‘Não foi fatalidade, foi negligência’, afirma mãe de menina que morreu após cair em bueiro na Bahia
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‘Não foi fatalidade, foi negligência’, afirma mãe de menina que morreu após cair em bueiro na Bahia

A mãe da menina de 12 anos que morreu após cair em um bueiro em Dias D’Ávila, cidade na Região Metropolitana de Salvador, falou pela primeira vez sobre o caso neste sábado (7). Em entrevista exclusiva à TV Bahia, ela afirmou que a morte da filha não foi uma fatalidade, mas sim uma negligência da administração municipal.

“Aquilo não foi uma fatalidade, alguém foi culpado por aquilo ali, e foi uma vida que se foi. Eu poderia ficar calada, no meu cantinho, mas eu quero justiça. Foi negligência do órgão público da cidade, que no caso é a prefeitura, porque o que aconteceu com Amanda poderia acontecer com qualquer criança”, afirmou Leiliane Teles
Ainda muito abalado com o ocorrido, Leilane também detalhou que a filha era uma menina doce e tímida, mas que, quando se tratava de algo que ela queria, Amanda era uma menina forte e dedicada. “Ela tinha o sonho de ser modelo para mudar a realidade da família”, comentou.

Em nota, a prefeitura de Dias D’Ávila informou que um estudo de engenharia está sendo realizado no local do acidente, com o objetivo de remanejar a tubulação de esgoto e fechar o buraco, e pontuou que tem mantido contato com os envolvidos para resolver a situação, mas não comentou o desabafo da mãe da menina. Neste sábado, o local do acidente seguia aberto. [Veja a nota na íntegra abaixo]

Já a Empresa Baiana de Águas e Saneamento (Embasa), que é citada no posicionamento e seria responsável por esse remanejamento de tubos, confirmou à reportagem que recebeu a solicitação da Prefeitura de Dias D’Ávila na sexta-feira (6).

No entanto, segundo a concessionária, “qualquer análise de remanejamento das redes de água ou esgotamento sanitário demanda estudos de viabilidade técnica rigorosos e detalhados, pois são tubulações de grande porte em pleno funcionamento, instaladas em grande profundidade, e que impactam diretamente na prestação de serviços básicos à população”.

O que diz a prefeitura
“A Prefeitura de Dias d’Ávila informa, por meio de sua assessoria de comunicação, que um estudo de engenharia detalhado sobre toda a rede pluvial na região onde ocorreu o acidente está em andamento.

A gestão municipal tem mando contato com a VLI, proprietária da linha férrea, e com a Embasa, que possui tubulação de esgoto junto à rede pluvial, buscando um esforço conjunto para resolver a situação de maneira definiva. Além disso, um laudo técnico está sendo elaborado pela Prefeitura, e será solicitada uma perícia técnica complementar para garantir que todas as soluções sejam implementadas com precisão e segurança.

Quanto à instalação da grade de proteção, a Prefeitura aguarda o posicionamento da Embasa para a retirada e o remanejamento da tubulação de esgoto existente na área. Tão logo essa etapa seja concluída, a gestão municipal adotará as medidas necessárias para viabilizar o fechamento do local de forma adequada e segura.

Estamos trabalhando de forma responsável e transparente, com prioridade máxima para evitar novos incidentes e proteger a vida de nossos cidadãos. As atualizações serão compartilhadas à medida que avançarmos com as ações”.

Relembre o caso
O caso aconteceu no dia 27 de novembro, durante as fortes chuvas que atingiram Salvador e Região Metropolitana (RMS). Amanda tinha acabado de sair da escola e atravessava a Avenida Lauro de Freitas, em frente à instituição de ensino, quando aconteceu o acidente.

Uma câmera de segurança filmou o momento em que a adolescente desapareceu dentro d’água. Nas imagens, a menina tropeçou bem ao lado da “boca” do bueiro e, em seguida, caiu. O local estava inundado, o que fez com que a adolescente não visse o manilhamento. [Assista ao vídeo mais abaixo]

Ao longo do dia 27 de novembro, buscas foram feitas nas tubulações da região. Já no dia seguinte, a mochila da adolescente foi encontrada com ajuda de cães farejadores, a cerca de 2 km do local onde ela caiu.

O corpo de Amanda só foi encontrado 48h depois, em 29 de novembro, por equipes do Corpo de Bombeiros. A menina foi sepultada no dia 30. A despedida foi marcada por grande comoção de amigos e familiares.

Segundo o Corpo de Bombeiros Militar da Bahia (CBM-BA) e a prefeitura, cerca de 80 militares atuaram na região, além de voluntários que se juntaram à equipe desde o início das buscas.

Conforme divulgaram as autoridades, são cerca de 700 metros de tubulação, cuja água segue até o rio Imbassaí. O espaço até o desemboque é estreito, com difícil movimentação e até condições de respiração, o que dificultou os trabalhos. Por isso, foi necessário o uso de câmeras de ponta, que foram cedidos por uma empresa de engenharia, percorrendo as galerias subterrâneas.

Conforme detalhou a prefeitura para a reportagem, o bueiro onde aconteceu o acidente tem mais de 30 anos e ficava aberto, sem nenhum tipo de proteção.

Em entrevista ao g1 na ocasião, o engenheiro sanitarista Jonatas Sodré, do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia da Bahia (CREA-BA), detalhou que uma tampa não é obrigatória e que costuma não ser usada, mas poderia ter sido instalada, diante da localização do equipamento, que fica próximo a uma unidade escolar.

“Em teoria, ele está ocupando um pouco a calçada, então, tem um problema aí que poderia talvez se colocar uma tampa, por ser uma zona urbana. Se você fecha com concreto, com grade, por exemplo, teria mais segurança para as pessoas transitarem”, comentou o especialista.

Na ocasião, a administração municipal direcionou a responsabilidade para o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) , porque o bueiro fica sob os trilhos ferroviários.

O DNIT, por sua vez, disse que a manutenção da Avenida Lauro de Freitas deveria ser de responsabilidade do governo do estado. Já a administração estadual informou que, por se tratar de água da chuva, a manutenção deveria ser da prefeitura.

As chuvas ocorridas em novembro na capital e na RMS foram provocadas por uma frente fria. Segundo o Instituto nacional de Meteorologia (Inmet), mesmo antes de encerrar o mês, a capital já tinha registrado o novembro mais chuvoso da história, desde 1961.

Entre os dias 1º e 27, foram registrados 322 mm de chuva, praticamente o triplo da média histórica esperada para todo mês: 108 mm. Em Salvador, outras duas pessoas morreram após deslizamentos de terra ocorridos entre os bairro de Pernambués e Saramandaia.

O primeiro a ter óbito confirmado foi Gerson Alexandrino Santos Júnior, o mais velho dos três mortos durante o período chuvoso na região, com 23 anos. O jovem dormia em casa, na rua Horta, no bairro de Saramandaia, quando a terra deslizou e fez o imóvel desabar, no dia 27 de novembro. Ele estava com a mãe e o padrasto, que conseguiram fugir a tempo, após pular um muro com 2 metros de altura.

O corpo de Gerson foi retirado dos escombros no mesmo dia e sepultado 24h depois, sob forte comoção dos vizinhos e de familiares, que lamentaram a morte precoce. Conhecido como “Juninho” na comunidade, o rapaz deixou dois filhos.

Na manhã do mesmo dia em que a menina de Dias D’Ávila foi encontrada, bombeiros militares e voluntários localizaram o corpo de Paulo Andrade, de 18 anos. Ele também ficou 48h desaparecido, só que nos escombros da casa onde morava. O rapaz estava no banheiro, quando o imóvel, que fica em Saramandaia, cedeu com um deslizamento de terra, ocorrido na rua Amargosa, em Pernambués, localidade próxima.

A mãe do jovem e o irmão de 6 anos dele, além de um vizinho, também foram soterrados, porém resgatados com vida.

O corpo de Paulo estava em um local de difícil acesso e, apesar de ter sido achado pela manhã, só foi retirado dos escombros por volta das 18h de 29 de novembro, após um longo trabalho das equipes. Ele foi sepultado no dia seguinte, com homenagens.

Fonte: G1 BA | Foto: Arquivo Pessoal