exaustão na campanha eleitoral, até ultrapassando os limites do bom senso e do bom gosto. Arrisco-me a dizer que não há nada em suas vidas que não tenha vindo a público. Fake news se desfizeram nos prontos desmentidos comprovados. Sobrou o “trigo” da verdade, que embaraçou e enrubesceu um e outro nos debates. O “joio”, que foi muito, depôs contra o acusador sem fé! O povo não é bobo.
Exceto a minoria de extremistas das franjas radicais das duas visões ideológicas em disputa, o que o cidadão brasileiro quer é paz e tranquilidade para trabalhar, criar seus filhos, produzir e crescer. Os candidatos assumiram esse compromisso com a grande maioria ao se submeterem ao escrutínio popular. Tanto é assim que ambos, o da direita e o da esquerda, ao longo da campanha, caminharam para as teses de centro como modo de afirmarem suas candidaturas, deixando de lado seus vieses revolucionários.
Isso ficou patente na caminhada de Lula ao procurar e receber apoio de segmentos conservadores do setor produtivo – banqueiros, líderes empresariais, políticos, intelectuais – e candidatos do primeiro turno, de perfil conservador, como o da senadora Simone Tebet.
Bolsonaro e Guedes anunciaram benefícios inesperados a funcionários e aposentados, esquecidos ao longo do seu mandato, além de correções salarias sempre contidas, renunciando a políticas fiscais ortodoxas, tão ao gosto de determinadas escolas econômicas. Eleições amaciam os corações mais empedernidos.
É preciso que tanto o eleito, quanto os que irão constituir a oposição a partir de janeiro de 2023, percebam o desejo dos brasileiros. Uma detida análise dos resultados destas eleições poderá dar essas informações. Está claro que a radicalização não terá vez ou lugar. O que vier a conduzir o país deve tirar de suas intenções o “golpe” ou “golpes”. Não será admitida a ideia de que o poder prescinde do aval das urnas. “O poder a gente toma”, preceito defendido por um conhecido decrépito revolucionário profissional e pelo flácido juiz superior, não terá espaço.
Não há como introduzir fortes modificações que vão além dos preceitos constitucionais. Aliás, é de boa prática evitar-se a proliferação de emendas constitucionais, que pelo grande número e oportunismo, têm desfigurado a Carta Constitucional de 1988.
No caminho da aprovação popular, ambos os movimentos convergiram para modelo de desenvolvimento econômico e social bastante próximos, o que permite esperar que, passada as mágoas do embate eleitoral, prevaleça o bom-senso de técnicos e políticos do governo e da oposição na formulação de um plano de desenvolvimento nacional, com base no que as campanhas “venderam” aos eleitores para tentar o sucesso nas urnas.
São pressupostos desse plano a democracia representativa, a multiplicidade de partidos, a não interferência na política de outros países, o respeito à propriedade privada, a liberdade de expressão, a imprensa sem censura e sem controle da mídia, a liberdade de culto e o estado laico.
Em suma, eleitos, o foram para respeitar os preceitos constitucionais! É possível alterá-los? Claro. O dinamismo da sociedade moderna impõe adaptações que permitam, pari passu, a modernização das relações sociais, humanas e econômicas, mas que sejam conduzidas de modo consensuado, dentro do instrumental democrático existente e que penosamente vêm sendo construído.
Os candidatos são, ambos, homens de forte personalidade, líderes acostumados a conduzir, convictos democratas, mas nem por isso livres da influência da parte mais ruidosa e radical de suas assessorias e apoio político, por isso mesmo devem se acautelarem contra os que os atentarão para aventuras fora das demarcações estabelecidas desde a redemocratização, há quase quatro décadas, quer estejam no Planalto, ou na oposição.
Golpes não passarão!
Crônicas da Madrugada. Danilo Sili Borges. Brasília, 28 de outubro de 2022
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O autor é membro da Academia Rotária de Letras do DF. ABROL BRASÍLIA