FIGURINHAS REPETIDAS
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FIGURINHAS REPETIDAS

Crônicas da Madrugada

Autor: Danilo Sili Borges

No meu entender, o mais lúcido pensador destes vinte primeiros anos do século XXI é Yusval Noah Harari, historiador e professor da Universidade de Jerusalém, autor da trilogia Sapiens-Uma breve história da humanidade, Homo Deus e 21 lições para o século 21. Sua visão do futuro da humanidade assente nas mais modernas teorias e pesquisas científicas nos fazem ver as possibilidades e os riscos do porvir da vida e da sociedade neste ameaçado planeta. Harari não é só cultura e erudição, ele traz também a clareza do escritor de vocação e a preocupação do humanista desligado de preconceitos, mesmo religiosos, apesar de suas origens judaicas.
Não sei se um tanto desanimado com as gerações atuais, o desafiante intelectual israelense iniciou a publicação de uma tetralogia, de seu pensamento, para crianças, baseado na sua crença de que o mundo só será alterado e salvo se a infância atual começar a perceber os novos conceitos e se posicionar de acordo com eles.
Além da história da evolução da espécie, recontada com especial sabor, correlações das nossas reações instintivas são aventadas com hipóteses sobre as vivências dos nossos mais longínquos ancestrais e registradas na nossa hereditariedade genética.
Explica o autor, que o sucesso do homo sapiens em se tornar o dono absoluto do planeta se deve a duas características que nenhuma outra espécie animal demonstrou: a capacidade de cooperação em grandes grupos para atingir fins específicos e a capacidade de imaginar, de conceber e criar idealmente coisas inexistentes, de criar histórias, narrativas e mobilizar grandes grupos por elas, característica também única dentre os animais, que até nos faz pensar, preconceituosamente, que não somos um deles.
Esse primeiro volume foi publicado recentemente, cem páginas dirigidas a um leitor com dez anos de idade, que condensa verdades científicas comprovadas e sabedoria ancestral. Vale a pena a leitura rápida e fácil para agradar a criança que fomos e para refrescar conceitos que deixamos escapar na pressa “das coisas sérias” do dia a dia. É sugestão para presentear no Natal que se aproxima os netos e os adultos inteligentes do nosso convívio.
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Em época de Copa do Mundo, nós, de priscas eras, preenchíamos também os álbuns com as fotos dos craques do futebol internacional. Nada com a beleza gráfica que apresentam hoje. Não eram autocolantes o que nos obrigava a usar colas: na época, a goma arábica ou então um grude caseiro feito com farinha, que acabava por atrair baratas que em pouco tempo destruíam o álbum. Havia as figurinhas “presas” ou muito raras que a editora, dona do negócio, usava para nos fazer comprar os pacotinhos com 5 unidades de fotos mais que o necessário. Trocávamos os cromos, logo surgiam camelôs especializados no negócio, tinham os jogos de bafo com as mãos em concha. Há muito tempo estou fora da brincadeira, mas sei que existe porque vejo alguns adultos e crianças das minhas relações na diversão. Naquela época se dizia: “Não adianta ter muitas figurinhas, porque figurinhas repetidas não completam álbum”. Conversa que surgia nas negociações, “3 por 1; 10 por 1”.
Ocorreu-me a ideia da figurinha repetida por causa da eleição do próximo domingo, 2/10/2022, que segundo as opiniões abalizadas terá como ganhador um dos dois primeiros colocados nas pesquisas. Figurinhas repetidas na presidência da República. Um dos postulantes pretende colar no quadradinho sua foto, agora com os cabelos brancos e pele bem enrugada, pela terceira vez.
Parece-me que os eleitores não concordam com a ideia de que é preciso colocar na galeria dos presidentes um retrato novo.
No primeiro turno, concorrem 11 candidatos. Os perfis são os mais variados, permitindo escolhas segundo critérios amplos e democráticos. O afunilamento deveria, segundo o planejamento eleitoral, ocorrer no segundo turno das eleições.
Não é o que se está se verificando, segundo as pesquisas. Para o primeiro turno são os que ocuparam ou ocupam a presidência da República que somam aproximadamente 85% das intenções de votos, o que me faz concluir que ambos tiveram grande aceitação do eleitorado.
Inócuas são, portanto, as campanhas eleitorais demolidoras usadas de lado a lado. Cada qual chegará ao próximo domingo com seu eleitorado cativo, a partir da sua narrativa, aquela a que Harari se refere, mesmo que seja uma abstração, mas capaz de mobilizar grandes contingentes.
Portanto, o desemprego, o baixo desenvolvimento econômico, a insegurança pública, a educação deficiente, a saúde pública precária, a desigualdade econômica, a fome que se abate sobre boa parte da população, nada tem a ver com as figurinhas repetidas? Pelo menos para cada metade dos eleitores?
É possível que o programa de cada um para o novo mandato esteja explicando tudo o que desta vez será feito e eu é que não os tenha lido, ou será que eles não têm mesmo programas coerentes e detalhados de governo?
Isso seria demais num país sério e desenvolvido como o Brasil! Eu é que não entendi bem! O eleitor está mesmo é apostando na experiência adquirida pelo seu candidato. Por exemplo: Erros cometidos nas políticas econômica, externa, industrial, educacional, de saúde seriam agora corrigidos – uma espécie de exame de 2ª época, como se fazia antigamente com quem não alcançava o desempenho razoável na primeira tentativa. Isso agora se chama “Recuperação” (segundo minha neta). Quem quer que seja o nosso presidente será, nessa hipótese, recuperável?
O cronista em nenhum momento abordou neste texto a delicada questão da corrupção. Vergonha alheia!
Crônicas da Madrugada. Danilo Sili Borges. Brasília – Set.2022
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O autor é membro da Academia Rotária de Letras do DF. ABROL BRASÍLIA