Meninos que enchem os olhos
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Meninos que enchem os olhos

Autor: Luiz Henrique Borges

No dia 21 de junho, eu zapeava distraidamente os diversos canais da TV por assinatura, esperando que um deles prendesse minha atenção. Vamos retornar ao motivo da distração. Confesso que me tornei, desde março de 2015, um “atleta” com as plataformas de streaming, não sorria ainda, não estou sendo irônico. Desde a data já longínqua, eu coloquei uma bicicleta ergométrica em frente da televisão e acompanho diversas séries. Pedalo aproximadamente 1 hora e meia quase todos os dias, mais alegre e disposto. A tática me trouxe diversão e também maior disposição e saúde.

Na noite do dia 21, havia finalizado os exercícios, tomei um banho e refastelei no sofá. Como havia acabado, há poucos minutos, de assistir alguns episódios das séries que acompanho, queria ver outra coisa. Zapeei diversos canais dos mais distintos assuntos, de filmes, às reformas de casa, passando inclusive pelas mesas redondas de futebol, pelos canais de gastronomia e pelos noticiários. Nada! Até que cheguei no SporTV – que fique claro que não recebo qualquer valor para citar o nome do canal, uso deste recurso para melhor situar o leitor – e passava a final da Copa do Brasil sub-17 entre Palmeiras e Vasco no Allianz Parque.

O jogo mal havia começado e, ao sintonizar o canal, ouvi o nome de um jovem atleta que me chamou a atenção pelo excelente futebol que demonstrou durante a Copinha no início do ano. Ainda sem muita certeza do que fazer, se continuava ou não a “estressante” atividade de zapear os canais, parei alguns segundos para assistir à jogada que o promissor atleta do Palmeiras realizava. Gilberto, lateral direito do clube paulista, tomou a bola no meio de campo, lançou o atacante que matou a bola no peito, cortou o zagueiro e chutou para o gol. A sorte, companheira dos craques, fez com que a bola desviasse no defensor e saísse do alcance do goleiro vascaíno. Era o gol de Endrick, joia não só da base palmeirense, mas do futebol brasileiro.

Ao ouvir o nome do craque e em seguida o seu gol, larguei o controle remoto na mesinha que fica ao lado do sofá e parei de zapear. Não me arrependi. A partida foi de altíssimo nível técnico. Os atletas das duas equipes não corriam, eles desfilavam com a bola. O dilatado placar final, 4X1 para o Palmeiras, com dois gols de Endrick, não fazia jus a qualidade técnica dos jogadores vascaínos. Além da diversão proporcionada pela excelente partida, o confronto também definiu parte da minha manhã de domingo: iria assistir o segundo e decisivo jogo da final.

O clube paulista estava com as mãos na taça. É muito difícil reverter resultados dilatados quando se trata de equipes que são semelhantes tecnicamente. Viradas épicas, como a do Barcelona sobre o PSG em 2017, são raríssimas e por isso ganham contornos de heroicidade. Mas, não foi isto que a torcida do Vasco da Gama pensou.

No domingo, dia 26 de junho, ela compareceu no histórico e sempre charmoso Estádio de São Januário e apoiou do primeiro ao último minuto os seus “meninos”. Ela teve motivo para isto. Atuando com a qualidade costumeira, o Vasco inaugurou o placar aos 8 minutos e deu ainda mais esperanças para seus torcedores quando ampliou o placar no início da etapa final.

A confortável vantagem do Palmeiras estava se desfazendo. Sem o critério do gol qualificado, bastava mais um gol e teríamos a disputa de pênaltis. O clube paulista, agora contra a parede, conseguiu diminuir com Endrick logo após o gol de seu oponente. Os jogadores e os torcedores vascaínos não desanimaram. O restante da etapa final prometia e ela, na verdade, entregou muito mais do que se esperava. Foram emoções fortes para os torcedores dos dois times.

Aos 23 minutos, Gustavinho, atleta vascaíno, entrou na área do Palmeiras pelo lado direito do ataque e cruzou para o meio; Gabriel Vareta, em um lance de infelicidade, desviou no caminho e mandou contra o seu próprio patrimônio. 3X1 para o Vasco.

Em busca do gol que levaria a disputa para as penalidades máximas, os cariocas pressionavam o seu adversário, no entanto, deixavam espaços para os rápidos contra-ataques do Palmeiras. Em um deles, aos 36 minutos, Ramon foi derrubado perto da área e Endrick mandou uma bomba de canhota e diminuiu o placar.

Faltando pouco tempo para o encerramento da partida, o gol parecia ser a pá de cal nas pretensões vascaínas. Contando com o apoio da torcida, os jogadores do clube carioca não desanimaram. As esperanças cresceram quando, aos 42 minutos, fizeram o quarto gol. Os minutos finais foram eletrizantes e, praticamente na última jogada, o Vasco perdeu clara oportunidade de marcar o gol salvador e levar a decisão para a disputa de pênaltis.

O placar agregado, prova do futebol ofensivo e qualificado das duas equipes, terminou 6X5 para o Palmeiras que comemorou efusivamente o título arduamente conquistado. Os dois clubes contam com muitos talentos e espero que alguns dele superem o estreito funil que é o caminho até o futebol profissional. Certamente, em futuro já não muito distante, a Seleção Brasileira poderá contar com valores muito bons não só do Vasco e do Palmeiras, que certamente envergarão a amarelinha, mas também de outros importantes clubes formadores de talentos.

Se os dois jogos nos encheram os olhos e também nos deixaram esperançosos quanto ao futuro do futebol brasileiro, ainda melhor foi a entrevista do brasiliense Endrick, nascido em 2006 e que em julho completará 16 anos. Após o fim da derradeira partida, fiquei impressionado com a maturidade e a forma respeitosa com que o craque palmeirense tratou o adversário e a sua torcida. O craque que decidiu, com seus 4 gols, o título para o alviverde afirmou: “Não estou querendo ganhar a torcida do Vasco, não estou querendo que eles gostem de mim. Mas até na base você vê o que eles – torcedores do Vasco – fazem. Antes de entrar em campo, eu estava com um frio na barriga. Já sabíamos que ia ser difícil, como foi o primeiro jogo. Mas com essa torcida aí… Não tem como”.

Infelizmente, teremos pouco tempo para acompanhar de perto o craque. É praticamente certo que, ao completar 18 anos, ele desfilará a forma elegante de correr, de tocar na bola e trocar passes, de atacar os espaços e de chutar, em gramados europeus. O Barcelona é, atualmente, o destino mais provável, mas ele também é monitorado pelo Real Madrid, PSG, Manchester United e Manchester City.

O jovem ainda não estreou nos profissionais, mas neste ou no próximo ano ele deve ganhar suas primeiras oportunidades. Espero que seja o mais breve possível para podermos vê-lo em nossos gramados um pouco mais. Mantendo a cabeça no lugar e bem fisicamente, não tenho dúvida em afirmar que ele será um dos principais jogadores brasileiros na nossa rica, longa e vencedora história. Oxalá eu esteja certo.