Anderson Leonardo, vocalista e cavaquinista do Molejo, um dos grupos mais famosos e irreverentes do pagode dos anos 1990, morreu nesta sexta-feira (26) aos 51 anos. O músico foi internado no hospital Unimed, na Barra da Tijuca, Zona Oeste do Rio, no dia 27 de fevereiro, com fortes dores após sessões de radioterapia para tratar um câncer inguinal raro, na região da virilha.
Quem foi Anderson Leonardo?
Filho do produtor Bira Haway (que, como técnico de som do Estúdio Haway, na região da Central do Brasil, gravou nos anos 1970 discos de Jamelão, Elza Soares, Fagner, Alcione, Fafá de Belém, Novos Baianos e Belchior, além de LPs de escolas de samba), Anderson nasceu e foi criado no bairro da Abolição, na Zona Norte do Rio, onde viveu cercado pelo samba. Um de seus melhores amigos de infância era Andrezinho, filho do ex-diretor de bateria da Mocidade Independente de Padre Miguel, Mestre André, o inventor das paradinhas. Os dois meninos fizeram shows folclóricos no exterior, nos quais tocavam músicas de capoeira e executavam acrobacias com o pandeiro.
No fim dos anos 1980, Bira Haway montou o Molejo como uma banda de baile. No começo dos 90, Anderson e Andrezinho (surdo e vocal) assumiram a banda e se juntaram a Claumirzinho (pandeiro e vocal), Lúcio Nascimento (percussão e vocal), Robson Calazans (percussão e vocal) e Jimmy Batera (bateria). Orientados por Bira (que mais tarde produziria, além do Molejo, grupos como produtor de Revelação, Exaltasamba, Pixote), misturaram o samba-pop e bem-humorado dos Originais do Samba com as inovações introduzidas no samba de raiz pelo grupo Fundo de Quintal.
“Queríamos ser uma banda de baile, e nosso primeiro nome era Nossa Banda. Depois, mudou para Grupo Molejo que era o nome da banda do meu pai. Por querer ser uma banda de baile é que temos toda essa alegria, esse repertório e sempre estar cantando músicas de outros artistas e outros companheiros”, disse Anderson ao jornal “O AbreCampense”.
Em 1994, o Molejo lançou seu primeiro LP, “Grupo Molejo”, que estourou com o samba-rock “Caçamba” (“está tudo aí / que papo legal / estão dizendo lá no gueto / que você tem um suingue legal”). Os discos seguintes trariam “Paparico” (“arranjei um carro importado / uma beca e um celular / na verdade era tudo emprestado / não tenho nem onde morar”), “Brincadeira de criança” e a “Dança da Vassoura” (“diga aonde você vai / que eu vou varrendo”). Para sublinhar a alegria dos sambas, era fundamental a presença de Anderson, com o seu riso largo, sua voz rouca e uma dentição muito particular — que ele optou por corrigir em 2015.
“Estou bem feliz com o resultado. Tudo melhora. Costumo brincar que a minha língua está mais à vontade na suíte. Antigamente o barraco ficava muito apertado (risos). Quando eu olho no espelho e vejo tudo certinho, fico muito feliz. A patroa gostou muito”, festejou ele, em entrevista ao Jornal Extra.
O maior dos sucessos viria em 1996, com “Cilada”, samba feito por Delcio Luiz e Ronaldo Barcellos durante um pileque em São Paulo (“inocente, apaixonado, eu estava crente que ia viver uma história de amor / não era amor, não era, era cilada”). Sem jeito, Delcio apresentou a composição a Anderson num almoço de Natal. “Eu nunca largo prato de comida, e larguei pra bater palmas pra eles”, contou o cantor no programa “Faustão da Band”. “Essa música é tão legal que até Lady Gaga deu uma moral”.
Ele se referia, de forma brincalhona, ao fato de que, em setembro de 2016, logo após a cantora americana ter lançado o single “Perfect illusion”, fãs terem apontado nas redes sociais semelhanças entre a música e “Cilada”. A brincadeira impulsionou as buscas pelas músicas do Molejo no Spotify, que cresceu 102% em apenas um dia. Dias depois, Lady Gaga fez referência no Facebook ao samba do Molejo para promover o seu álbum “Joanne”.
Com isso, uma nova geração descobriu o grupo (e o celebrou com memes e camisetas que diziam “Molejo maior que Beatles”), que então, após seis anos sem lançar um disco de inéditas, anunciou o álbum “Molejo Club”, antecipado pela música “Fofoca é lixo”. Logo depois foi anunciado que Andrezinho, que havia saído em 2009, voltaria ao grupo.
“André disse: ‘Quero voltar, não aguento mais ficar sozinho’. E eu respondi: ‘Vai lá e fala com os caras”. Foram oito anos de briga e, com o tempo, a mágoa vai passando, ainda mais porque a gente havia construído muita coisa junto”, revelou Anderson ao Extra. “Eram discussões sobre compromissos, condição monetária, virou uma bola de neve. A minha saída foi a parte ruim de nossa história”, admitiu Andrezinho, que durante os anos que ficou longe do Molejo, atuou como coordenador de bateria da Mocidade Independente de Padre Miguel.
Fonte: O Globo | Foto: Luís Alvarenga