Quem fuça semanalmente este pequeno espaço, onde semanalmente disponibilizo as minhas crônicas/contos, sabe que sou fissurado por palavras perdidas no tempo. Vez em quando dou uma fuçada ou outra através do “Dotô Gúgou” apenas para saber como foi que surgiu uma ou outra expressão. A palavra da vez é o título que ilustra este conto. Sim, a curiosidade me forçou a ir atrás de Maria Preá. Descobri uma renca de historiadores contando este causo que é deverasmente engraçado e vou recontar aqui com o meu tempero.
Reza a lenda que no pequeno vilarejo de Bugalho de Dentro, esquecido dos confins do nordeste, havia um padre muito atuante e uma viúva extremamente fogosa. Maria Preá era uma jovem e rechonchuda moradora do vilarejo. Ficara famosa por “matar” o marido Tomás em plena lua de mel, de lá pra cá a jovem viúva (que ficara remediada por herdar os bens do falecido) fincou a cara na igreja e nunca mais quis saber de homens.
Tomás – farmacêutico de profissão – era um dos homens mais ricos de Bugalho, um lugarzinho pequeno, população acanhada, cuja principal diversão era falar mal da vida dos outros. O esquálido, pálido, tímido e míope farmacêutico casou-se donzelo, sequer namorara antes de conhecer Maria Preá. A gordinha era filha de João Vaqueiro e dona Santana, e… sempre fora muito fogosa. Alegre, risonha, saltitante e excêntrica, a jovem, assim meio sem querer, traçara quase todos os varões do vilarejo. Por motivos óbvios, era odiada pelas moças do lugar. Certa feita pegou uma gripe e precisou tomar uma injeção nas nádegas e quando compareceu à única farmácia do vilarejo bateu de frente com o magérrimo Tomás que se apaixonou na hora. Reza a lenda que ao ver pela primeira vez uma bunda desnuda, o míope sentiu o corpo tremer mais que motor de “baqueleleixo” e antes mesmo da moça sair da farmácia, sabe Deus como, tomou coragem, e, propôs à donzela, caso ela se dispusesse se matrimoniar para viver feliz e confortável pelo resto da vida, a primeira preferência seria dele.
Pega de surpresa, Maria achou o pretendente meio insosso, porém, já batendo quase na casa dos trinta, mal falada e bem passada, sem muitas alternativas, butucou os “zóios” nos bens que o míope possuía e achou que não devia perder uma oportunidade daquelas. Um mês de beijos, abraços e amassos, lá estavam eles diante da língua do povo e dos olhos do Padre Nicolau, recebendo a bênção de Deus e os cumprimentos dos convidados em um lindo enlace matrimonial. Apesar da fama de “murrinha”, desta vez Tomás não economizou, disponibilizou uma fartura de comes e bebes de tudo quanto há, escancarando literalmente as portas para a população. Mandou vir até um sanfoneiro do Norte para animar a festança. Gente saíndo pelo ladrão, o forrobodó comendo, o suor descendo, uma alegria contagiante, Maria Preá radiante diante da indisfarçável inveja das amigas pelo vestido caríssimo que ostentava e o farmacêutico pra lá de ansioso, doido pra perder a donzelice. Depois da meia-noite, todo mundo já mais ou menos moqueado e Maria já não mais se aguentando, arrastou pela mão o franzino Tomás, trancou a porta da alcova, arrancou as vestes e já foi rasgando tudo que foi roupas que o donzelo vestia. Com o esposo dominado, ela que pesava o dobro do marido o jogou na cama reforçada e montou-se sobre o infeliz e após dar uma “escorregante” introduzida cavalgou ferozmente por mais de duas horas de relógio, urrando e gemendo feito uma loba!
– Me rasga, Tomás, acaba comigo, vá! Mata esta safada de prazer… vá…
As duas horas de incontrolável ímpeto da rechonchuda foi demais para o esquálido marido. Após um grito aterrador, o farmacêutico levou as mãos ao peito, botou a língua pra fora, revirou os olhos e esticou as canelas. Morrera de prazer, constatou o médico chamado às pressas para salvá-lo. Apesar de todas as tentativas para culpar a fogosa Maria, constatou-se que o marido morrera de morte morrida, o que era bem diferente da morte matada. Para evitar a língua ferina dos “bugalhenses”, Maria encontrou apoio irrestrito na igreja, onde foi morar de mala e cuia, lavando, passando e cozinhando para o Padre Nicolau.
O padre era um nordestino marrento, grandalhão e estressado que fora destinado àquela paróquia após passar por quase uma dezena de cidades. Em Bugalho, encontrou a tranquilidade que buscava. Assim que o esposo bateu as botas, Maria (apelidada de Preá por andar sempre correndo) percebeu que só a igreja teria o poder de amenizar a sua dor, assim, entrou de cabeça nos afazeres.
Enquanto a gordinha suava literalmente, cumprindo o seu dever, o padre Nicolau faltava matar o sacristão Belarmino que era sonso igual um carneiro e preguiçoso de dar dó. Diariamente era humilhado pelo padre estressado, que fazia gato e sapato do infeliz. – Belarmino, onde estão as velas que lhe pedi? Não acredito que você ainda não organizou o que usaremos na homilia de hoje? Deixa de ser sonso, homem? Você acha que vai entrar no céu com esta moleza? Seja ágil, deixa de ser preguiçoso. Benedito está babando para assumir o seu lugar, ouviu? – O coitado do sacristão comia o pão que o diabo amassou. No fundo, já não mais aguentava os esporros diários que levava do vigário. Enquanto Belarmino era rejeitado, Maria Preá construía lentamente um lugarzinho no coração do padre. Cafezinho reforçado, almoço saboroso, chazinho da tarde e um carinho desconcertante, incluindo abraços e afagos sutis no cangote e no lóbulo da orelha… Se a vida de Belarmino já era ruim antes da chegada de Maria, imagina depois, com ela mostrando serviço? Sim, de uma hora para outra o sacristão se viu no inferno. Chorava pelos cantos, vendo Maria correr pra cima e pra baixo ostentando um sorrisão deste tamanho. À medida que o tempo passava, as más línguas deixavam gradativamente (mesmo à surdina) de culpar Maria pela prematura morte do esquálido esposo. Uma mulher tão devota, tão dedicada à igreja não podia ser culpada de uma morte infeliz como aquela. Tomás morreu porque era um frouxo! Maria não teve culpa! Nesta altura, além de lavar, passar, limpar e cozinhar, a moça já estava tão intima que dava até banho no vigário. – Hora do banho, Padre. Entra na banheira!
– Esfrega mais as minhas costas, minha filha. – Pedia, sendo esfregado completamente nu dentro da banheira. – Padre, isso não está certo! Se nos pegarem vão nos crucificar! – Dizia a moça cumprindo rigorosamente o que lhe era pedido. – Deixa de bobagem! Você está me higienizando. Que mal há nisto? Esfrega mais, vá. – Certa feita, após tomarem algumas taças de vinho na casa paroquial, Maria ao ser solicitada para esfregar as coxas do vigário, perdeu a cabeça, despiu-se das vestes – inclusive a calçola – e entrou na banheira espalhando água para tudo que foi lado. Nicolau ainda fingiu resistir, porém, diante da fraqueza da carne, quem disse que conseguiu? Acabaram se enroscando. Viraram os mais ardentes amantes, inclusive, dividindo a mesma cama todo santo dia. A presteza de Maria na paróquia desarmava os arengueiros, fazendo que fosse elogiada pela comunidade, Belarmino seguia sendo humilhado diariamente.
Dois anos depois de muito sexo selvagem, a população especializada em fofoca, sequer, imaginava o que rolava dentro daquelas quatro paredes. Eis que certa noite, após levar um esporro em plena missa, Belarmino perdeu o sono levantou no meio da noite e foi ter um tête-à-tête com o padre, não queria deixar de ser sacristão. Se perdesse o cargo, seria capaz até de tirar a própria vida.
Ao entrar no quarto topou com uma cena que o deixou estupefato. Gemendo feito uma louca lá estava Maria Preá, nua, cavalgando violentamente o pároco, que retribuía o prazer balbuciando palavras impublicáveis.
– Padre de Deus, o que é isso? Maria, vocês estão pecando? – Pegos de surpresa Maria correu pelada para um lado e o padre para o outro. Após recuperar o fôlego, o padre entrou de sola…
– Belarmino, isso lá são horas você aparecer por aqui, rapaz? Quer acabar com a nossa igreja? – De repente, o sacristão viu um filme passar na sua frente. Sua redenção estava bem ali diante do seu nariz.
– Eu não vi nada, não sei de nada e não vou contar nada…, porém, quero ser bem tratado daqui por diante. – Claro que o padre topou. O problema foi que de exigência em exigência o nível foi subindo e logo Belarmino se sentiu dono da situação e passou a chantagear o infeliz do padre.
– Noventa por cento do dízimo será meu a partir de agora. Tem mais: Quero comer quatro vezes por dia, não vou mais limpar banheiro e quero pirulitos, picolés e cocadas todas as tardes. – Sem alternativas, o padre Nicolau temendo o pior, aceitou os termos impostos pelo sacristão. Toda vez que o nível da exigência aumentava e ele questionava, Belarmino ameaçava:
– Ah, já sei. Está querendo que eu bote a boca no mundo, né? Maria Preá, Maria Preá? Ah se esse povo soubesse!… – Era falar e o padre retroceder. A coisa estava tão feia que quem usava a rural da paroquia era Belarmino, se o padre quisesse tinha que andar a pé. Logo, Maria e o Padre viraram escravos do Sacristão. – Meu quarto está sujo, limpa direito! Quero minhas roupas engomadas!
Em um dia de finados, após vir do cemitério logo depois de dizer uma missa, ao adentrar a casa paroquial, o pároco ouviu alguns gemidos e quando entrou no quarto flagrou o sacristão de quatro, gritando mais que barrão sendo castrado, sendo grosseiramente sodomizado por Antônio Preto (um negão famoso pelo tamanho). Quando viu o padre, tentou se desvencilhar do negão que o segurou fortemente e terminou o serviço. Após uns cinco minutos, Belarmino se limpou e tentou se explicar…
– Padre, eu lhe imploro, pelo amor de Deus, não fala pra ninguém. Se o povo daqui souber eu gosto de homens vão me matar. Por favor, eu imploro, estou em suas mãos, padre? Não fale isso pra ninguém…
Depois de relutar por alguns minutos, o padre Nicolau aceitou a proposta. O sacristão ficou tão feliz que se ajoelhou e beijou os pés do padre.
– Ah, padre. Eu fui um canalha! O senhor é tão bom. Não merecia o que eu lhe fiz. Me arrependo amargamente de tê-lo chantageado.
– Sem problemas, meu filho. Não falarei pra ninguém, porém, daqui pra frente, acabou, ouviu?… Morreu Maria Preá!
A sábia decisão foi boa para ambos os lados. Maria Preá foi enterrada ali mesmo.
FIM
Luiz Carlos Figueiredo
Escritor e Poeta
Cândido Sales, Bahia. Quadras de Abril de 2025.
Lua Nova de Outono.