JOÃO DOS BOLOS E JORDÃOZINHO DA PIPOCA.
Artigos Opinião

JOÃO DOS BOLOS E JORDÃOZINHO DA PIPOCA.

Autor: Luiz Carlos Figueiredo

A cidade de Cândido Sales – que nasceu Nova Conquista – foi fundada por Seu Nena (avô do poeta Roger Ferraz) e por seu João Dengoso (pai de Wilson Ferraz) nas terras do senhor Ângelo da Rocha Viana (pai do historiador) Diacísio da Rocha Viana. No final dos anos 1960 a grande seca que dizimou impiedosamente as plantações do sertão nordestino, também provocou o êxodo que acabou povoado boa parte do sertão da Ressaca e por tabela o povoado de Nova Conquista. Este êxodo fez que chegasse em nosso torrão pessoas fantásticas como Antônio Padeiro – pai do falecido doutor Amâncio -, Pedro Padeiro – pai do famoso Cabo Bezerra de Vitória da Conquista -, Seu Acelino Açougueiro – pai de Gereba -, seu Manfredo – pai do poeta Jaivan Acioly -, Seu Amâncio – pai da professora Santa -, o vereador Roldão Alves de Morais, os ourives Agenor, Jeremias e Bil, João dos Bolos (o pai de Pedrinho), Jordão Pipoqueiro e mais uma renca de pessoas fabulosas! Estes senhores – entre tantos outros – foram os pilares deste torrão que hoje é conhecido por Cândido Sales.

Seu João dos Bolos por exemplo, foi um dos primeiros padeiros que existiu por aqui. Fazia bolos, biscoitos e pães e saía conduzindo a sua boleira pela cidade. No início vendia bolos carregando em cada uma das mãos um tabuleiro com seis unidades, logo após, construiu a famosa boleira (um carro de compensado com um espaço enorme e que chamava a atenção dos compradores por ter uma espécie de chocalho retinindo em tempo integral.

– Olha o bolo, o biscoito palito e o pão-fatia, patroa… quem vai querer? – Entoava diariamente. Assim que construiu sua padaria, aposentou definitivamente a boleira. Apesar da aparência sisuda, era um cidadão admirável! Brincalhão, bem-humorado, extremamente direito e excelente pai de família que de quando em vez tomava até uma meizinha, sempre relatando a saudade da sua terra natal, a pequena Tabira no sertão de Pernambuco.

Outro “nortista” que fez muito sucesso por aqui foi Jordão, o pipoqueiro. Baixinho, fortinho, negro raçado à indígena e que andava bem devagarzinho devido às suas perninhas diminutas. Era famoso por ser uma excelente pessoa e por não ter – digamos assim -, “características físicas muito atraentes”, utilizadas pela meninada para tirá-lo da sua zona de conforto. No contexto geral, Jordão construiu sua história – entre outras coisas –, conduzindo por muitos anos a cruz de madeira que ornamentava a procissão da Igreja Católica. Durante anos, toda sexta-feira da paixão, lá estava Jordãozinho com a cruz que tinha o dobro do tamanho dele, puxando o cortejo com suas perninhas curtas e os seus passinhos diminutos. Além da pipoca, o baixinho também vendia o seu famoso amendoim torrado – sucedendo no ofício, o velho e excelente Carcará, o pai de Marrom – que dizia deixar o velho mais novo e o novo mais aprumado. Durante a década de 1970 e 1980 de segunda a sexta-feira, fizesse chuva ou sol, lá estava Jordão estacionado nas portas dos colégios vendendo seus amendoins, enquanto era zoado em tempo integral pelo alunato – em especial pelas garotas.  Quando seu João encontrava Jordão já ia gritando para que todo mundo ouvisse:

– Rapaz, estou vendo a hora da gente provocar um acidente. Você está entrando nos becos sem dar sinal e em uma velocidade lascada. Se acontecer do seu carrinho de pipoca topar com a minha boleira em uma destas esquinas vai ser um desastre. Vê aí se anda mais devagar, tá correndo demais! – Quem conhecia seu João sabia que era gozação, o pobre Jordão andava com uma velocidade digna de uma tartaruga. Além de nordestinos e baixinhos, a dupla tinha em comum o jeito de conduzirem os seus veículos chamando a atenção pela lerdeza. Sempre que podia, o boleiro zoava o pipoqueiro, embora, um tivesse muito carinho pelo outro. Quando queria irritar Jordão, o padeiro tornava pública uma história ou outra do baixinho que perdia completamente à estribeira e xingava violentamente até a terceira geração da família de seu João que se divertia com o nível de infezação do amigo.

Contava João dos Bolos que certa feita um motorista passava tranquilamente por Nova Conquista e ao ver Jordão deu uma freada tão lascada que quase virou o caminhão que dirigia. Ao descer rapidamente da boleia pegou Jordão pelo braço e o levou à força para tomar uma dúzia e meia de cervejas – tudo pago por ele – no Bar de Faé.

– Moço, me solta. O que ocê quer comigo? Estou trabalhando, não tá vendo? – Gritava Jordão sendo insistentemente puxado.

– Vem cá, moço! Finalmente eu lhe encontrei. Acha que eu vou deixar você ir embora assim? Eu até já tinha perdido as esperanças. Vamos tomar umas brahmas para comemorar este encontro! Não se preocupe que quem vai pagar a conta sou eu. Me dá este prazer? –   Insistia o desconhecido.

– Não quero não, rapaz. Eu nem lhe conheço, sei lá o que você está querendo? Tenho meus amendoins pra vender. Que intimidade é esta? Larga de lambança! Saia do meu pé, chulé!

– Quanto é que custa os seus amendoins? Toma aqui. Mais do que você iria vender esta tarde. – Falou sacando do bolso um monte de notas, botando na algibeira do baixinho. Mesmo sem querer, diante da insistência do desconhecido, Jordão foi conduzido até o balcão do bar.

– Beba aí, beba. Vamos comemorar! – À contragosto Jordãozinho foi tomando aos pouquinhos e meia dúzia de cervejas depois estava mais alegre que pinto no lixo. – Vou tomar só mais um copo, mas eu quero saber o que você viu em mim? – Indagava esvaziando de vez o copo de cerveja. – Mas diz aí o que você quer comigo? Bonito eu não sou… “Ocê” não tem cara de quem gosta de homem, “entonces” o que queres comigo? Vá falando, vá falando, estou louco pra saber… –  À medida que falava, agora já bastante descontraído, Jordão só ia entornando o caldo. Abraçava o motorista, dançava sozinho, pulava, dava tapinhas nas costas do – agora – “melhor amigo”, estava tão feliz que até se esqueceu da vida. Enquanto ele se divertia, o desconhecido gritava para o dono do bar: – Desce mais uma seu Faé! – Aquela renca de garrafas, uma roda de curiosos esperando o desfecho da história e o motorista ali, bebendo todas, com a mão no queixo, “tirando uma linha” de Jordãozinho que completamente embriagado, dançava alegremente diante do olhar de admiração do chofer…

– Obrigado senhor, muito obrigado! Tantas noites mal dormidas, tanta procura sem sucesso por todo o Brasil, e quando eu estava quase desistindo, ei-lo aqui, diante do meu nariz. Ele existe sim senhor! Valeu a pena eu procurar!  – Falava e se ajoelhava aos pés de Jordãozinho que morto de bêbado não entendia absolutamente nada. – Deus é justo. Ele me mostrou onde você estava… Eu lhe procuro desde que eu era rapazote! – Insistia o motorista tomando todas e enchendo Jordão de cerveja. – Desce mais uma, seu Faé. Hoje é dia de comemoração! – Nesta altura o bar já estava pra lá de abarrotado, metade do povoado ali, querendo saber o resultado daquele sucedido. Quem seria aquele homem? O que ele queria com Jordão?

– Eu vou me embora! Cansei de beber por hoje e se você não quiser me contar o problema é seu. Mas… Fala aí a verdade, sou algum parente perdido seu, não sou? Ah… É isso. Devo ser algum primo seu!

– Não. Você é muito mais do que isso. Vai embora agora não.  Desce a saideira aí seu Faé. Vamos sair bêbado deste encontro. – A cerveja descia e a dupla solvia em uma ligeireza disgramada. – Quem paga sou eu. Fique quieto aí, deixa só eu ficar olhando “prucê”! – Falava e ficava um tempão admirando o pipoqueiro! Sempre que tentava sair, o carreteiro insistia para tomarem a “saideira”, encarando Jordão com um sorriso sarcástico nos lábios:

– Moço, Deus é grande! Olhe que eu tenho andado muito por este Brasil de meu Deus, sempre lhe procurando e nunca lhe achei. Já tinha até perdido as esperanças, e olhe quem eu vejo? Você! Graças a Deus, você existe! Desce mais uma pra nós! – gritava o motorista. Beberam tanto que quase acabaram com o estoque de cerveja do velho Faé. Lá pelas tantas, ambos completamente “chapados”, Jordão abraça-se ao carreteiro e, com a voz trôpega, passa a implorar:

– Amigo… Não aguento mais… Pelo amor de Deus, o que você quer de mim? Fala aí, fala! Não me deixa aflito deste jeito não! Me conte aí, vá! – Dizia abraçando-se ao desconhecido. – Eu sou seu parente? Fala a verdade! – Perguntava com a voz trôpega cambaleando de um lado para o outro.

– Bom. Você quer mesmo saber? – Perguntou o motorista mais chumbado que Jordão.

– Se eu quero? Moço conta logo! – Insistiu Jordão.

– Cidadão, eu achava que nesta vida eu jamais iria encontrar alguém mais feio que eu. Já tinha até perdido as esperanças. De repente encontro você que é horrível! Duas vezes e meia mais feio do que eu! É por isto que estou tão feliz! Graças a você eu não sou mais o homem mais feio do mundo! – Falou se abraçando à Jordão que mesmo embriagado olhou desolado para cara do chofer para em seguida lhe aplicar um violento soco bem na cara fazendo o indivíduo cair por cima do monte de garrafas vazias. Bateu, ajeitou o corpo e gritou:

– Feio é sua mãe, fí duma égua! – Gritou e saiu trocando as pernas se esquecendo completamente do carrinho de pipoca que foi carinhosamente guardado por seu Faé.

Ao ouvir a história contada por João dos Bolos, o pipoqueiro saiu do prumo e soltando um monte de impropérios, só não agrediu o boleiro porque foi seguro pelos que acompanhavam a prosa. Seu João, diante do sucedido, quase teve uma crise de tanto dar risadas!

FIM

Luiz Carlos Figueiredo

Poeta e Escritor

CSales, BA. Quadras de Setembro. Crescente de Inverno 2022.