Migliaccio era ateu, mas dizia ter uma boa relação com a figura de Deus: “É uma energia bonita que existe na natureza”
Autor: Jornal Extra | Foto: Divulgação
Declaradamente ateu, o ator Flávio Migliaccio, que foi encontrado morto em seu sítio em Rio Bonito, na manhã desta segunda-feira, estrelou uma peça em 2017 em que seu personagem tinha uma conversa com Deus. Em “Confissões de um senhor de idade”, com texto escrito e dirigido por ele mesmo, Migliaccio contava suas histórias de mais de 60 anos de carreira e oito décadas de vida. Em entrevista ao EXTRA na ocasião da estreia, ele comentou que o espetáculo não o fez rever suas convicções religiosas:
— Nos ensaios, Deus não conseguiu me convencer do contrário. E olha que ensaiei bastante (risos). Mas temos uma relação saudável. O homem transforma tudo numa coisa espiritual. A figura de Deus é uma energia bonita que existe na natureza.O detalhe importante é que eu não acredito nele, né? A partir daí, um começa a falar da vida do outro. É bem engraçado. Se não tiver bom humor, fico mal-humorado (risos).
O veterano, que já tinha confidenciado ter sido assediado sexualmente por um padre quando criança, no colégio, confirmou que a experiência traumática contribuiu para a sua descrença, completando:
— Aconteceram muitas coisas que fizeram com que eu me tornasse ateu. Usam a religião para ganhar dinheiro. Você pode ter religiosidade e não ter religião. Eu tenho amor pelo próximo, pela natureza, procuro viver em sintonia com o lugar em que vivo. Quando o bicho pega para o meu lado, procuro analisar os acontecimentos e resolver através da natureza. Se você está triste, anda numa praia com o vento batendo no rosto que isso pode curar.
Questionado sobre o que lhe aconteceria depois da morte, ele respondeu, com bom humor:
— Vou virar pó e ficar girando com o universo. É uma tremenda adrenalina (risos)!
Na mesma entrevista, Migliaccio afirmou que sua idade avançada não era motivo de desrespeito na TV.
— Não! Pelo contrário, ela tem muito respeito. Eu sou um exemplo disso. Acho que a televisão tem preconceito contra os maus atores, com quem sacaneia. Quem respeita tem retorno — argumentou ele, que era casado há seis décadas com a mesma mulher: — Os dois têm que se respeitar. Isso não pode se perder. O sexo se faz de várias maneiras. Olhares, palavras, aperto de mão… Você descobre formas de fazer com que o amor se transforme em prazer.
Sobre planos profissionais a serem realizados, ele citou a vontade de escrever um seriado chamado “Os filhos de Shazan e Xerife”, derivado da bem-sucedida parceria com o amigo Paulo José na TV, na década de 1970:
— Pegaria dois atores de “Malhação” e eles sairiam pelo mundo, como os pais fizeram. Sabe que a grande qualidade do ator é se transformar no personagem? Mas eu faço ele se parecer comigo. Não tenho vergonha de confessar isso. Como tenho dificuldade de me aproximar do papel, faço o caminho inverso. Acho o Xerife a minha cara!